Dados globais confirmam que veículos dotados de baterias recarregáveis são o caminho para a indústria automotiva.
Entre 2015 e 2020, o crescimento nas vendas chegou a 297%, número que poderia ter sido ainda mais expressivo não fosse a pandemia.
O ano passado terminou com 3,1 milhões de veículos 100% elétricos vendidos no mundo e, segundo o portal de pesquisas Statista, 4,2% de todos os emplacamentos de veículos leves foram desse tipo.
Neste cenário, a previsão é que, em 20 anos, metade dos carros vendidos no mundo não irá queimar nenhum tipo de combustível. No caso do Brasil, no entanto, a situação é mais complexa.
Metas e prazos estimados para outros mercados são pouco exequíveis por aqui, a começar pelas dificuldades em se estabelecer uma produção nacional de automóveis que não emitam fumaça.
“Por que uma montadora conseguiria fazer um veículo na Coreia do Sul e não conseguiria fazer no Brasil? Nada impede.
A mesma empresa tem o ‘know how’ para produzir um carro elétrico ou híbrido em qualquer país, mas só vai ter a aprovação da sua matriz para fazer esse investimento se nós, executivos no Brasil, convencermos que é viável produzir aqui”, diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (associação das montadoras).
Ou seja: embora o país tenha fábricas e mão de obra aptas a produzir uma nova geração de automóveis, falta um cenário econômico atraente, que permita não apenas fabricar para o consumo interno, mas também exportar.
“O sistema tributário brasileiro inibe a exportação”, afirma Moraes. “Há receio de se fazer investimentos devido à alta carga tributária e burocracia. A limitação não é a empresa, é o país.”
O fechamento das fábricas da Ford ocorrido em janeiro mostrou que o processo de desindustrialização brasileiro segue na contramão do mundo, uma vez que os carros elétricos obrigam montadoras e fornecedores a apostar em novas linhas de produção ou transformar as que já existem.
Neste sentido, o Brasil está fora por enquanto da rota de investimentos, embora marcas com forte presença em solo nacional tenham feito seguidos anúncios rumo a um futuro sem dependência de combustíveis de origem fóssil.
Em março, por exemplo, durante o evento Power Day, a Volkswagen anunciou que, até 2030, pretende construir seis fábricas de baterias na Europa. O objetivo é reduzir os custos dos componentes em 50%, o que possibilitará a oferta veículos de menor preço.
Na General Motors, as atenções se voltam para a plataforma Ultium, que dará origem a 30 modelos elétricos até 2025. No começo deste ano, a montadora anunciou que, a partir de 2035, não produzirá mais automóveis com motores a combustão.
Para o Brasil, as alternativas mais viáveis hoje envolvem o etanol conciliado a sistemas híbridos. A Toyota foi a primeira a colocar essa combinação em prática, com a atual linha Corolla. O uso da eletricidade conciliada a um combustível de origem vegetal ajuda a equilibrar a conta das emissões, mas é uma solução local.
“A fonte energética brasileira é 85% pautada em recursos renováveis. O etanol se mantém como um combustível de menor efeito poluente e gera um equilíbrio na balança do custo energético por quilômetro rodado”, explica Alexandre Vargha, pesquisador da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e presidente do Comitê Auto e Mobilidade da Abinc (Associação Brasileira de Internet das Coisas).
Com uma matriz mais limpa, o Brasil teria vantagem competitiva, mas é preciso ter estabilidade no fornecimento de energia e definição de uma política de preços. “O pensamento futuro é pautado em uma fonte de geração de energia sustentável dentro de uma rede estruturada para o abastecimento elétrico, gerando acesso e confiabilidade ao consumidor”, afirma Vargha.
Hoje, as estações públicas de recarga disponíveis no Brasil são, em sua maioria, patrocinadas pelas montadoras. A Volvo, por exemplo, ao anunciar em maio o lançamento de seu primeiro carro 100% elétrico no Brasil, o XC 40 Recharge Pure (R$ 389 mil em pré-venda), confirmou também a instalação de novas tomadas no país.
