Antes de aceitar o convite de Jair Bolsonaro para presidir a Petrobrás, no final de 2018, o economista Roberto Castello Branco* já havia construído uma carreira de bom tamanho. Nos anos 80, ele fez a cabeça na Universidade de Chicago, um festejado nicho do neoliberalismo. Pelo caminho, esteve 15 anos na Vale e depois passou, entre outros, pelo Banco Central e pelo Boavista. Na própria Petrobrás, ficou um ano no conselho administrativo, entre 2015 e 2016.
Foi um bom treino para a batalha que ele vem travando há 20 meses. Sob seu comando, está uma empresa marcada primeiro pela corrupção, depois pela Lava Jato, com uma estrutura de custos pesada, num planeta que desconfia cada dia mais do petróleo e do diesel e com o carro elétrico despontando ali na esquina. Além das tarefas prementes, como reduzir dívida e enxugar equipe, é preciso livrar-se do que não é sua vocação essencial.
Por exemplo, passar adiante as refinarias. A estatal tem 98% do parque de refino no Brasil, o que ele considera “uma anomalia no mundo”. Na prática, 14 refinarias, “uma área que não tem gerado valor, pelo contrário, tem desperdiçado”, conta ele nesta entrevista a Cenários, parceria do Estadão com o Banco Safra. Nessa mesma linha, aliás, a empresa anunciou nesta segunda-feira a venda, para três grupos privados, de 14 campos menores na Bacia de Campos, nos quais já não investia há tempos.
E o futuro? É inovar. Criar uma empresa “tecnologicamente dinâmica, aproveitando ao máximo os seus cientistas”. Uma das novidades, conta ele a Sonia Racy, é o diesel renovável – já desenvolvido, aguardando aprovação -, que “reduz em 70% a emissão de gases de efeito estufa e em 15% em relação ao biodiesel”. A meta lá na frente é criar “um projeto resiliente a um preço de US$ 35 o barril. Tomamos medidas olhando para 2040”.
Quando o sr. assumiu a Petrobrás, no início o ano passado, já tinha sido conselheiro da empresa antes. Como encarou o novo desafio?
Não tinha muita coisa diferente, o que mudou é que ela tinha melhorado. Um problema importante tinha sido afastado, a corrupção. Mas persistiam o endividamento elevado, os custos muito altos e problemas de gestão.
A dívida da empresa diminuiu muito desde então. Que medidas tomou?
Criamos um programa de desinvestimentos baseado num pilar estratégico: investir apenas em ativos dos quais somos o dono natural. É aquele ativo onde você trabalha melhor que ninguém. Por exemplo, a exploração de petróleo em águas profundas. E vender outros ativos que não têm nada a ver com isso. Assim, nós conseguimos reduzir a dívida. Desde janeiro de 2019, pagamos US$ 31,5 bilhões da dívida, quase US$ 1,5 bilhão por mês.
Isso graças a desinvestimentos?
Sim, e também à redução de custos. Ainda estamos distantes de nossas metas, mas registramos avanços. Criamos uma outra dinâmica na gestão de estoques, nas vendas. Temos conseguido exportar mantendo as refinarias com taxa elevada de utilização. Essas iniciativas têm ajudado na redução das dívidas e para que a empresa tenha sucesso neste mundo pós-pandemia.
A Petrobrás tem um projeto grande de privatização das refinarias. Por que ela não quer mais atuar nessa área?
A empresa tem 98% do parque de refino do País. São 14 refinarias. Por que vender? Porque se trata de uma área que não tem gerado valor, ela tem é desperdiçado, com custos altos e ineficiências grandes.
Então, por que alguém vai comprar?
Pela diferença de gestão. O melhor investimento que você pode fazer é comprar um ativo bom, porém mal gerido. Você muda a gestão e vai ganhar muito dinheiro. Mas o refino é uma atividade de transformação industrial, de margens baixas. Exige um custo de capital baixo, custo de pessoal idem, o que a Petrobrás não tem. E usar os investimentos onde eu consiga maiores retornos, que é a exploração do petróleo em águas profundas e ultraprofundas. É como ter um ativo que gera 6% ao ano, vender e usar os recursos em um diferente, que rende 15% ao ano. Outra razão para vender: uma empresa deter 98% da capacidade de refino é uma anomalia no mundo, caso de alguns poucos países não desenvolvidos.
Isso traz algum perigo ou ameaça?
Leva a uma situação potencial de monopólio. E o monopólio faz mal a uma empresa. No curto prazo, pode ser bom, você pode impor preços. Mas, no médio, a empresa começa a se perguntar: para que ser mais eficiente, lançar novos produtos? O cliente vai ter de comprar mesmo…
Entendi, é isso que ocorre.
Nós temos é que ter competição. Ela faz bem, compele a empresa a ser eficiente. E tem mais. Se você tem 98% do setor, você vira alvo. ‘Ah, o preço da gasolina está alto. É a Petrobrás…’ Ora, combustíveis são commodities globais, como soja, carne de boi, milho, minério de ferro. São cotadas em dólares. O outro propósito é reduzir os riscos de intervenção do governo.
Cobrindo economia há muito tempo, sempre achei que a Petrobrás tinha um desafio. Tinha de competir no mercado e, ao mesmo tempo, conviver com várias regras, porque era estatal e não tinha como se mexer. Isso já evoluiu?
