O futuro do setor automotivo no País, para Pablo Di Si, presidente da Volkswagen na América Latina, passa pelo etanol, como chave para viabilizar a fabricação de carros elétricos por aqui. Modalidade deve crescer nos próximos quatro anos, mas por meio dos híbridos, pois devido à extensão territorial, levaria muito tempo e dinheiro. Ele acredita que responsabilidade da infraestrutura deve ser compartilhada com as empresas. E conta que pesquisas estão em andamento para gerar energia a partir do etanol. Quando chegou ao País, argentino disse ter sofrido para entender sistema tributário, o qual defende que seja simplificado para reduzir preço dos carros. Ainda, não descarta investimento na planta Anchieta, mas não revela valores nem data.
Temos visto muitas transformações no setor automotivo, tanto no Grande ABC como no País. Em 2019, a Ford encerrou a produção em São Bernardo e, em janeiro, anunciou a saída do Brasil. A Toyota, que tinha centro de desenvolvimento tecnológico na mesma cidade, está concentrando sede e inteligência em Sorocaba. A Mercedes-Benz fechou a fábrica de automóveis em Iracemápolis, mas manteve as operações na região. O que está acontecendo com o segmento?
Deixa eu começar pelo macro, pela situação mundial. Obviamente, estamos vivendo momento de transformação na indústria. Nunca na história tivemos concorrentes fora dessa indústria. Sempre concorríamos contra GM, Ford, Toyota, Fiat. Montadoras versus montadoras. E, nos últimos anos, começamos a ter outro tipo de concorrente, como empresas do setor de tecnologia de carros, como a Tesla, que tem carros, mas é muito tecnológica. Então, essa mudança está sendo transformadora e vai ser ainda mais na próxima década. Quase todas as empresas estão alocando muito capital nos carros elétricos, híbridos e autônomos. O resto do orçamento vai ficar apertado para os carros de combustão que já conhecemos. Esta dinâmica que ocorre a nível mundial e temos de entender o que está acontecendo e colocar políticas de Estado e de empresas de dez, 20 anos, para ver o que fazer para que a indústria continue no tempo, porque se não fizermos nada, ela vai desaparecer daqui a 20, 30 anos. Porque essa mudança para carros elétricos, híbridos e autônomos já começou. Não é que vai começar. Daqui a cinco anos, mais a nível mundial, teremos 130 carros elétricos e híbridos. Então esse é um negócio que já começou, mas precisamos entender a dinâmica para reinserir o Brasil nesse jogo.
Pois é, exatamente dentro deste jogo que o Brasil está engatinhando. Em recente entrevista você falou disso, que as montadoras têm a intenção de trazer carros elétricos, mas o País não possui infraestrutura para isso… O que o Brasil precisa fazer para voltar a ser competitivo?
Nosso presidente mundial do grupo, o Herbert Diess, fez um podcast há alguns dias, no The Economist, onde fala dessa dinâmica mundial. Ele diz que no Brasil, assim como na América Latina, vai demorar um pouco mais essa transição elétrica e híbrida, e aqui há biocombustível e etanol, que venho defendendo há algum tempo. Acho que o Brasil foi transformado em 1973, com a criação do motor a etanol e de diferentes leis e que geraram uma nova indústria. Quando se olha a matriz energética do País, principalmente para automóveis, e coloca combustível etanol, somos um dos países mais eficientes ecologicamente. Porque o CO2, ajudado pelo etanol, quando se olha para o Brasil, nós temos nível de CO2 mais baixo do que em países europeus. Podemos pegar esse caso muito bem sucedido dos anos 1970 e levar para o futuro. Precisamos fazer pesquisa, e a Volks já fez algumas parcerias, de como fazer o etanol abastecer carros híbridos e elétricos. Não sei a forma, precisa ser pesquisada. Neste mundo não tem mais a pesquisa da montadora, mas do setor do etanol. De universidades federais e estaduais. Tem que ser transversal para encontrar solução.
A ideia é usar o etanol para gerar eletricidade e, com essa energia, abastecer os veículos?
