O americano John Rodgerson, presidente da Azul Linhas Aéreas, considera curioso alguns aspectos da cultura nacional. Morando há 13 anos no país, observa que o brasileiro demora seis horas para ir de São Paulo a Bertioga, no litoral do estado, uma distância de 114 quilômetros.
O trânsito cheio nas estradas em feriados se repete na rodovia Castelo Branco, que dá acesso ao interior paulista, mesmo com suas amplas faixas de rolamento nos dois sentidos.
“Com o tanto de helipontos que se tem em São Paulo, cinco vezes o total de Nova York, não precisaria ser assim”, diz o executivo em entrevista à Folha. Segundo ele, junto com a alemã Lilium, descobriu uma solução para esse problema: vai oferecer “carro voador”, uma aeronave elétrica, para competir com os helicópteros, um mercado em que o Brasil é o maior do mundo. A expectativa é começar a operar em 2025.
Em São Paulo, são 196 helipontos, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Em todo o Brasil, são 1.265 pontos para helicópteros. No Estado de São Paulo, primeiro mercado a ser explorado pela parceria entre Azul e Lilium, o número de helicópteros chegava a 674 em 2018, de acordo com a Anac.
“Nosso serviço será oferecido por um quarto do preço da viagem de helicóptero”, diz Rodgerson. Segundo o executivo, para uma distância de 60 milhas (o equivalente a 100 quilômetros), o passageiro paga US$ 400 (pouco mais de R$ 2 mil) por uma viagem de helicóptero. Com o eVTOL da Lilium, que tem autonomia para viagens de até 240 quilômetros, o custo seria de US$ 100 (cerca de R$ 514) por pessoa.
Esta é a previsão de preço para viagens feitas pelas primeiras 220 aeronaves encomendadas à Lilium, que devem ser produzidas com capacidade para sete pessoas —seis passageiros e o piloto, diz Rodgerson. “Mas a expectativa é desenvolver novos modelos, com capacidade para até 16 pessoas, o que iria tornar a viagem muito mais acessível”, afirma o presidente da Azul, para quem o serviço tem tudo para se tornar o “Uber dos céus”.
A viagem ainda teria a vantagem de não poluir o meio ambiente, uma vez que o eVTOL não utiliza combustível fóssil, como os helicópteros. Segundo a Lilium, uma viagem de 100 quilômetros com helicóptero despeja 50 quilos de dióxido de carbono na atmosfera.
“É o transporte do futuro, 100 vezes mais seguro e mais silencioso que um helicóptero”, diz Rodgerson, lembrando que a Azul já tem know-how em aeronaves de pequeno porte, com nove assentos.
O investimento previsto para fabricação das 220 aeronaves é de US$ 1 bilhão (R$ 5,1 bilhões). O custo de cada unidade gira em torno de US$ 5 milhões (R$ 25,7 milhões). “Mais barato que um helicóptero, que custa de US$ 7 milhões a US$ 9 milhões [R$ 36 milhões a 46 milhões]”, diz ele. A Lilium se prepara para abrir capital na bolsa americana Nasdaq dentro de 60 dias. A Azul será uma das acionistas da companhia, com participação minoritária, segundo Rodgerson.
Viagem corporativa deve ser substituída por viagem de lazer, diz executivo
Com cerca de 90% da taxa de ocupação nas aeronaves, a Azul tem boas perspectivas para o segundo semestre. “Atingimos esta marca mesmo comprando novas aeronaves no ano passado”, diz Rodgerson.
Isso porque as viagens de lazer vêm substituindo as viagens corporativas que, no Brasil, sempre responderam pela maior parte do total: 65%, contra 20% dos Estados Unidos e 15% da Europa, afirma o executivo.
“As viagens de lazer são a grande oportunidade daqui para frente”, diz ele. “Mesmo considerando o home office, o executivo pode escolher trabalhar remotamente de Campos do Jordão, por exemplo”, afirma.
Com o retorno aos escritórios, que vem se mostrando híbrido, o presidente da Azul prevê que um passageiro pode não fazer mais a rota Rio-São Paulo 30 vezes por ano, mas talvez faça 15 vezes. “Nossa missão será levar este passageiro para mais viagens de lazer”.
No que se refere ao interesse da Azul pela Latam Brasil, Rodgerson afirma que a controladora Latam conseguiu estender o prazo para apresentar o plano de recuperação à justiça americana. De 30 de junho, o prazo passou para 15 de setembro.
A Latam tem exclusividade de negociação com os credores. A Latam Brasil só poderia passar para as mãos da Azul se os credores rejeitassem o plano da Latam. “Não temos nada a fazer no momento a não ser esperar”, diz Rodgerson. “Por isso, vamos investindo no eVTOL.”