Enquanto a maioria das grandes empresas do mundo se espreme entre legislações, testes restritos e incertezas para trabalhar com carros autônomos, um grupo de empresas brasileiras decidiu seguir outro caminho. Foi apresentado na última quinta-feira (30) o e.coTech4, primeiro veículo elétrico e autônomo desenvolvido inteiramente no Brasil.
Criado por meio de uma parceria entre a Lume Robotics e a Hitech Electric, que conta com o apoio tecnológico da Positivo Informática, o veículo é focado para ambientes fechados e controlados como empresas, campus universitários, fábricas ou hotéis, entre outros exemplos. É fora do trânsito e por meio de uma tecnologia de mapeamento inteligente que o grupo deseja firmar uma ideia que, muitas vezes, parece um bocado distante. Mas, no evento de apresentação em Curitiba (PR), a ideia pareceu bem real e ainda pode nos levar para um pequeno passeio.
O lançamento aconteceu no pátio do complexo industrial da Positivo, justamente o tipo de espaço no qual o e.coTech4 foi criado para rodar. Por meio de um comando de smartphone, o usuário indica para onde quer ir e o carro segue para lá, seja por meio de uma rota programada ou decidindo por si só o melhor caminho de acordo com o mapeamento dos arredores, feito previamente.
De acordo com Alberto Ferreira de Souza, um dos sócios da Lume e professor emérito da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), esse trabalho precisa ser feito apenas uma vez, com um carro comum, e gera os dados necessários para toda a operação. “Toda a nossa abordagem é customizada, então não dependemos de sinalizações ou infraestruturas específicas. A programação é feita no próprio local de funcionamento do veículo”, explica, ressaltando que essa versatilidade é um dos pontos de diferenciação do e.coTech4.
Outro ponto nesse mesmo sentido é o modelo de negócios da Hitech Electric, que trabalha por meio da locação dos carros em contratos que podem durar de dois a três anos. Para Rodrigo Contin, CEO da empresa, isso permite uma atualização mais rápida da tecnologia, pois com o controle das unidades, é possível aplicar melhorias, mas também leva adiante o ideal de sustentabilidade que é intrínseco a todo o segmento. Na visão do executivo, o futuro da indústria é “elétrico, autônomo e compartilhado”.
Uma prova disso está na eficiência energética do modelo apresentado, o mesmo que está sendo negociado, segundo Contin, com de duas a três empresas que, ainda neste primeiro semestre, serão os early adopters do veículo. A cada 100 quilômetros rodados, o carro consome o equivalente a R$ 4,50 em energia elétrica, um total dez vezes menor do que os veículos tradicionais movidos a combustão.
Capaz de atingir velocidade máxima de até 50 km/h e com uma autonomia de 100 quilômetros, o e.coTech4 tem bateria cuja carga leva seis horas para ser completada em qualquer tomada convencional de três pinos. Além disso, funciona até mesmo em ambientes sem conexão com a internet, uma vez que possui todos os softwares e tecnologias necessárias para o funcionamento embarcadas, enquanto os comandos via smartphone são dados a partir de uma rede criada pelo próprio veículo.
Souza explica, entretanto, que essa é apenas uma possibilidade de aplicação, que também pode levar em conta a estrutura de rede instalada nos clientes e as preocupações com segurança deles. Caso seja necessário, o carro também pode se conectar à internet e até mesmo ser controlado à distância.
O carro apresentado à imprensa nesta semana tem quatro lugares e, ao contrário do que normalmente se fala quanto aos veículos elétricos, não precisa de um motorista humano supervisionando o volante. O mapeamento prévio do local de operação e a criação de rotas específicas ajuda quando o assunto é a segurança, enquanto dois botões, um de parada total e outro de acionamento manual, garantem a redundância necessária.
O sócio da Lume, entretanto, garante que tais dispositivos dificilmente seriam necessários, já que os sensores do e.coTech4 têm um tempo de reação de apenas 100 milissegundos. Além disso, o sistema é capaz de se adaptar e, segundo ele, conseguiria continuar rodando com até alterações de até 70% em relação ao mapeamento original, sem sofrer interferências pelas condições climáticas, também.
Olhando para a frente
O carro apresentado nesta quinta em Curitiba é fruto de uma parceria de um ano entre os três nomes da tecnologia, mas nasce de um trabalho de mais de uma década em pesquisas sobre automação, no caso da Lume, e eletrificação, quando se fala da Hitech. O resultado, de acordo com os envolvidos, é uma tecnologia embarcada apenas inicialmente no e.coTech 4, mas que também pode ser aplicada a outros veículos e, também, utilizações.
De acordo com Contim, as empresas já pensam sobre o assunto e vislumbram como aplicação mais próxima um sistema de transporte de cargas ou insumos dentro de plantas industriais. Além disso, o executivo cita as motos elétricas da própria fabricante como outro caminho possível para levar pessoas de um ponto a outro em um ambiente interno, além do uso em sistemas de vigilância, principalmente em ambientes nos quais a circulação de pessoas é restrita ou não autorizada. “Estamos lidando com uma tecnologia que muda bastante e, também, apresenta grande variedade de oportunidades”, completa.
Além disso, é claro, o grupo acompanha de perto os avanços no setor de autonomia de veículos no Brasil, que ainda está longe de ter legislações ou dispositivos específicos até mesmo para testes, mas caminha nesse sentido. Segundo ele, que também participou de painéis e rodas de discussão em Brasília (DF), há interesse tanto de deputados e empresas privadas quanto do Ministério Público e do INMETRO, com a participação de órgãos federais sendo essencial para o avanço do segmento.
“Minha expectativa é que as primeiras normas e autorizações para testes saiam ainda neste ano, mais tardar em 2021”, afirma. “São os primeiros passos para que a tecnologia comece a ser aplicada em larga escala.” Ele lembra que, globalmente, o mercado também está em seus estágios iniciais, o que nos leva de volta à ideia inicial da Hitech e da Lume, que é, justamente, aplicar a ideia em locais fechados e controlados, onde regras de segurança não precisam existir e a movimentação, claro, é bem menos complexa.
Mais do que isso, para Contim trata-se de uma maneira de introduzir a tecnologia no cotidiano das pessoas, para que elas possam entender como tudo funciona e, principalmente, deixarem de lado estranhezas relacionadas à ainda inusitada visão de um carro andando sem motorista ao volante. “A entrada da mobilidade autônoma no dia-a-dia das cidades é a melhor maneira de fazer o cenário se desenvolver gradualmente e o tornar parte da sociedade”, completa.