É isso. Na Europa, por exemplo, qual é a matriz energética da França? Como gera energia para colocar no carro e nas casas? Eles têm muitas fábricas de energia nuclear, mas estão em processo de transformação. A Alemanha, nos últimos oito anos foi transformada. Nas rodovias do país só se vê energia eólica. Estão gerando energia pelo vento. É fundamental definir como se coloca energia no carro.
Você acredita que este é o maior desafio que temos hoje? Para destravar a questão dos elétricos?
Eu acho que é a maior oportunidade, uma oportunidade única, porque o flex é uma invenção brasileira e que ficou no Brasil. Se encontrarmos uma solução, isso pode valer não só para o País, mas para o mundo, até porque há carros elétricos em todo o mundo.
Existe alguma perspectiva por parte da Volks para começar a trazer carros elétricos ou híbridos ao País?
Temos plano bem robusto de seis carros nos próximos seis anos, entre elétricos e híbridos. E acabamos de lançar, no ano passado, o Golf GTE híbrido plug-in (recarga das baterias pode ser feita pela tomada, além de pelo motor a combustão). Acho que nos próximos anos serão mais carros híbridos e não elétricos, porque o Brasil é um continente, não é um País. Não conseguiremos eletrificar todo o País num curto espaço de tempo, pelo tamanho. Será preciso muito dinheiro. Então o híbrido é uma excelente transição de dois, três, quatro anos para que cheguem os elétricos. Nós, como Volks, fizemos parceria com a EDP, empresa de energia portuguesa, a Porsche e a Audi e começamos a instalar carregadores super rápidos desde o Espírito Santo até Santa Catarina. Então acho que o governo tem sua responsabilidade, mas também acredito que as empresas devem ajudar o Brasil a melhorar a infraestrutura.
Essa transição de dois a quatro anos seria para primeiro comercializar elétricos e depois começar a produzir produzi-los aqui. Tem ideia de quando poderia começar essa produção?
Isso está relacionado à pesquisa. Acredito muito no etanol e em começar a colocar, num carro híbrido, as células do etanol. E aí podemos começar a falar em bateria, recarga e como produzir. Mas primeiro precisamos mudar a tecnologia. E isso depende de pesquisa, são muitas tentativas, é processo demorado, mas aqui no País há excelentes pesquisadores, e acho que todos estão trabalhando de forma acelerada.
Ainda dentro desta questão dos elétricos, o Up chegou à Argentina, sua terra natal, eletrificado. Dois países tão próximos e vivendo momento tão distinto? E são países tão parceiros no setor automotivo. Aliás, o Up vai sair de linha no Brasil?
Olha, em algum momento vai sair de linha, mas hoje não é o dia para anunciar quando (risos). Quanto à eletrificação, é preciso fazer um parênteses. Nós levamos os Ups para a Argentina não para comercializar, mas como um demo. Porque lá há uma lei que permite ingressar os veículos usados para uso público e para mostrar o carro. Aqui não é possível. Nós tentamos no ano passado, para trabalhar com alguns municípios, mas não deu certo. A lei é a lei. Onde vai dar certo é no Uruguai. Vamos lançar lá o Up elétrico. Mas teremos outros carros elétricos aqui e na Argentina. Acho que todo mundo está se ajustando. Mas quando será, como e com qual modelo, isso vai ser muito diferente (em cada lugar), mas a onda de carros elétricos é presente.
Sobre os carros à combustão, que temos hoje em nosso mercado, temos visto um forte aumento nos preços nos últimos anos. E, ao mesmo tempo, muita gente mais jovem não tem o mesmo desejo de comprar um carro zero-quilômetro como pessoas de gerações anteriores. Como você vê essas questões? O brasileiro ainda deseja ter um carro novo?
Hoje temos fila de espera de 120 a 150 dias em veículos novos. Há duas questões aí. Uma delas é que tem consumidores que querem ter a propriedade do veículo. Outra é quem dirige um veículo por 15 horas por semana e o chama de seu. Porém, a penetração daqueles que utilizam só para mobilidade e querem ter a conveniência está aumentando. E eles podem ser mais jovens ou não. Conheci casos de pessoas com 50, 60 anos, que dizem: ‘olha, Pablo, quero pagar uma parcela de R$ 1.500 e você toma conta do pagamento do carro, do seguro, da manutenção. Mas o conceito da mobilidade continua existindo. E na minha visão, quando você tem esse sistema, o consumidor vai querer experimentar mais modelos. Porque se consegue alugar um modelo por um ano ¬- por exemplo, lançamos no ano passado programa Sign&Drive -, você fala, neste ano quero dirigir uma picape. Se fosse para comprar, pensaria umas três vezes antes, mas, por um ano, é mais fácil. Quando esse prazo terminar, digo, agora quero experimentar o T-Cross. Essa rotatividade é a lógica do mercado norte-americano, o leasing. E acho que isso, com estabilidade econômica e juros baixos vai chegar ao Brasil.
