Quando eu cheguei, tudo isso aqui era mato. Essa frase, que até virou meme, serve para descrever o estágio atual do mercado de veículos elétricos no Brasil. Em nota para a imprensa, a Renault divulgou números que ilustram bem esse momento.
A montadora francesa “comemora resultados expressivos envolvendo veículos 100% elétricos”. Com 100 unidades emplacadas em 2019 até o mês de setembro, a Renault lidera o mercado de veículos 100% elétricos, com a marca de 250 emplacamentos no País.
Cem no ano, duzentos e cinquenta no total. Esse é o número da líder de vendas de elétricos no Brasil. Mundialmente, a montadora já vendeu 250 mil unidades.
A conta ficou fácil. O mercado brasileiro representa 0,1% das vendas no segmento. A América Latina como um todo, com 1.700 elétricos rodando, fica com 0,7% da fatia de elétricos da Renault. Lembrando que o Zoe é um carro elétrico mais vendido na Europa.
Estamos atrasados. A Tesla não abriu revenda oficial por aqui até agora. A VW, que tem planos ambiciosos para sua linha de elétricos, nos empurra motores a combustão enquanto pode.
Pelo que pude apurar, a estratégia das montadoras para Brasil e região é usar estes mercados como último refúgio das tecnologias ultrapassadas. GM, Toyota, entre outras, ainda estão colocando capital no país para a produção de motores a combustão.
Enquanto esse capital não for recuperado, as grandes montadoras não farão a menor questão de fomentar o mercado de elétricos.
Por outro lado, o consumidor brasileiro quer elétricos. Converso bastante sobre este tema com todo tipo de gente e, com raras exceções, todos querem um. Algumas montadoras estão abrindo o mercado aos poucos.
É o caso da BMW, que trouxe o modelo i3 primeiro. Em seguida a Renault desembarcou o Zoe e mais recentemente a Nissan colocou o Leaf à disposição para test drive em algumas de suas concessionárias. Eu mesmo dirigi um mês passado. Embora simpáticos, eles cobram o preço.
Elétricos têm o preço de venda duas a três vezes maior do que um convencional de porte equivalente. Todos os modelos disponíveis são importados, o que encarece o produto. Mas só isso não explica o preço alto. As fabricantes trazem poucas unidades por ano. Isso mantém a oferta reprimida. Logo, podem colocar o preço nas alturas e vender para quem puder bancar.
É por isso que tudo é mato no mercado brasileiro de carros elétricos. Estamos vivenciando o início da coisa toda. Não me arrisco a apostar qual vai ser o ritmo da mudança. Muitos países já têm metas de banimento de carros à combustão.
Uns mais ousados, outros menos, mas de maneira geral, duas décadas é o tempo que esses países estipularam para o fim dos veículos movidos à combustíveis fósseis. O Brasil sequer tem uma meta.
O que se vê é o incentivo aos biocombustíveis que só o Brasil usa. A indústria sucroalcooleira sempre viveu de altos e baixos, mas nunca a deixaram morrer em paz.
É verdade que a eletrificação de veículos representa uma ameaça para muita gente. Existe toda uma cadeia de fornecimento de autopeças que depende do motor a combustão. Pelo mundo, muitas fabricantes de peças ou se adaptaram ou deixaram de existir.
É sempre triste ver o fim de um setor da indústria. Mas, desde que o capitalismo existe é assim. O novo surge e o velho desaparece. No longo prazo, o nível de emprego se mantém. Lutar contra é perda de tempo.
Mas, se de um lado, governo, associações de fabricantes e reguladores estão reprimindo a oferta, de outro, o brasileiro gosta de novidades e está ávido por consumir. Na hora em que a barreira do preço for quebrada, a demanda reprimida deixará de existir.
Vai ser um festival, podem apostar. Se tem algo que aprendi em tantos anos trabalhando com marketing é que quem decide o jogo é o consumidor. E quando o consumidor decide, ele vai lá e acaba com o mato do terreno. E rápido.
* Carlos Martins é idealizador da E-24, a primeira corrida de carros 100% elétrica do Brasil e escreve para o Baguete sobre temas relacionados com indústria automobilística e mobilidade. Confira o blog da E-24.