Problemas causados por consanguinidade no cruzamento entre bovinos: o assunto que foi recentemente abordado no Giro do Boi – e teve grande repercussão (relembre pelo link abaixo) – foi aprofundado em participação do engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Roberto Augusto de Almeida Torres Junior, mestre em melhoramento genético e doutor em seleção animal, no programa desta quarta, 10.

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O especialista apontou que a questão não chega a ser problema em níveis de produção comercial de gado de corte, mas assume papel mais importante na seleção genética, onde as linhagens são mais restritas. “Eu acho que em nível de produção a gente não tem tanto problema nesse sentido […]. Nos rebanhos de seleção, aí a gente começa a ter algum tipo de preocupação porque são rebanhos fechados, são populações mais fechadas e existe essa associação entre população fechada e possibilidades de evitar 100% da consanguinidade, principalmente quando as populações de seleção são menores”, ponderou.

O pesquisador apontou por que alguns trabalhos de seleção genética utilizam a prática.  “A gente tem relatos de colegas que trabalham com rebanhos que fazem essa consanguinidade estreita e o custo disso é muito alto. A quantidade de animais que é descartada por apresentar algum tipo de problema (é alta). Então algumas pessoas falam que é muito bom para você fazer limpeza genética da sua população, porque você força a aparecer esse gen indesejável, e normalmente ele é recessivo, ele fica escondido lá no heterozigoto, ele tem um A e um a. O A permite que ele tenha um fenótipo normal, mas ele é portador desse gen indesejável. […] Na hora que você começa a ter acasalamento consanguíneo, isso começa a aparecer isso mais rápido. Então essa seria a maior argumentação que teria a favor da consanguinidade. Mas isso faz com que você comece a ter uma taxa de aparecimento de problemas tão grande, um nível de descarte tão grande, e aí quando a economicidade do seu trabalho vai ficando comprometida pela quantidade de animais que você descarta… Para quem pesquisa é uma maravilha, porque você tem tudo quanto é tipo de problema para poder estudar. Mas para quem tem que vender animais em perfeitas condições, um reprodutor, pagar conta de todos os programas de melhoramento, da balança, da estrutura de pessoal para fazer esse trabalho e tudo, é meio complicado você ter uma taxa de descarte excessivamente alta”, relacionou Roberto.

O agrônomo detalhou o efeito de alto custo da consanguinidade, embora ela possa servir para acelerar a seleção de genes específicos de uma linhagem genética. “Em pequenas populações, o grande problema é o quanto está associado o efeito da seleção e a consanguinidade. Quando você começa a querer ser mais rigoroso na seleção, você seleciona um número muito pequeno de reprodutores, automaticamente você vai ter alta consanguinidade porque as suas próximas gerações vão ser muito aparentadas. Você pode até não ter consanguinidade na primeira geração, mas no futuro próximo você já começa a ter. O pessoal começou a trabalhar com isso em vegetais, eles usam essas linhas consanguíneas para fazer o milho híbrido, por exemplo, também começou a trabalhar com frango lá atrás, na década de 50. Eles começaram a ver que o que você ganhava em termos de desempenho do híbrido, você perdia depois no processo de seleção das linhas. E do custo dessa seleção, depois você não recuperava completamente no cruzamento. Então em animais, a gente começou a trabalhar com linhas consanguíneas, as linhas que são fechadas tem alguma consanguinidade, é inevitável, mas a gente evita o máximo possível porque o efeito indesejável é muito maior do que esse efeito desejável da consanguinidade”, comentou.

“Eu não sou um dos maiores adeptos da consanguinidade porque a gente vê que quem começa a fazer melhoramento de uma forma um pouco mais profissional e tecnificada, uma das primeiras coisas que ele abandona no processo é qualquer tentativa de usar consanguinidade de uma forma estreita”, opinou.