E pode ser uma alternativa para o brasileiro que está na dúvida se faz o investimento para trocar de carro. Um dos atrativos maiores é a conectividade, em que você entra no carro e já conecta seu celular e tem tudo integrado. É uma experiência, não?
O Nivus, por exemplo, foi desenhado aqui no Brasil e que o consumidor escolhe qual celular usar, pode ser Android, Apple, pode espelhar o aparelho, pode só usar o wi-fi ou colocar seu aplicativos dentro do carro, porque ele tem um computador a bordo, um hard drive, um disco rígido. E isso só vai melhorando com o tempo.
Mas ainda esbarramos no preço do carro novo. É muito difícil encontrar um modelo de entrada por menos de R$ 40 mil. Até uma década atrás era possível. É culpa dos impostos, que como você mencionou em entrevista anterior, chegam a 54% do preço final? Ou o dólar nas alturas (em torno de R$ 5,50) também pesa?
Dois fatores que contribuem você já citou, muitos impostos e dólar alto. Vou colocar um terceiro ponto, que é positivo para o consumidor, mas deixa o carro mais caro. Eu cheguei no Brasil no ano 2000. Na época, eram todas plataformas locais, não eram mundiais. Eram vendidos carros sem ar-condicionado, sem direção hidráulica. E a transmissão automática era 1% do total da indústria. O nível de segurança era muito menor que o atual. Então o que aconteceu nesses últimos 20 anos foi uma transformação da indústria. Hoje em dia temos plataforma mundial, a mesma que o T-Cross, o Nivus, o Polo e o Virtus têm é a mesma da Alemanha, mesmo nível de segurança. Nível dos equipamentos é infinitamente superior. Mas, com isso, o custo do veículo vai aumentando. Nos próximos dois anos, as normas de CO2 e de segurança vão continuar evoluindo e temos de acompanhar. E o preço acompanha. Então vai ser praticamente impossível encontrar um carro de entrada de R$ 40 mil em dois anos, porém, com muito mais conteúdo e segurança.
Então a saída seria tentar alinhar com os governos federal e estaduais uma redução da carga tributária? Você acha que políticas de incentivo ao setor contribuiriam? Porque estamos num hiato, praticamente sem incentivo, com o Rota 2030 está ensaiando para sair do papel.
Não acho que a saída é incentivar a indústria. Quando falamos do custo do veículo, não é uma propriedade do Brasil ter um veículo mais caro. Um celular, lap top e roupa geralmente têm um custo muito superior se comparado a Estados Unidos e Europa. E a mesma carga tributária pesa. Então não precisa incentivar nenhuma indústria, comecemos com simplificar, nem estou falando em reduzir os impostos. Simplifiquemos. Quando se compara Brasil com Estados Unidos, temos dez vezes mais funcionários na área fiscal, para seguir todas as regulamentações de PIS/Cofins, ICMS, IR todo o Carnaval que temos de impostos. Sem falar que isso é uma complexidade muito alta para todas as indústrias. Se o governo atacar positivamente a complexidade e ao mesmo tempo reduzir a carga tributária, acho que é o caminho certo. Porém, estou no Brasil há 20 anos e há 30 anos se fala sobre a reforma tributária. Quando cheguei aqui aprendi sobre substituição tributária, sobre cálculo por dentro e por fora, cobrança com efeito em cascata. Isso aqui é uma universidade para aprender sobre impostos. Acho que o primeiro passo seria fazer essa reforma e simplificar o sistema para que todo mundo tenha menos burocracia e, o governo, mais segurança de fiscalizar as empresas que pagam seus impostos.