Evoluiu. Agora, uma empresa de economia mista é um animal híbrido. Tem gente achando que é um departamento do governo. E perguntam: por que a Petrobrás não baixa os preços, não faz isso, não faz aquilo? Mas, ao mesmo tempo, nós competimos com empresas privadas e temos acionistas privados. Hoje, 64% do capital da Petrobrás são de investidores que querem dela um comportamento de empresa privada. Geramos mais empregos, pagamos mais impostos. No ano passado, ela carreou para os cofres públicos R$ 264 bilhões. Disparado, é o maior contribuinte do Brasil.
Como o sr. imagina a Petrobrás daqui a dois anos?
Trabalhamos para que ela seja uma empresa bem melhor, de endividamento baixo, tecnologicamente dinâmica. Temos estimulado startups, nosso centro de pesquisas é o maior da América Latina. Vejo pelo mundo empresas estatais muito ineficientes, mas há exceções. A Codelco (estatal de cobre do Chile) é uma delas. É 100% do Estado, mas gerida como empresa privada.
O Banco Central tem operado há muito tempo de uma forma independente, e agora estão indo para uma independência real, para impedir que em futuras gestões isso não seja usado de outra forma. Existe um modo de conseguir na Petrobrás um desenho assim?
A Petrobrás tem padrões de governança muito bons que são uma barreira à interferência política. Para uma pessoa se tornar gerente, tem de passar por um check gerencial, saber se tem experiência e grau de educação adequado. Se for diretor, tem de passar pelo conselho de administração.
É uma medida recente, não é?
Isso foi criado a partir da Lava Jato. E a cada ano tem uma checagem de integridade, para ver se a pessoa cometeu algum deslize, se há ligação com políticos, sindicatos…
No governo FHC, houve uma reforma no Banco do Brasil que, na prática, o blindou. Acha que a Petrobrás, depois da Lava Jato, também está blindada?
Creio que sim. É muito difícil que se cometam as barbaridades do passado. Ainda existem algumas operações, poucas, que indiciam pessoas. Elas são demitidas no ato e a empresa colabora com o Ministério Público.
A covid-19 pegou o mundo inteiro despreparado. Como vocês a enfrentaram?
Foi como se, de repente, começasse uma guerra. E a companhia reagiu bem aos desafios colocados pela recessão global e pela profunda queda nos preços do petróleo. Não demitiu ninguém, não reduziu salários. E criamos um programa de demissão voluntária ao qual aderiram cerca de 11 mil empregados, de um total de 40 mil. Também reduzimos em 25% os cargos comissionados. E desocupamos prédios. Eram 23 em 2019, serão só 8 no início do ano que vem.
A propósito, como vê o futuro do combustível? Acredita que o carro elétrico vai disputar essa faixa?
Prever o preço do petróleo, assim como o de outras commodities, é difícil. O preço de hoje não dá nenhuma informação sobre o amanhã. Quanto ao futuro dos combustíveis, estamos nos preparando para viver num mundo com o preço do petróleo bem mais baixo. Alguns apostam que ele nunca mais vai voltar aos níveis de 2018. E estamos trabalhando com pesquisas, inovações, para lançar combustíveis mais amigáveis ao meio ambiente.
Isso é uma novidade?
É novidade. Já temos um diesel renovável, e estamos aguardando apenas uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética que autoriza o seu uso. Ele reduz em 70% a emissão de gases de efeito estufa, em relação ao diesel normal, e em 15% em relação ao biodiesel. Mas, ao contrário deste, não causa nenhum problema para os motores. E não é só a Petrobrás, nós somos apoiados pela Anfavea, pelos distribuidores de veículos. E estamos trabalhando no Bio-QAV, um combustível de aviação amigável ao meio ambiente, com uma mistura de óleos vegetais. Estamos pensando 10, 20 anos à frente. O longo prazo começa hoje. Tomamos medidas olhando para 2040.
O sr. falou em manter custos baixos. A Petrobrás faz exploração em águas profundas, que é uma extração cara. Como competir com quem tira petróleo do deserto?
O custo operacional do nosso pré-sal é um dos mais baixos do mundo, US$ 2,30 por barril. E trabalhamos com projetos de inovação para chegar ao equilíbrio, para pagar todos os custos, inclusive o do capital. Todo o projeto da empresa tem de ser resiliente a um preço de US$ 35 o barril no longo prazo.
Qual seria o break even point de uma empresa que obtém o petróleo na superfície?
Não dá para saber. Competimos bem com o shale oil (xisto) americano, com empresas europeias, vamos competir com os sauditas. E estamos criando projetos que permitem que a empresa só comece a furar um poço quando tiver certeza de que vai encontrar petróleo. Outro projeto muito interessante é o que permite encurtar o tempo entre a descoberta e o primeiro óleo, em fase comercial. No pré-sal, isso durava 3 mil dias, estamos reduzindo para mil. É uma luta incessante, o desafio é nos mantermos competitivos no longo prazo.
*ECONOMISTA PELA CHICAGO UNIVERSITY, FOI DIRETOR DA VALE, DO BANCO CENTRAL, DO BANCO BOAVISTA, PROFESSOR DA FGV-RIO E PRESIDENTE EXECUTIVO DO IBMEC
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