Com a expansão do uso de carros elétricos na Europa, América do Norte e China, fábricas de países emergentes, que atendem essencialmente os mercados locais, como acontece no Brasil, correm o risco de ficar obsoletas em poucos anos. Caberá a cada empresa definir sua estratégia. A Volkswagen decidiu transformar o Brasil num centro de pesquisa, desenvolvimento e produção de motores “flex” – que funcionam com etanol ou gasolina – para veículos híbridos. A ideia é exportar a tecnologia e também os futuros motores para países da América Latina e também regiões mais distantes, como África do Sul e Índia.

Transformar o Brasil num polo de desenvolvimento de tecnologias baseadas em biocombustíveis pode ser a chance de dar uma sobrevida ao parque industrial de veículos e de autopeças brasileiro até o país e a região entrarem na era do carro elétrico. Isso tende a acontecer quando a produção em massa desse tipo de veículo tornar seu custo mais acessível.

O carro híbrido, que tem dois motores – um a combustão ajuda a carregar o elétrico – é uma solução compatível com as metas de redução de emissões de dióxido de carbono quando abastecido com combustível líquido limpo. Nesse caso, o etanol, tecnologia que o Brasil desenvolveu há 48 anos, leva vantagem.

A Toyota foi a primeira montadora a apresentar e a vender a tecnologia flex em veículos híbridos no Brasil. A linha híbrida do modelo Corolla pode ser abastecida com gasolina ou etanol. A Volks almeja saltos mais altos. Pretende fazer investimentos no país para criar uma base de desenvolvimento mundial da tecnologia; de olho, sobretudo, nos países emergentes. Um dos mais cotados para o intercâmbio de conhecimento é a Índia, que recentemente autorizou empresas de distribuição de combustíveis a vender etanol puro nos postos.

“É a forma de fazermos uma nova indústria”, diz o presidente da Volkswagen na América Latina, Pablo Di Si. O executivo estima que se nada for feito para salvá-lo o parque automotivo brasileiro – hoje o nono maior do mundo – corre o risco de acabar em menos de 20 anos. Ou até dez, diz ele, dependendo da velocidade das mudanças dos veículos em outros países.

Di Si afirma que durante os quase quatro anos em que está no comando da Volks na América Latina o risco de a indústria brasileira de veículos desaparecer foi o único problema que “lhe tirou o sono”.

O executivo teve receio de ser testemunha de mais uma “jabuticaba”. O significado simbólico do nome da fruta – e a fruta em si – ele conheceu em 2001, a primeira vez que veio trabalhar no Brasil. “Jabuticabas”, forma pejorativa de referir-se a coisas que existem somente no Brasil, não cabem num setor tão global como o automotivo. “A chave já virou na Europa e outras regiões. É o Brasil que tem que se adaptar ao mundo e não o mundo ao Brasil”, destaca.

Di Si passou um ano e meio “estudando” nosso etanol. Conversou com especialistas, membros do governo, da área acadêmica e visitou usinas. Estava afiado quando há duas semanas foi até a Alemanha fazer uma apresentação sobre o potencial brasileiro na área de biocombustíveis. Voltou com a aprovação da direção mundial do grupo de transformar a filial brasileira nesse novo centro de desenvolvimento.

Faltam providências importantes, como definir o investimento no projeto, que incluirá trazer os motores híbridos desenvolvidos na Europa para que a equipe de engenharia brasileira crie versões adaptadas ao etanol, principalmente. No fim do ano passado, o Grupo Volks anunciou o plano de investir € 73 bilhões nos projetos de eletrificação de suas marcas.

Para convencer os alemães sobre o potencial brasileiro Di Si exibiu dados de toda a cadeia de produção do etanol no país. E mostrou diversos comparativos, como as vantagens em relação à eletricidade gerada em usinas de carvão.

Ele sabia que durante a apresentação surgiriam dúvidas sobre o receio de a produção de cana para o etanol ocupar áreas que poderiam servir à produção de alimentos. Quando a pergunta apareceu ele mostrou dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA): a área destinada ao etanol corresponde a 0,8% das terras brasileiras. Di Si preparou-se, ainda, para outra questão que ele imaginava que surgiria: “não, não precisamos desmatar a Amazônia para obter essa fonte de energia”.

Para ele, em breve o Brasil unificará normas para uso de combustíveis. “A discussão não pode envolver só o quanto o carro emite, mas toda a cadeira; é como dizemos: do poço à roda”.

Enquanto isso, o executivo faz o papel de “embaixador do etanol”. Na semana passada, ele recebeu um embaixador de verdade: Suresh Reddy, da Índia, que foi até a fábrica da Volks em São Bernardo do Campo (SP) conhecer como se desenvolvem motores bicombustíveis. Segundo Di Si, Reddy lhe contou que a Índia avança no uso do etanol como combustível e em alguns meses, deve lançar uma política para o uso de motores flex.

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