Qual é o impacto da pandemia na Nissan, no momento em que a empresa completa completa 20 anos no Brasil e seis anos desde que instalou a montadora em Resende, no Rio de Janeiro?

É um momento importante para a Nissan no Brasil. A pandemia traz impacto para todos, mundialmente e ainda mais para o nosso país, que está voltando da crise de 2015 e 2016. Neste momento de retomada, viemos com uma redução drástica da indústria automobilística no Brasil. Os impactos são vários e estamos convivendo com eles.

 

A Nissan prepara o lançamento do Versa, vindo do México. A pandemia atrasa esse cronograma? E essa nova versão “aposenta” a que é atualmente vendida no Brasil?

A nossa ideia sempre foi manter os dois carros no mercado, porque há o segmento B, em que sedans como o Versa atual com um nome forte no mercado, e o novo competiria com outras marcas em um segmento que ainda está crescendo. Nossa história mostra que temos uma forma muito clara de ver o mercado e entendemos que esse mercado vai continuar crescendo. Temos controle dos nossos fornecedores e do pessoal que trabalha na planta de Resende, mas o problema é que um produto novo, vindo do México, está sendo impactado por fornecedores, pelo parque de desenvolvimento de peças e pela paralisação da planta do México. Vai haver atraso dos nossos planos.

 

Quais são os planos de retomada da produção da Nissan no Brasil? A pandemia adia investimentos da montadora no país?

O impacto é gigante, principalmente no fluxo de caixa, no curto prazo. Há um fluxo de entrada interrompido e continua tendo que fazer pagamentos. Toda indústria é impactada por isso. Os investimentos seriam feitos baseados em entradas vindas da matriz e com fundos próprios do Brasil, mas essa ideia se encerrou com a pandemia. Há impacto nos nossos investimentos e programas, e vamos refazê-los conforme o andamento da pandemia, da melhoria do mercado e do país.

 

A Nissan tem 2.500 funcionários no país. Esse problema no fluxo de caixa pode ocasionar perda de emprego e no lançamento de produtos no Brasil? 

Há impacto nos produtos futuros, não só no Brasil, mas o Japão e os EUA têm sofrido também, assim como México e China. A empresa como um todo está sendo impactada e vai haver reflexo em alguns investimentos. Com relação aos empregos, é muito claro: temos uma grande responsabilidade com a saúde das pessoas e temos trabalhado de forma consciente e responsável sobre como lidaremos com isso no futuro. Queremos que o mercado volte no Brasil. Estamos mantendo todos os empregos e aproveitando a Medida Provisória (MP 936/2020), trabalhando com o “lay-off” e tivemos que trabalhar com redução de jornada de alguns trabalhadores. Isso foi estendido até o dia 22 de maio.

 

A versão do compacto March com motor 1.0 foi retirada de linha em fevereiro deste ano. Esta nova realidade, que aponta uma necessidade de transporte mais individual, pode contribuir para que a Nissan volte a oferecer esse carro de entrada, que tem preço mais baixo? 

A mobilidade vai sofrer uma grande transformação. Isso já estava muito claro desde as discussões sobre eletrificação e sobre carros compartilhados. O mercado vai ter uma nova prática de compra e utilização do veículo, em termos de mobilidade. Isso abre oportunidades e fecha outras portas. O March é um carro no segmento de entrada, mas, não necessariamente, é o carro que tem a contribuir nessa mudança de mercado. O Versa, que vai se chamar V-Drive, tem muito mais um apelo para essa transformação da mobilidade, em que as pessoas pode compartilhar o carro ou o utilizarem a partir de aplicativos. Temos avaliado um plano tendo em vista que o crédito é mais limitado, os recursos não estão disponíveis e o que as poderiam fazer para comprar um veículo de forma mais sossegada.

 

Com o dólar em alta, a Nissan tem intenção de fortalecer a cadeia produtiva nacional?

É importante entender que toda a cadeia de negócio está sendo impactada – nossos fornecedores e os fornecedores deles estão sendo impactados, assim como clientes e concessionários. Vendo a cadeia completa de valor, certamente um dólar a R$ 5 tem um impacto grande no negócio e para toda a indústria automobilística no Brasil. Esse impacto tem que ser absorvido ou repassado em mudanças de preços ou em redução de custos internos. Então, a indústria precisará se reorganizar de forma muito clara e objetiva para passar por esse período. Isso abre portas para fazer investimentos no Brasil, devido à necessidade de reduzir a exposição em moedas fortes, como o dólar, o iene ou o euro. Com dinheiro limitado, os investimentos vão ser feitos naquilo que dá um retorno mais rápido. 

 

Como fica o investimento na Champions League?