Segundo a montadora, até o fim de 2021, serão mais de 1.000 pontos gratuitos de recarga instalados em shoppings, mercados e condomínios comerciais e residenciais.
Já existem também pontos de recarga rápida em rodovias de São Paulo. Em 2020, as marcas Audi, Porsche e Volkswagen iniciaram a instalação de 30 postos em parceria com a empresa EDP.
Com uma tomada de 150 kW à disposição, é possível obter 100 quilômetros de autonomia em 15 minutos de recarga, o que possibilita viajar entre cidades.
A gratuidade só é possível diante do número restrito de carros elétricos em circulação, todos importados e de alto preço. O mais em conta é o subcompacto chinês JAC iEV20, que custa R$ 159,9 mil na linha 2021/2022.
“O custo de abastecer um veículo elétrico é cerca de quatro vezes menor em relação a um modelo a gasolina por quilômetro rodado”, diz Evandro Mendes, diretor-executivo da Electricus, especializada em estrutura de recarga.
De acordo com Mendes, enquanto em um carro de porte médio a gasolina o custo de combustível por km rodado é de aproximadamente R$ 0,75, o gasto de energia na mesma condição é de cerca de R$ 0,16.
“Se o cliente tiver geração fotovoltaica [painéis solares] à disposição, esse custo cai para aproximadamente R$ 0,04 centavos por km rodado.”
“A energia solar ou eólica vem sendo uma das grandes alternativas de fonte para o abastecimento das redes e estações para fornecimento de carga aos veículos”, diz Vargha.
“Agora, o que não faz sentido no balanço energético é queimar combustível fóssil para geração de energia elétrica e depois empregá-la em um ciclo de uma rede para o abastecimento de veículos elétricos…”
Embora haja grande preocupação com os impactos da eletrificação dos automóveis nas redes elétricas, estudos mostram que o aumento da demanda não será tão significativo, podendo ser diluído ao longo do tempo.
Segundo cálculos feitos pela empresa CPFL Energia, a recarga de carros elétricos no Brasil ampliaria entre 0,6% e 1,6% o consumo total de energia em 2030, considerando uma frota de veículos variando entre 4 milhões e 10,1 milhões de unidades.
Como o volume atual de automóveis “verdes” em circulação ainda está muito longe do milhão, há tempo para se preparar e resolver os problemas atuais. Episódios como o apagão no Amapá, que deixou os moradores vivendo com fornecimento precário de eletricidade por 22 dias em 2020, paralisariam as frotas de veículos elétricos.
Somente após resolver os entraves de produção, capilaridade da rede de recarga e estabilidade do fornecimento de energia, é que o Brasil poderá sonhar em se igualar a outros países em estratégia de eletrificação dos automóveis. Entretanto, o que se pensa para a Europa e os EUA em 2030 só deverá ser um esboço de realidade no país em 2040.
Venda de carros 100% elétricos
em 2020 (em unidades)
Total no mundo
3,1 milhões
Europa
1,37 milhão
China
1,34 milhão
EUA
256,3 mil
Brasil
857
Países que oferecem incentivos fiscais ou bônus na compra de elétricos
EUA
Bônus de até US$ 7,5 mil na compra
Alemanha
Bônus de 9 mil euros na compra
China
Isenção de 10% de imposto na compra de um híbrido ou de um elétrico
França
Bônus de 7 mil euros na compra de veículos de até 45 mil euros
Holanda
Subsídio de 4 mil euros na compra de um 0km e de 2 mil euros para usados
Espanha
Bônus de 7 mil euros para veículos de passeio; para vans, o benefício é de 9 mil euros
Argentina
Redução no imposto de importação, com alíquota caindo de 35% para 2%
México
Elétricos estão isentos do ISAN, imposto federal semelhante ao IPVA
No Brasil
Isenção de imposto de importação para veículos 100% elétricos
Redução ou isenção no IPVA em alguns estados para elétricos e híbridos:
Parcial
Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo (capital)
Total
Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Paraná e Rio Grande do Sul
Fontes: ABVE, Adefa, Canalys, Charge Now Mexico, Fenabrave, Statista e montadoras