Falando em impostos, no início do ano teve o aumento da alíquota de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) para veículos novos, de 12% a 13,3%. Qual o impacto disso? O preço dos veículos vai aumentar?
Vai na contramão do mundo. São Paulo deve ser o único Estado e no único País que aumentou impostos. É claro que vai ter um impacto no bolso das pessoas e no volume produzido. Não é um preço da montadora. Se tenho um preço de 100, e o imposto aumenta, você vai pagar aquele percentual a mais do ICMS. E isso é pago pelo consumidor. Eu tecnicamente não concordo, mas seguiremos as regras do Estado.
E qual a sua avaliação sobre o IncentivAuto? A proposta do governo estadual é viável em meio à crise da pandemia? Em que é necessário investir ao menos R$ 1 bilhão e criar pelo menos 400 empregos para conseguir desconto no ICMS?
Como Volkswagen, não queremos nenhum benefício fiscal, nenhuma renúncia fiscal. Quanto ao aumento do ICMS, foi direto para o consumidor.
Em entrevista recente, você mencionou dificuldade de acesso ao crédito.
Destravou bastante no último trimestre de 2020. O crédito começou a fluir, o custo começou a baixar, e a economia começou a girar, que foi o mais importante. Não é um grande problema, tem liquidez, disponibilidade de recursos no mercado.
Sobre a participação da Volkswagen no mercado, conforme os dados de fevereiro da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), ela está em segundo lugar, com 16,93% de market share, atrás somente da Fiat (21,17%). Qual o plano para ganhar mais espaço, talvez até conquistar a fatia de mercado deixada pela Ford (2,36%)?
Isso não é o mais relevante. E sim ter produtos alinhados ao desejo do consumidor e que a empresa seja rentável. Se são mais 1.000 carros ou menos 1.000 carros, para nós não há diferença. Precisamos que o negócio seja sustentável. Nós temos como indústria uma pressão muito alta em custos. Os preços das commodities, como o aço, ou dos insumos para fazer pneus, estão aumentando muito no Brasil e no mundo. Então 2021 será um ano em que diversas variáveis vão pesar nos preços. E não estou falando só da indústria. Você sabe o quanto aumentou a carne, o arroz. Estamos falando de números de 20%, 30%, 40%. Não são números menores. O mundo está reagindo de forma muito rápida saindo da pandemia, de forma econômica, então temos grande desafio para nós neste ano, como País, como indústria. A taxa Selic vai de 2% a 3,5% ao ano. Nossa indústria é muito dependente do crédito, quando os juros baixam, cria-se maior disponibilidade de recursos para as pessoas e para adquirir veículos. Então tem muitas variáveis jogando ao mesmo tempo.
Como está a questão do problema na entrega de partes e componentes, o que gerou atraso na produção dos veículos? Ela ainda perdura?
Parcialmente. Os fornecedores já começaram a se adequar. O principal problema que temos, e não é só no Brasil, é a cadeia logística. Estava falando com uma gerente de logística na Volks e ela estava me explicando que as rotas do Brasil para o México caíram em quantidade, assim como as do Brasil para os Estados Unidos. E temos de nos adequar a esse fluxo de navios, aviões. Melhorou muito em relação a dezembro e janeiro, a indústria sofreu muito com falta de peças e do sistema. Fevereiro melhorou, março espero que melhore mais, mas seguimos com restrições. O que nunca vi na minha vida foi a falta de chips. Estão vendendo muitos celulares e videogames e por isso estão faltando chips para carros. Eles vêm da China. E é um problema mundial.
Existem conversas com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) sobre o Rota 2050, ou com o governo?
Eu levantei o ponto no ano passado, mas o momento político do País não é o ideal para isso. Há outras urgências por causa da pandemia, como a vacina. Chegamos a conversar com a Unica e começamos a fazer pesquisas com etanol. Acredito que o governo precisa colocar o setor automotivo e o etanol de forma estratégica. Mas a prioridade neste ano será conseguir insumos para vacinas e o auxílio emergencial. O setor automotivo é importante, mas a vida das pessoas é mais.
Você inclusive disponibilizou a fábrica da Anchieta para aplicar vacina contra o coronavírus…
Todas as fábricas. O principal problema hoje é o insumo. Tomara que possamos usar as nossas fábricas para ajudar a comunidade.