Como uma das principais patrocinadoras, olhamos essa questão com cuidado. Nós continuamos com plano de patrocínio, mas ele tem um limite, porque estamos na fase de revisão do contrato. Como é um contrato global, é nosso time de marketing global que está cuidando dessa questão. 

 

O carro elétrico da Nissan tem futuro?  

Vai ser interessante ver como o carro elétrico vai se desenvolver no mundo, neste momento. Há muito investimento e há necessidade de retorno muito rápido dele. Pode haver um desenvolvimento muito mais rápido, pelo possível aumento na demanda. Mas também pode ser que haja menos investimentos, pela necessidade de colocar dinheiro onde há mais retorno ou aqueles mais necessários para cada empresa. Ainda vai haver uma transformação na utilização do carro elétrico. Acredito que, no Brasil, vamos continuar investimento nele. 

 

Uma leitora afirma que circula a informação de que a Nissan vai apresentar o plano de recuperação global em maio, e que os mercados da China, dos EUA e do Japão devem ser o foco da companhia, deixando países como o Brasil em segundo plano, inclusive com a interrupção da produção de modelos como o March, no Rio, restando a produção do modelo Kicks. Há chance de a produção se encerrar no Brasil e a fábrica ser fechada?

Há especulações agora, e precisamos tomar cuidado, porque há diferença entre informações e dados. Não comentamos o que vai acontecer. Existe um plano estratégico que vai ser divulgado no final de maio pelo nosso CEO, e ele inclui a América Latina e o Brasil, considerando continuidade dos investimentos de médio a longo prazo.

 

O programa de mobilidade do Governo Federal, Rota 2030, vai ficar comprometido? E qual é a perspectiva para o Kicks híbrido para o médio e longo prazo?

O Rota 2030 é um programa de longo prazo, que foi discutido há dois anos com toda a indústria e com a sociedade, de forma a vislumbrar como vai ser a indústria automobilística do país no futuro. Acreditamos que o Brasil vai ter que abrir as portas para a importação da tecnologia de veículos, no futuro. Mas precisamos de uma empresa e de uma indústria competitivas no Brasil. Para isso, é necessário haver investimentos e que as condições de mercado sejam melhoradas. Precisamos entender o Rota 2030 como uma necessidade, mas há aspectos, especialmente quanto à regulamentação, que provavelmente vão ser prorrogados devido à necessidade de caixa e de retorno em curto prazo. O carro eletrificado, o híbrido é uma forma de nós entrarmos nesse mercado no Brasil não só com um carro elétrico, mas um carro com mais autonomia e que ainda use gasolina ou etanol como base da propulsão ou do gerador que gera a propulsão do veículo. No Japão, temos um carro chamado Note, que tem tecnologia do e-Power, ou seja, é um carro elétrico que tem um gerador que gera eletricidade, mas é alimentado por combustível fóssil ou etanol, no nosso caso. 

 

O que a pandemia pode mudar na relação do consumidor com a empresa, desde o pré-venda ao pós-venda?

É importante considerar o que o consumidor quer da indústria automobilística para frente. Uma das coisas que estão claras é que esse relacionamento direto do cliente com a montadora vai continuar existindo. Os nossos concessionários são muito importantes e muitas das necessidades dos clientes são tratadas com eles. Mas, com certeza, vai haver uma relação direta entre montadora e cliente. Isso abre portas para várias oportunidades de negócio. Temos que ver a pandemia de forma positiva, quanto à forma como o cliente vai mudar o modo como compra e interage com as empresas, além da forma como ele financia o carro e se transporta. A compra do carro vai continuar existindo, mas, não necessariamente, é a única forma de a pessoa andar de carro.

 

Qual é a participação do Governo Federal na implantação do carro elétrico? Há diálogo para além da infraestrutura, como subsídios?

Não temos nenhum subsídio como há em alguns países da Europa, por exemplo. Neste momento, o governo está aberto ao carro elétrico como uma forma de trazer essa nova tecnologia que existe em outros países do mundo. Um problema muito discutido é a infraestrutura. Ela terá de chegar de duas formas: dos agentes de Estado e das empresas privadas. Muita gente tem expectativa de que o Estado faça alguma coisa, mas é preciso que isso seja desenvolvido pelos dois lados. Vai ser preciso infraestrutura para trazer o carro elétrico ou vice-versa? Na verdade, eles têm que chegar em conjunto. Essa é uma das das coisas que fazemos com os clientes do Leaf. No preço, já incluímos o carregador para casa, porque sabemos que é uma necessidade. Há outras empresas com as quais conversamos nos últimos meses sobre formas de aliar corredores elétricos ou zonas de distribuir carregadores rápidos em algumas zonas das cidades.  

