Um pesadelo tem tirado o sono dos importadores de veículos, que sentem os reflexos nos negócios impactados pela alta do dólar: a taxa de importação diferenciada para modelos híbridos e elétricos de 0% a 7% pode retornar ao patamar original, de 35%, a partir de 1º de janeiro caso a portaria que determinou a redução não seja estendida. Em setembro, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), as vendas caíram 34% na comparação com 2020. “A situação só tende a se normalizar a partir do terceiro trimestre de 2022”, afirmou à DINHEIRO João Henrique Oliveira, presidente da entidade. Entre as associadas, estão também multinacionais que produzem no País. A taxa de 35% de importação ao Brasil para mercados fora do Mercosul e México só se resolveria com o acordo entre Mercosul e União Europeia. Quando for assinado, haverá uma cota com 32 mil veículos que pagarão apenas metade desse imposto (17,5%). Nos 15 anos seguintes será promovida uma redução progressiva da alíquota até chegar a 0%. O acordo precisa ser assinado por todos os países membros dos blocos. “E hoje, por causa da condição política, não vejo possibilidade de que isso ocorra até 2022. Aí só entrará em vigor no ano posterior ao da assinatura”, afirmou Oliveira. Ou seja, se for assinado em 2023, irá vigorar apenas a partir de 2024.
A partir de 1º de janeiro de 2022, também a alíquota para importação de veículos eletrificados – híbridos ou 100% elétricos – será de 35%, caso o governo federal não renove a portaria. Os modelos pagam atualmente entre 0% e 4%. “Estamos discutindo com o governo a renovação desse regime. É importante porque atinge um mercado que ainda precisa crescer e se consolidar”, disse o executivo da Abeifa. “O que não pode é cair o regime por completo. Abandonar.” E o abandono do governo teria fortes consequências no segmento, de acordo com Oliveira. Sobrariam no mercado brasileiro apenas algumas versões de marcas premium. “Já para as marcas que pensam em introduzir essa tecnologia no Brasil num volume mais generalista fica completamente inviável. O custo tecnológico ainda é mais alto.”
“Algumas montadoras têm trabalhado meio desabastecidas. Situação só deve se normalizar no terceiro trimestre do ano que vem” João Oliveira presidente Abeifa.
INDIGNAÇÃO A opinião do executivo é compartilhada por José Luiz Gandini, presidente da Kia Brasil. A marca sul-coreana pretende buscar a liderança do mercado global de veículos elétricos e, para isso, planeja apresentar sete modelos até 2027. O primeiro deles foi o EV6, um crossover com autonomia de até 510 quilômetros e que já roda no exterior. No Brasil, a estreia no segmento foi dada com o início da pré-venda do modelo Stonic híbrido, além da disponibilidade da versão eletrificada do Sportage. Na visão de Gandini, o carro importado sofre muita taxação no Brasil e, com possível retorno para 35% da alíquota dos eletrificados e a cotação do dólar na faixa de R$ 5,65, ficará inviável comercializar automóveis no País. “Será um caos, porque não poderemos importar o híbrido e o elétrico para pagar o déficit da eficiência energética (como estipulado no programa Rota 2030), assim como vender os modelos a combustão, porque vai gerar um débito astronômico”, disse. A partir do ano que vem, cada montadora terá de pagar multa caso seus veículos extrapolem a meta de eficiência energética. “E a comercialização de carros híbridos e elétricos dá crédito de eficiência energética. Um zera o outro. Agora, se não posso trazer híbrido e elétrico, como eu faço?”
O presidente da Kia revelou incerteza em relação ao dia a dia das operações. “Em 10 de outubro (2021), fiz um pedido na Coreia do Sul dos carros que pretendo vender em janeiro (2022). Como é possível fazer planejamento? Estou comprando produtos e não sei qual será o imposto de importação, o valor do câmbio e o preço dos concorrentes.” Apesar do aumento do número de carros eletrificados vendidos no Brasil entre janeiro e setembro – foram 24 mil unidades, alta de 81% em relação a 2020 –, Gandini não acredita que o brasileiro vai pagar “R$ 30 mil, R$ 40 mil, R$ 50 mil” mais caro em um veículo porque ele não polui. “Se a taxa for para 35%, não iremos trazer os carros, e o governo vai restringir o acesso do consumidor a essas novas tecnologias”, afirmou.