Arquitetura, motor V6, caixa de velocidades, sistema de propulsão híbrida, central multimídia… Tudo é novo no McLaren Artura, o primeiro modelo eletrificado de produção em série da marca inglesa. O UOL Carros teve a oportunidade de dirigir o modelo em estrada e em pista e conta todos os detalhes abaixo.
A McLaren sofreu os impactos financeiros trazidos pela pandemia. Após o ano recorde de 2019 em termos de vendas globais (4.662 carros), caiu para quase 1/3 desse volume em 2020 (1.659) e acumulou 900 milhões de euros de prejuízos. Os efeitos foram imediatos, com a venda de 33% das ações da equipe de Fórmula 1, a dispensa de 25% dos trabalhadores (1.200 pessoas), a venda do quartel-general em Woking (Inglaterra) e a demissão do CEO da empresa, Mike Flewitt, que estava há 10 anos no cargo.
A estratégia para a recuperação delineada pelo novo CEO, Michael Leiters, vindo da Ferrari, é eletrificar a gama de modelos da McLaren – a começar precisamente por este Artura. Não é o primeiro carro da marca com propulsão parcialmente elétrica, mas é o primeiro de produção em série a contar com essas duas fontes para se mover (motor de combustão e motor elétrico).
“É muito mais do que um carro novo, é um novo capítulo na história da McLaren Automotive porque esta arquitetura estará na base dos nossos próximos modelos”, disse James Corstorphire, diretor de estratégia de Produto da marca inglesa.
As estreias começam na plataforma, feita do zero, otimizada para a eletrificação, a que foi dado o nome de MCLA (McLaren Carbon Lightweight Architecture) que, segundo Corstorphire, “dá à marca uma oportunidade única para recomeçar de uma folha em branco, a partir de uma monocoque em carbono, também feita “em casa”, e que é mais leve, mais rígida e mais segura do que a anterior”.
Visualmente o Artura usa traços conhecidos na McLaren, desde o baixo “nariz”, habitáculo inclinado para a frente, secção traseira alta e todo o drama sublinhado pelas portas diédricas da McLaren – que abrem mais perto da carroçaria – e pela curta distância entre eixos.
A carroçaria é feita em alumínio sendo o peso, em ordem de marcha, de 1.498 kg, por um lado porque o peso total dos componentes híbridos é de apenas 140 kg – incluindo a bateria de 95 kg e o motor elétrico de 15,4 kg.
V6 substitui V8
Outra das grandes novidades é o motor V6 biturbo de 3 litros, quando a McLaren nunca usou menos de oito cilindros até agora. As bancadas de cilindros perfazem um ângulo de 120 graus entre si, “o que tem a dupla vantagem de contribuir para um mais rápido arrefecimento do motor, mas também ajuda a baixar o centro de gravidade do carro”, esclarece Taylor.
A caixa automática também é nova, passando a ter oito em vez de sete velocidades, o que não impede que seja mais compacta, também por não existir engrenagem de marcha-ré (o motor elétrico inverte o sentido da rotação para esse efeito).
A transmissão atua para transferir o torque do motor elétrico e do motor V6 e isso permite que o veículo opere em um modo de emissão zero usando apenas o motor elétrico depois do propulsor a combustão ser desligado.
31 km elétricos
A propósito de eficiência, este é o primeiro McLaren híbrido plug-in de produção em série. O motor elétrico é alimentado pela bateria de 7,4 kWh para completar 31 km totalmente elétricos. Impressionam os registros de 104 g/km de emissões de CO2 e o consumo médio de 6,4 litros/100 km.
A recarga externa deste plug-in híbrido demora 2,5 horas (até 80%) com um cabo convencional, mas a mesma é também carregada pelo motor de gasolina.
Pneus com temperatura precisa
Outra estreia absoluta – neste caso, em toda a indústria automotiva – é a dos pneus Cyber da Pirelli, que usam um ‘chip’ eletrônico capaz de identificar imediatamente que tipo de pneus estão montados no carro (PZero, PZero Corsa ou de inverno, neste caso sendo emitido um aviso quando se atinge a velocidade de 270 km/h, acima da qual os pneus de inverno não podem rodar) e de detectar com muito maior precisão qual a temperatura da borracha.
A temperatura dos pneus é mostrada na nova instrumentação (TFT de 10″) com o uso de cores nos números para mais fácil visualização (os números a azul indicam que os pneus estão frios, a branco que estão na temperatura ideal e a vermelho que precisam de arrefecer). O chip que é o cérebro do pneu Cyber é de tal forma sofisticado que a Pirelli diz quer aguenta uma força de 4.000 “g” a rodar a 330 km/h – para se ter uma ideia do que isto significa basta pensar que um foguete espacial atinge os 20 a 25 “g” na fase de lançamento.
No interior da roda são usados freios com discos carbo-cerâmicos e pinças de alumínio da mesma família dos usados nos mais recentes modelos LT da McLaren. A direção eletrohidráulica – reconhecida como uma das melhores do mundo em supereesportivos – e o sistema de amortecimento eletrônico variável foram revistos e adaptados às características do Artura.
Na estrada e em pista
Para a primeira experiência ao volante do Artura dirigi nas estradas que ligam a cidade de Marbella ao circuito Ascari, uma estrada nacional repleta de zonas sinuosas, a uma distância de 101 km. Ao entrar no Artura, o que requer sempre alguma agilidade, e apertei o botão start. ocorreu uma falha de software que obrigou a fazer um reset total do veículo e a trocar de carro, porque aquela unidade estava em um dia ruim.
