Este século representa grandes desafios para as organizações, sobretudo no contexto de suas relações com os investidores, consumidores, colaboradores, fornecedores, governos, sociedade e meio ambiente. As práticas ESG, sigla que abrevia as palavras em inglês environmental, social e governance e se refere as ações que a empresa desenvolve no âmbito da governança corporativa, no relacionamento com as partes interessadas e com o meio ambiente, não só passou a ser um modismo de gestão, mas um imperativo no ambiente de negócios.
Felizmente, muitos empresários e gestores na comunidade empresarial – de grandes corporações a microempresas – estão ajudando a resolver os nossos desafios mais profundos, implantando modelos de negócios de longo prazo voltados para o propósito que colocam as pessoas e o planeta em primeiro lugar. E o mais interessante é que elas estão lucrando neste novo caminho, quer por meio de novas ferramentas, como gestão de stakeholders, quer por meio de novas tecnologias, como sistemas de energia limpa, por exemplo.
O contexto de sustentabilidade se tornou uma “missão crítica” para muitas empresas, de todos os tamanhos. Em países em desenvolvimento, como o Brasil – aonde as oportunidades de práticas ESG são inúmeras, esse tema ganha mais importância.
De acordo com uma pesquisa com 766 CEOs membros do Pacto Global das Nações Unidas (UNGC) realizada pela Accenture, 93% dos CEOs em todo o mundo veem a sustentabilidade como importante para o sucesso futuro de sua empresa, especialmente abordar questões como educação, mudança climática, escassez de recursos e saúde. 73% dos CEOs veem isso como uma forma de fortalecer sua marca, confiança e reputação.
Muitos CEOs concordam que a sustentabilidade enfatiza a focalização no contexto da organização e a melhor compreensão de seu impacto na sociedade.
Por exemplo, o ex-CEO da Unilever Paul Polman, autor do livro “Net Positive: how courageous companies thrive by giving more than they take“, se destacou como um líder de práticas ESG, incluindo em sua agenda questões como as mudanças climáticas e as desigualdades sociais, assim como a liderança empática como a empatia em relação com as múltiplas partes interessadas.
Outros CEOs já se deram conta de que a formação e desenvolvimento de líderes ESG no âmbito do seu negócio podem maximizar o impacto socioambiental da organização, facilitar a eficácia das práticas de ética e governança, permitir maior impacto na sociedade e gerar maior valor compartilhado.
O perfil do líder ESG
Neste contexto, quais devem ser as competências e habilidades requeridas de um CEO e líder de sustentabilidade empresarial, ou práticas ESG?
Uma pesquisa realizada pelo Dr. Wayne Visser, fundador do think-tank Kaleidoscope Futures, professor na Antwerp Management School e autor de 26 livros sobre responsabilidade social, governança e sustentabilidade, entre eles o recente “Sustainable Frontiers: Unlocking Change through Business, Leadership and Innovation”, sugere 7 competências ou atributos do líder ESG. São eles:
1. Visão sistêmica e interdisciplinar
Um dos elementos que nos move para a causa da sustentabilidade e práticas ESG é o entendimento sistêmico e interdisciplinar dos desafios que as empresas enfrentam.
Para eliminar a causa raiz do comportamento insustentável, da moral empresarial insustentável, práticas insustentáveis e assim por diante, é fundamental a visão sistêmica e interconexões dos problemas. O desenvolvimento sustentável, apoiado no triplo resultado, ou 3Ps (Profit, People e Planet) demanda a concepção e execução de pessoas, processos e recursos que atuem conjuntamente em vários níveis, como o público, o privado e a sociedade civil.
Um exemplo disso é a economia circular, novo conceito do ciclo produtivo inspirado na economia verde e que prevê uma economia de desempenho, no reaproveitamento ou uso inteligente de recursos para o desenvolvimento de produtos. Isto é, os resíduos de uma indústria podem servir para matéria-prima reciclada de outra indústria ou para si própria.
2. Inteligência emocional e atitude zelosa
No contexto da sustentabilidade, a única maneira de pessoas,organizações e países terem sucesso será por meio da cooperação e geração de valor compartilhado, bem como o desbloqueio de barreiras econômicas e socioculturais. Isso implicará para a liderança na utilização de diversas inteligências, sobretudo a inteligência emocional para distinguir as motivações e inspirar a mudança de paradigmas e as transformações necessárias. A COVID19, por exemplo, tem demonstrado a importância desse atributo no enfrentamento da pandemia e na convivência humana. Diversas empresas se uniram para distribuir produtos e alimentos para os mais vulneráveis durante este período difícil.