Com relação às fábricas, a planta da Anchieta é a mais antiga da Volkswagen no Brasil, a primeira fora da Alemanha, e hoje são fabricados nela o Nivus, recém-lançado, o Virtus, o Polo e a Saveiro. Saveiro, aliás, é um dos modelos mais antigos da marca no País. Qual o segredo para permanecer tanto tempo no mercado?
E a Saveiro continua vendendo muito bem. Temos muitos planos para ela. O primeiro modelo foi muito bem desenhado no passado e entra num nicho que o brasileiro gosta muito. E ao longo do tempo foram sendo feitas atualizações do veículo, tanto na parte interna como externa. Tem também a Saveiro Cross, cabine dupla. Apesar de ter sido lançada há muito tempo, foi melhorando significativamente.
Existe algum plano de investimento em São Bernardo? De trazer um quinto modelo?
Nós temos planos. Hoje não é dia de anúncio de investimento, mas temos planos. Temos ótima qualidade da base de trabalhadores daqui, bom relacionamento com o sindicato e com toda a base política daqui que nos ajuda muito, de forma profissional e transparente. Então acho que continuaremos aqui por muitos e muitos anos.
Você considera a mais importante do País para a companhia?
Todas são importantes. Porque se não produzíssemos motores em São Carlos (Interior) não existiria a Anchieta. Elas se complementam. Em Curitiba (Paraná) temos os SUVs, foi muito importante lançar o T-Cross. A fábrica de Taubaté (Interior) está passando por processo de modernização e produz o Gol, historicamente o carro mais vendido do Brasil. Mas ninguém tira o fato de ela ter sido a primeira planta fora da Alemanha e ter uma grande relevância dentro do mundo Volkswagen.
Falando em Taubaté, no fim do ano houve acordo com o sindicato sobre a necessidade de reduzir o efetivo das fábricas em 35% caso não houvesse negociação. Como houve, foi feito acordo de estabilidade por cinco anos em troca da retirada temporária de benefícios e um dos pontos é que se fosse necessário a Anchieta compartilharia a produção do Polo com Taubaté. Como está esse processo?
Houve negociação com as quatro fábricas no País ao mesmo tempo. E aqui nesta sala falamos muitas vezes com o sindicato, inclusive resgato a transparência, o profissionalismo e os esforços das duas partes, da entidade e dos trabalhadores. O importante quando olhamos os veículos é que eles atendam o mercado. Sempre a pergunta é onde será produzido, mas, para mim, é quem vai comprar esse veículo. Porque primeiro preciso de um consumidor, um carro desejado, para produzir muito. Mapear os segmentos mais importantes. Como o consumidor vai se comportar em três, cinco ou dez anos. Então avaliamos a utilização das fábricas. Hoje em dia, em todas as fábricas do Brasil, como já falei no início temos fila de 150 dias. Em meio a uma pandemia. O Brasil é um País único na velocidade para baixo ou para cima. Então acho que precisamos ser flexíveis, rápidos na tomada de decisão, tomamos decisões junto com os sindicatos e acho que está bom. As fábricas vão trabalhar de maneira uniforme e a plena capacidade. Porque o volume do mercado seria muito maior do que a Anchieta poderia produzir.
Então essa solidariedade entre as plantas não prejudicaria a Anchieta?
Acho que não, e vou levar mais à frente. Neste acordo com as quatro fábricas nós negociamos como pacote uma nova plataforma para Taubaté. Então imagina a maturidade de todos os sindicatos de nossas fábricas. Por isso agradeço muito e tenho muito respeito por eles. O que aconteceu no ano passado não foi nada fácil. Fizemos assembleias e foi aprovado pela maioria dos trabalhadores da Volks.
É possível revelar quantas adesões ao PDV foram feitas, a fim de enxugar o excedente?
Não falamos de número de pessoas. Mas posso te falar que p mercado que imaginamos para 2020 e 2021 é exatamente o que imaginávamos. E estamos implementando esse acordo com os trabalhadores da forma com que combinamos. E o mais importante é que é voluntário.
E o teto era generoso, chegava a até R$ 393 mil…
Valor depende do salário e do número de anos de casa. Mas o conceito é interessar de forma voluntária ao trabalhador.