Aliás, não foi a única, tendo falhas eletrônicas similares acontecido com os carros de outros colegas jornalistas de outros países, o que está longe de ser um bom presságio, ainda mais tendo em conta que foram estes problemas que levaram ao adiamento deste test-drive – para o qual tinha sido originalmente convocado em outubro do ano passado. A McLaren promete que uma nova geração do sistema eletrônico será introduzida no carro antes das primeiras entregas a clientes, mas não deixa de ser uma ocorrência inquietante.
Já dentro de um Artura “operacional”, olho com atenção para o cockpit para concluir que está mais centrado no motorista, que o nível de qualidade percebida subiu e que subsiste a habitual separação dos modos de dirigir entre os parâmetros que dizem respeito ao motor (Powertrain) e Comportamento (Handling).
São 3+1 os modos disponíveis: Comfort (privilegia a eficiência, desligando o motor V6 abaixo dos 40 km/h), Sport e Track (em crescendo na agressividade com que a potência é entregue) e depois o modo E, totalmente elétrico. Ao mesmo tempo que a firmeza dos amortecedores e o grau de intervenção do controlo eletrônico de estabilidade são igualmente regulados a condizer.
Também na central multimídia houve evolução, com nova tela de 8″, novo software (versões atualizadas de aplicações habituais na McLaren, Track Telemetry e Variable Drift Control – em 15 níveis diferentes, para manter a traseira “na ordem” ou “bem soltinha”), novo mapa de navegação no quadro de instrumentos, compatibilidade com Apple Carplay e Android Auto (pela primeira vez num McLaren) e espelhamento do smartphone.
Mais conforto e qualidade a bordo
Foi mais fácil ajustar a posição do banco graças ao novo sistema de regulação (o anterior era complexo) e assim se iniciam os primeiros quilômetros, ainda no espaço urbano e “de pantufas”, que é como se diz em modo elétrico e com motor e chassis na regulação mais “burguesa” (Comfort), que assegura um muito razoável nível de conforto.
Durante as tais dezenas de quilômetros a subir para Ascari vou jogando com as afinações da motorização para perceber que a sonoridade do Artura é muito mais discreta do que algum McLaren que guiei anteriormente, o que se enquadra nos novos tempos que estamos a começar a viver, não deixando de causar alguma pena para quem gosta realmente de carros muito esportivos.
A suspensão alinha pelo mesmo critério de moderação e nem nos modos Sport e Track o contato com a estrada se torna demasiado duro, ainda que se note que há menos movimentos transversais da carroçaria em curva e que a trepidação no rolamento aumenta. A sensação que fica é que o incremento na rigidez do carro (apenas o segundo inteiramente novo na história da McLaren Automotive) que permitiu fazer esta afinação mais suave de suspensão tem claras vantagens para a utilização quotidiana.
Da mesma forma, a caixa de velocidades vai atrasando o momento das passagens de caixa “acima” para rpm mais altas à medida que se vai passando de Comfort para Sport e depois para Track. As aletas de passagem manual no volante envolvem ainda mais o motorista com a sua missão.
A direção, com volante de aro fino, continua a ser deliciosamente precisa e comunicativa, o que a par da excelente visibilidade dianteira do Artura ajuda a que qualquer motorista se sinta com bastante confiança ao fim das primeiras dezenas de quilômetros. E a frenagem requer alguma habilidade, pois é necessário pisar com bastante vigor (típico dos freios de disco carbo-cerâmicos).
Resposta mais instantânea
As 26 curvas dos 5,4 km do traçado de Ascari (agora com um asfalto novo) parece que mudam cada vez que lá vou, o que só pode querer dizer que me falta perícia para memorizar o traçado. O motor elétrico atua principalmente em um regime de rotações do V6 a gasolina entre as 2.000 e as 5.000 rpm, até porque daí para a frente a sua ajuda é menos importante.
Percebe-se que os pneus PZero Corsa têm mais aderência do que os do carro que guiei na estrada até ao circuito, ainda mais com a contribuição do tal “tapete novo” da pista de Ascari, que só facilita a tarefa e perdoa alguns desvios da trajetória ideal.
Interessante o fato de a bateria ser usada e alimentada em função do modo selecionado para a motorização: em Comfort usa o máximo de energia elétrica, em Sport nunca deixa a carga da bateria cair abaixo dos 50% e bem acima disso em Track, para que as duas fontes de energia possam colaborar para que sejam alcançados os melhores tempos por volta.
Primeiras impressões
Em uma zona urbana ou autoestrada em modo 100¨% elétrico (limitado a 31 km e 130 km/h) ou em velocidades estonteantes em circuito, o Artura revela a sua natureza ambivalente e abre uma nova era para a McLaren Automotive.
Com um chassis eficaz e uma motorização capaz de performances fora de série (3,0 s de 0 a 100 km/h e 330 km/h de velocidade de ponta), consegue ser confortável no cotidiano, onde a sonoridade mais discreta do seu motor pode ser vista em duas óticas opostas: positiva por ser mais compatível com os demais presentes da via pública, negativa por desagradar aos apaixonados de automóveis superesportivos – que são quase todos os que compram um McLaren, Ferrari ou Lamborghini.
Quer ler mais sobre o mundo automotivo e conversar com a gente a respeito? Participe do nosso grupo no Facebook! Um lugar para discussão, informação e troca de experiências entre os amantes de carros. Você também pode acompanhar a nossa cobertura no Instagram de UOL Carros.