O que será do etanol quando todas as montadoras estiverem fabricando apenas carros elétricos, como têm avisado? Serão sucateadas as destilarias de álcool no Brasil, que produzem cerca de 30 bilhões de litros por ano? E o que será dos 40 mil postos de combustíveis espalhados pelo Brasil? E o custo da instalação de milhares de pontos de recarga das baterias?

 

Na edição desta sexta-feira, esta Coluna expôs o ponto de vista de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). Para ele, o carro elétrico a bateria recarregável foi a solução ambiental encontrada por países ricos, que não poderá ser adotada pelos países pobres, pelo alto custo, não só das baterias, mas da infraestrutura necessária para colocar os veículos elétricos em circulação. Ele continua apostando no futuro dos biocombustíveis com base no argumento de que, se o fundamento para a transição é a preservação do meio ambiente, então é preciso dar força para o etanol, porque o carro a álcool polui menos do que o modelo elétrico em voga.

Outro consultor da área, Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting, não tem dúvidas de que o futuro da mobilidade é a eletrificação, mas não necessariamente a do carro elétrico com seu trambolho de bateria, que pega todo o chão do veículo e pesa mais de 500 kg.

Para ele, a corrida das montadoras baseada na “baterização” do carro elétrico não é viável, do ponto de vista da sustentabilidade, para os países mais pobres. Em seu lugar, aposta no hidrogênio como energia do futuro e na possibilidade de produção do elemento dentro do carro que, por sua vez, gerará a energia elétrica que moverá o veículo. É a tecnologia da célula de combustível (em inglês, Solid Oxide Fuel Cell – SOFC). Nessas condições, o etanol poderá tornar-se estratégico, na medida em que sua composição contém o hidrogênio necessário para produzir a energia elétrica que acionará o motor.

A vantagem adicional é a de que dispensará grandes mudanças na malha viária de recarga que, na verdade, exigiria despesas ainda mais altas com o modelo a energia elétrica produzida fora do veículo (overboarding). “A atual guinada para o carro elétrico é disputa por poder econômico. A Alemanha assumiu essa posição por conta do crescimento da China e os Estados Unidos também entraram nessa briga”, diz Cardamone.

Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), está engajado em garantir futuro para seu produto, o etanol, agora ameaçado. Ele repete os argumentos de Pires e de Cardamone, mas reconhece que será preciso conseguir que outros países adotem o etanol como fonte.

Há alguns anos, os produtores de etanol no Brasil não conseguiram a adesão do governo do Japão para trabalhar pela transformação do etanol em commodity. Agora, pretendem convencer a Índia e países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Filipinas, Indonésia, Malásia, Mianmar, Cingapura, Tailândia e Vietnã), também produtores de açúcar, a optar pelo etanol. O tempo dirá se obterão sucesso.

Outra questão consiste em saber se as montadoras se deixarão tocar pela lógica de que o carro com grandes baterias não deve ser a única nem a melhor solução. Para isso, teriam de adotar linhas diferentes de produção, com tecnologias díspares, o que hoje parece difícil diante das exigências de escala.

Gussi se apega às possíveis dissidências entre as montadoras. Observa que a Toyota optou, também, pelo híbrido, com um motor elétrico e outro flex a combustão. A Nissan e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), ligado à USP, renovaram parceria para tornar a célula de combustível a etanol comercialmente viável e adaptá-la ao uso de outros biocombustíveis, como o GNV. E o CEO da Volkswagen para América do Sul, Pablo Di Si, manifestou entusiasmo pela adoção do etanol como principal fonte de alimentação da célula de combustível.

Essa posição em defesa do etanol enfrenta dois enormes obstáculos. O primeiro: os países avançados estão despejando enormes investimentos em mobilidade elétrica “baterizada”. O outro: as grandes montadoras já optaram por esse caminho e vai ser difícil revertê-lo, inclusive no Brasil.

Seja como for, o que parece inevitável é que, nos próximos anos, o governo brasileiro terá de optar por uma rota, como já está acontecendo com a maioria dos países líderes.

E será uma briga contra cachorros grandes./COM PABLO SANTANA

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA



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