Hoje tem cerca de 8.000 trabalhadores na Anchieta?
Sim. São pouco mais de 19 mil no País, sendo entre 8.000 e R$ 8.500 na Anchieta.
No Grande ABC, quando se fala em Volkswagen, uma coisa que as pessoas sempre se lembram é que nos anos 1980 havia 40 mil trabalhadores. A Volks era uma cidade. O bairro Demarchi girava em torno da Volks. Era tudo verticalizado. Todos os setores de produção operavam juntos, no mesmo espaço, bem diferente de hoje. Como podemos explicar essa transformação?
Essa transformação não ocorreu somente em São Bernardo, mas em todo o mundo. Vou dar alguns exemplos. Nos últimos dois anos implementamos nova prensa, produzida aqui no Brasil, é espetacular. Para trocar os moldes demora cinco minutos. Há 30 anos, demorava dois dias. São moldes enormes, de cinco metros. Porque a prensa bate no aço e 30 anos atrás não tinha robôs, o design do carro era todo manual, hoje é todo computadorizado. Houve uma mudança tecnológica em todas as áreas do setor e uma melhoria na qualificação das pessoas. Aconteceu com pessoas que têm 30, 40 anos de casa. Eles mesmos contam que faziam tudo no papel, e hoje é tudo no digital. Nós conseguimos transformar essas pessoas do mundo físico para o digital. Essa é uma parte. A segunda é o que você falou. Antes as montadoras eram verticalizadas. Hoje, compramos muito de sistemistas. Mas não quer dizer que se perderam todos os empregos, alguns foram para a produção de parachoques ou de pneus. O mundo está mudando e o nível de educação das pessoas cada vez é maior. O que é positivo, porque quando você aumenta o nível de educação, o salário é vai ser mais alto.
É positivo e ao mesmo tempo muito desafiador, principalmente para a nossa região. É um desafio para a mão de obra, principalmente do chão de fábrica. Embora a economia do Grande ABC tenha se diversificado ao longo dos últimos, ela ainda é muito dependente do setor automotivo. Então fica como um desafio grande. É curioso que, muitas vezes, quando conversamos com um trabalhador, a família toda dele trabalhou na montadora. São gerações inteiras. É muito bacana.
É muito bacana. Eu adoro essas histórias. Temos muitas gerações de famílias Volkswagen aqui. Eu respeito e admiro. Mas isso ainda pode continuar. A única coisa que vai acontecer é que a qualificação dos trabalhadores vai aumentando. O nível de educação, de tecnologia. Porque se antes você fazia a manutenção com as mãos, hoje você faz manutenção preventiva com o computador. O mundo está avançando muito rápido na forma digital. Por exemplo, em 1987 fui morar nos Estados Unidos e o aparelho celular, nem o smartphone, não existiam. A velocidade do mundo é cada vez maior. O que temos como responsabilidade é ajudar essas pessoas aqui a se autoeducar, ajudar na educação quando podemos ajudar para irem se transformando.
A tecnologia é sempre muito bem vinda, de fato, mas você acredita que deva haver uma redução no volume de profissionais que atuem no setor automotivo em contrapartida a esse avanço da tecnologia?
Pode ser que diminua. Mas a qualificação será maior. E pode ser que trabalhe no setor e de casa. Porque se você faz a manutenção em um computador, on-line, não precisa ficar aqui na fábrica da Anchieta. Então são muitas as dinâmicas que vão mudar. O importante, se compararmos com o passado, não sei se foi melhor, mas foi diferente. Tenho a responsabilidade, ao tocar a empresa hoje, mas também deixar uma boa base para o futuro. Como será a indústria daqui a dez, 20 anos? É isso que estou tentando com essas pesquisas com etanol, para encontrar uma forma de levar essa indústria para frente.
Você ainda considera que o Grande ABC é o principal polo automotivo do Brasil?
Ah, mas claro. Tem importância de outros locais, como Curitiba, São Paulo, Pernambuco. Enfim, de outros Estados. Mas aqui tem uma história super rica e com conflitos, histórias de sucesso. Uma história super bonita que precisa ser cuidada e lembrada. Não participei desse processo, mas são tempos que olhamos e pensamos, que bacana.