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O pesquisador da Embrapa relatou quais são os efeitos indesejáveis da consanguinidade em um rebanho de gado. “A gente tem dois efeitos principais nesse caso. Um dos efeitos é o aparecimento de problemas genéticos em uma intensidade muito maior do que a esperada, que leva a gente a ter que descartar animais. […] Então esse aparecimento de defeitos é muito ruim. De repente você usa um touro e depois usa nas filhas dele e começa a nascer aquela porção de bezerros com lábio leporino […] Por exemplo, alguns defeitos causam mortalidade embrionária… Você está vendo que seu rebanho não está com tanta fertilidade porque está morrendo antes de a fêmea atingir um estágio mais avançado de gestação. Outro problema que tem é que ocorre o oposto da heterose. […] Quando a gente tem consanguinidade, a gente aumenta a homozigose, que é o oposto, aumenta o percentual de homozigotos em indivíduos que têm dois pares de genes iguais. Isso causa uma perda de vigor que afeta a fertilidade, a precocidade sexual, afeta o ganho mesmo. Já existem diversos trabalhos reportados, tanto em gado de leite como de corte, que demonstram essa perda de desempenho tanto reprodutivo quanto produtivo associada com a consanguinidade. Isso realmente é indesejável”, observou Roberto.

Torres informou se há um “nível seguro” para o uso de consanguinidade em um rebanho bovino. “Todo mundo faz essa pergunta para a gente e em algum momento a gente se depara com essa questão. Quanto eu posso ter de consanguinidade? Depende da população que você trabalha”, esclareceu. “Dentro do que você pode, você deve evitar a consanguinidade o máximo possível. O ideal mesmo seria não ter nada”, sustentou.

O especialista disse que em determinados casos, como o uso de linhagens há muito tempo selecionadas dentro de um grupo fechado de indivíduos, evitar a consanguinidade em 100% torna-se impossível. “Então você tem que ser mais tolerante. […] Criadores que tem só uma linhagem do Nelore, por exemplo, têm uma taxa de consanguinidade um pouco mais alta. Mas tem uma coisa que a gente usa como argumentação forte para quem está fazendo seleção, que é o seguinte: hoje em dia a gente tem uma percepção mais clara de que a principal gasolina de um programa de melhoramento é um negócio que a gente chama de amostragem mendeliana. É uma parte única do animal que é gerada na hora da formação dos gametas que vão formar aquele indivíduo. Tem a meiose e a meiose amostra aleatoriamente um dos alelos que o pai tem para mandar naquele gameta, no espermatozóide ou no óvulo da vaca. E essa parte única de amostragem mendeliana, quanto mais variada ela for, mais ganho você pode ter. […] A variabilidade dela é proporcional à variabilidade da população. […] Então se você tem 5% de consanguinidade média na sua população, você vai trabalhar com um ganho genético em média 5% menor. Se você tem 10% de consanguinidade, você vai trabalhar com ganho genético 10% menor”, explicou o pesquisador.

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“Então a pergunta é a seguinte: Se você tiver que andar no seu carro com uma gasolina que te dá 90% de rendimento, você ia estar feliz com isso? E a gente está falando de um setor competitivo, como é esse da comercialização da genética” acrescentou.

Roberto recomendou uma forma de o criador evitar ao máximo a consanguinidade em seu rebanho. “O mais recomendável é que o pecuarista procure fazer algum tipo de rodízio de touros. Se ele tem algum vizinho que também usa essa mesma genética dele, então, de repente, ele passa esse reprodutor para o vizinho e compra um novo reprodutor daquela fonte que ele mesmo adquiriu”, exemplificou. “Pessoas que fazem coisas parecidas e tentam trabalhar juntos sempre ganham”, frisou.

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Confira no vídeo a seguir a entrevista completa com o pesquisador da Embrapa Gado de Corte Roberto Augusto de Almeida Torres Junior:

 

Foto ilustrativo: Reprodução / Embrapa

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