 

No final do ano passado, a Nissan encerrou um plano de investimento de R$ 3 bilhões de reais que consistiu na planta de Resende, no lançamento do Kicks e do patrocínios dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, em 2016. Pode haver um novo plano de investimentos para a América Latina nesse plano que vai ser apresentado em maio?

Nos últimos seis meses, temos discutido possibilidades de investimentos futuros no Brasil. Encerramos um ciclo de investimentos com a planta de Córdoba, na Argentina,que faz parte da aliança com a Renault, e trouxemos a nova Frontier para a região. Tendo Brasil e Argentina no mesmo patamar, há um mercado a ser explorado nos dois. Agora, estamos olhando para os próximos cinco anos.

 

Como a pandemia impacta as vendas e qual é a previsão para o fechamento do ano?

O impacto já foi visto no mês passado, com uma queda de 75% do volume. Sabemos que maio também vai ser complicado. Nós temos algumas cidade que ainda não abriram as concessionárias e isso vai ter consequências para este ano fiscal. Há incerteza sobre como o consumidor vai voltar a ter confiança de consumir outra vez, havendo o risco de perder o emprego, da redução do salário, e dos negócios que tem sido fechados ou reduzidos. Vamos propor uma forma diferenciada para esse cliente ter acesso ao veículo e segurança para comprar um carro. O mercado vai voltar. Em 2021, ele retorna ao patamar de 2019 e acreditamos que, a partir de 2022, siga o que prevíamos antes. 

 

Um leitor, que é mecânico reparador em Contagem, diz que é muito difícil encontrar peças de reposição da Nissan. Ele pergunta se há projeto de aproximar mecânicos independentes e a montadora, como acontece em outras fábricas. 

Eu creio que a relação do consumidor com a fábrica vai mudar. A fábrica tem que ter contato com ele. O intermediário é fundamental para a relação, mas há possibilidade de haver e-commerce e formas de atender casos como esse, de forma que disponibilizemos as peças de forma mais rápida e eficiente ao ponto final, que é ele com o cliente dele. 

 

Outro leitor diz que comprou um Nissan Kicks no lançamento. Mas achou surreal um carro com o valor que pagou não ter itens como piloto automático. O que pesou na troca foi o motor, que tornava bem difícil subir os morros de BH. Por que a Nissan não disponibiliza uma motorização melhor para esse veículo?

O Kicks é um dos líderes no segmento dele. Ele foi muito bem aceito no mercado brasileiro, o design dele ainda impressiona, depois de quatro anos. Hoje, já temos o piloto automático e queremos continuar progredindo e melhorando nosso produto. O motor é um ponto do total do valor e do produto. Ao colocar um motor 1.6 em um carro como o Kicks, que é de 200 kg a 300 kg mais leve que a concorrência, a relação do peso com a potência do motor ajuda muito. Mas entendo que o leitor tem razão e estamos trabalhando para oferecer algo diferente.

 

Na Índia, em janeiro deste ano, foi anunciado que a Nissan produziria um SUV compacto com a plataforma do Renault Kwid, seguindo a aliança Renault-Nissan. Há chance de esse carro chegar ao Brasil?

Não vamos falar sobre esse caso exatamente, porque ele foi desenvolvido e pensado para o mercado indiano. Mas a aliança Renault-Nissan, que inclui a Mitsubishi em alguns locais, está fortalecida. Temos trabalhado juntos cada vez mais para desenvolver veículos, mantendo o DNA de cada marca completamente independente. Temos que explorar mais isso. Estamos começando no Brasil, como marca Nissan, enquanto a Renault tem fábrica própria no país há mais tempo. A sinergia entre elas é importante para o futuro das marcas no país.

 

Há movimento nos bastidores para redução do IPI, para diminuir o impacto das perdas em função da pandemia?

Não há nenhuma discussão. A questão tributária é complexa e precisa ser discutida como um todo. A reforma tributária do país precisa ser extensa e completa, porque boa parte do preço dos veículos praticado no país é em decorrência dos impostos e dos tributos. Sempre comparamos o preço de um carro produzido no Brasil ao de um carro feito em qualquer outro lugar e um fator dominante que precisa ser levado em conta aqui é o tributário.

 

Há planos de fazer acordos para retomada após a pandemia sobre tributos e a negociação de juros mais acessíveis?

A discussão com o governo é como garantir os empréstimos, tanto das montadoras quanto dos bancos para que possamos oferecer crédito e financiar as operações. Isso está sendo discutido com o Ministério da Economia, e o BNDES tem feito parte da discussão. Tem que haver discussão com os bancos privados também. Por mais que queiramos falar de toda uma indústria buscando recursos no sistema financeiro, cada empresa tem as suas necessidades e seu fluxo de caixa para serem avaliados.  

 

 



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