A decisão da Ford de encerrar sua produção de automóveis no Brasil, seguindo o exemplo da Mercedes-Benz, indica a possibilidade de ser uma tendência que não pode ser questionada no regime ultraliberal que vivemos, no Brasil, nesses últimos quatro anos.

São ao menos 5.000 empregos diretos, acrescidos daqueles que serão suprimidos nos quadros dos fornecedores (autopeças, vidros, plásticos, tintas etc.), revendedores e oficinas autorizadas da Ford. E que podem alcançar outros 5.000 postos de trabalho, numa conjuntura já deteriorada do emprego formal no país.

Segundo o colunista do GLOBO Lauro Jardim, a Ford foi agraciada com R$ 20 bilhões de subsídios para levar para Aratu a fábrica que estava projetada para o Rio Grande do Sul, à custa principalmente do governo da Bahia e do governo federal (via Sudene e isenção de Imposto de Importação). Hoje em dia, o Brasil fabrica automóveis em 9 estados diferentes, além de motocicletas em Manaus. Estimo que os governos federal, estaduais e municipais fizeram investimentos ou abriram mão de receitas no montante de mais de R$ 100 bilhões na “guerra” por instalar montadoras em seus territórios nos últimos 20 anos.

A equipe econômica atual tem diante de si um desafio histórico e dispõe de duas alternativas: ou concede novos incentivos fiscais e creditícios para reter aqui as montadoras de veículos a combustíveis líquidos já em operação, como fez o governo Lula na crise de 2010, apostando no poder multiplicador da indústria automobilística convencional; ou então aposta na alternativa óbvia, em relação à qual estamos atrasados há uma década: a produção em larga escala de veículos elétricos no Brasil.

Não apenas automóveis elétricos, cujo mercado está evoluindo do tipo de consumidor proprietário do veículo para aquele em que ele se transforma em simples usuário de meios de mobilidade de propriedade de terceiros. Mas também ônibus, caminhões, tratores, máquinas agrícolas e trens urbanos leves, como o Maglev, que a Coppe/UFRJ desenvolveu até testar um protótipo, mas cujo projeto acabou paralisando por falta de apoio dos prefeitos, governadores e dos órgãos federais que deveriam apoiar a inovação revolucionária.

Os carros elétricos têm rendimento de 90%, ao passo que os veículos tradicionais têm de apenas 35%; pesam menos 30% (porque não têm embreagem, caixa de marcha etc.) e não causam poluição sonora e do ar. Temos no Brasil diversos potenciais fabricantes de motores elétricos e baterias a sais de lítio de porte mundial e montadoras de veículos diversos. Não dependemos de tecnologia importada para desenhar e projetar veículos e temos empresários nacionais com capacidade de liderar investimentos nesse ramo, que certamente provocarão uma revolução na indústria, na distribuição de energia elétrica e derivados de petróleo. Também haverá certa “limpeza” da matriz energética, pois se trata de um setor responsável por um terço do consumo de combustíveis fósseis e, por conseguinte, de um terço do lançamento de gases do efeito estufa provenientes de sua queima.

A Ford passará a nos vender veículos a combustível fóssil a partir de Argentina, Uruguai, México e EUA. Intensificará a ação aos “vilões” da indústria automobilística, que importaram US$ 12 bilhões e exportaram apenas US$ 8,9 bilhões, em 2019, deixando um déficit setorial de US$ 3,1 bilhões. Já vai longe o tempo em que éramos exportadores líquidos de veículos, partes e peças, ainda que nossas montadoras locais vendessem para suas matrizes, que ganhavam em cima dos nossos produtos. Esse tempo acabou no governo Collor, e voltamos a ser grandes importadores.

Esta é uma chance de ouro para Bolsonaro e Guedes mostrarem que não estão a serviço dos interesses americanos. Podem convocar as empresas brasileiras (WEG, Kohlbach, Eberle, Equacional, de motores; Moura, baterias com sais de lítio; diversos fabricantes nacionais de partes, peças e demais componentes comuns aos automóveis a combustível líquido) e estrangeiras aqui sediadas (a BYD em Campinas, por exemplo, que é a maior fabricante de baterias de lítio e de carros e ônibus elétricos do mundo) para produzir em larga escala, sem a necessidade de tantos incentivos quantos os que foram dados, em vão, às montadoras em 2010.

Presidente, ministro… esta é a hora!

Luiz Alfredo Salomão é engenheiro e diretor da Escola de Políticas Públicas e Gestão Governamental

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