3. Orientação para valores que moldam a cultura
As questões ESG envolvem a necessidade de uma ética preocupada com as organizações, com o outro e com o meio ambiente. Há necessidade de um compromisso moral, até espiritual, se nos debruçarmos sobre a profundidade da questão no longo prazo, já que o que está em jogo é a própria sobrevivência da espécie humana e do planeta.
A maneira como produzimos, trabalhamos e consumimos exige uma transformação ampla nas economias e no estilo de vida da sociedade, necessitando como fator crítico a existência de líderes que sejam capazes de uma abordagem baseada em valores.
4. Vontade forte para fazer a diferença
Diversos empresários e CEOs são conhecidos por sua visão de verdadeiramente fazerem a diferença, quer tranformando suas organizações de impacto zero no meio ambiente, quer tornando a empresa um ambiente de felicidade para os trabalhadores, quer buscando diminuir as desigualdades sociais, em áreas com educação, eliminação da miséria, saúde e bem-estar.
Gestores que sejam capazes de inovar ou desenvolverem sistemas e processos voltados para a solução dos desafios socioambientais com métricas claras e objetivas, gerando valor compartilhado, serão cada vez mais procurados.
No momento crítico em que vivemos, empresários como John Mackey, cofundador da varejista norte-americana Whole Foods, estão sendo capazes de reimaginar os negócios e a economia, promovendo transformações de alto impacto. Mackey cocriou o conceito de capitalismo consciente, que gradualmente tem sido incorporado as empresas.
5. Um estilo inclusivo gerador de confiança
Na sociedade globalizada e interconectada, os líderes gerenciam ambientes cada vez mais diversos, com pessoas de vários generos e diferentes origens étnicas, sociais e religiosas.
Uma da definições de liderança é aquela que caracteriza os líderes como aqueles que fazem as pessoas irem aonde elas não teriam ido por conta própria.
Portanto, liderança ESG é sobre o líder e os seguidores trabalhando juntos para chegar a certos resultados que gerem valor compartilhado.
Para tanto, uma visão de cidadania e cooperação é essencial. O ditado nativo norte-americano: “Não herdamos a Terra de nossos ancestrais, mas a pegamos emprestada de nossos filhos” serve de mensagem para a noção de que precisamos agir efetivamente para lidar com os desafios socioambientais e de governança.
Tal noção é fundamental, pois na sustentabilidade todos todos temos coresponsabilidade sobre essa temática. Devemos nos ver como partes da solução e não do problema.
6. Inovador e radical
A já falecida empresária britânica Anita Roddick, fundadora da empresa de cosméticos The Body Shop, adquirida pela Natura, exortou os líderes a “ousarem, serem os primeiros, serem diferentes, serem justos”. The Body Shop foi uma das empresas pioneiras em responsabilidade social em todo o mundo.
A maioria dos desafios ambientais irão demandar soluções criativas e inovadoras em virtude de sua complexidade e intensidade. Líderes com perfil inovador e radical, capazes de motivar suas equipes a pensarem diferente, serão mais apropriados as organizações com práticas ESG.
7. Visão de longo prazo
Empresas que pensam a longo prazo serão mais bem-sucedidas no futuro, já que a sustentabilidade requer uma visão de longo prazo e dos impactos que os negócios provocam na sociedade e meio ambiente.
A Toyota, por exemplo, foi a primeira empresa a comercializar um carro híbrido e inspirou toda a industria automobilística a enveredar para os carros elétricos.
O pensamento de longo prazo é especialmente importante para setores como mineração, energia e transporte, por exemplo.
Mas inevitavelmente todos os negócios precisarão repensar seus modelos de produção e operação se quiserem atrair consumidores, investidores e colaboradores no futuro.
Embora seja improvável que qualquer gestor irá incorporar todos estes 7 traços, este perfil ideal é o indicado para nortear as ações de desenvolvimento de líderes ESG em qualquer empresa, pois no momento crítico que viveremos nos próximos anos, esses líderes serão cada vez mais necessários.