Somos um país atrasado. Não em tudo, mas somos. Não entrarei nos meandros da formação econômica do Brasil. Quem tiver a oportunidade que vá ler Celso Furtado. Mas já fomos taxados de terceiro mundo. Com o tempo, esse termo ficou ultrapassado, pejorativo e preconceituoso. Trocaram para emergente. Ou país de desenvolvimento. Soa melhor. Mas ainda assim, atrasado. 

Não é complexo de vira-lata não. É a conjuntura, diria o economista. Somos o eterno segundo piloto. Somos Gerard Berger, Riccardo Patrese, Rubinho Barrichello. Somos ótimos, temos potencial, pilotamos uma bela máquina. Mas nunca seremos campeões. 

Não somos ruins. Os outros são melhores. Melhores porque inventaram o capitalismo. Ou tiraram proveito antes. Nós tiramos uma casquinha. Um economista diria que carecemos de instituições sólidas. Não sei. É provável. Fato é que somos atrasados.

 O carro elétrico já é realidade no mundo. No primeiro mundo. E na China também. A China já é primeiro mundo, todos de acordo?

 Na Noruega, cinco em cada dez carros novos já são elétricos. Na China, frotas inteiras de ônibus e táxis são elétricos. Vários fabricantes de carros elétricos surgiram na última década. Grandes e pequenas. 

Algumas marcas já são conhecidas, como BYD e Chery. Outras são startups de ponta, como a NIO e a Byton. E uma série de pequenas empresas produzem carros para consumo local. Atendem às cidades mais próximas. 

Sem falar em conglomerados chineses que compram ou fazem joint ventures com marcas ocidentais. Dongfeng, BAIC e Geely são algumas delas.  

Na Europa, postos de recarga já compõem uma visão comum nas metrópoles. Todas as grandes montadoras de carros européias estão acelerando seus programas de veículos elétricos. Umas mais rápido, outras menos. Algumas perdidas sem saber para onde ir, outras se fundindo com concorrentes. Tudo isso porque o mercado mudou. O consumidor mudou. 

Tudo isso por causa da norte-americana Tesla.

Evidentemente, o leitor atento já conhece a Tesla. Já deve ter ouvido falar das encrencas do Elon Musk, CEO da empresa. Mas não falarei da pessoa. Falarei apenas dos feitos. 

Em 2012 a Tesla se colocou como grande. Não em volume de produção, mas grande na reputação. Seus carros estão em outro patamar. Não são apenas elétricos. São superiores no acabamento, no conceito e na tecnologia. Tudo o que o consumidor gosta. 

O primeiro lançamento da empresa, o carro chamado Model S, venceu quase todos os prêmios possíveis. Carro do Ano, Carro da Década e Carro dos Carros das Décadas. Nada mal. A fila para comprar um Model S chegava a dois anos de espera. Como dizem os americanos, a Tesla foi, e ainda é, um game changer.

Mudou tanto o jogo que agora todo mundo corre atrás. Os concorrentes correm atrás da tecnologia e do apelo comercial. Políticos correm atrás de uma fábrica da Tesla no seu quintal.

Foi na semana que passou que o Brasil conheceu a Tesla. Não o Brasil inteiro, claro. Uns ainda não se interessam pelo tema. Outros já a conheciam. Mas uma  parte do Brasil passou a conhecer. O canal oficial presidencial, o tuíter, anunciou a boa nova. 

O governo brasileiro irá aos Estados Unidos da América. Na agenda oficial, um cortejo à Tesla para persuadi-los a virem para cá. Mais especificamente, para o estado de Santa Catarina. 

Aparentemente, um engenheiro catarinense trabalha na Tesla e teve algum contato com políticos locais. Estes políticos locais têm conexões com Brasília. E pronto, está feito o anúncio. Tesla, Brasil, Santa Catarina, Mercosul.

Mas por que o súbito interesse? A Tesla é uma empresa que sofre ataques por espalhar a palavra da sustentabilidade. Nosso governo costuma torcer nariz para o sustentável. Não tenho certeza dos motivos que levaram o Planalto a destacar este tema agora. Mas tenho uma pista. 

Recentemente o presidente Trump teceu elogios a Elon Musk. Disse que ele é um dos nossos gênios e que deve ser protegido tal qual Thomas Edison e o inventor da roda (sic).

Os fatos nos mostram que o governo Bolsonaro tem um alinhamento automático com Trump. O elogio de Trump a Elon Musk pode ter sido a senha que faltava. Ajuda o fato de que o Ministro de Ciência e Tecnologia é um ex-astronauta que certamente conhece bem a SpaceX. 

Para completar a equação, as ações da Tesla dispararam na bolsa neste início de ano. Os bons resultados dos trimestres anteriores e a inauguração da fábrica na China explicam a euforia dos investidores. Assim as pontas foram se fechando e hoje o governo federal, além do governo catarinense, desejam a Tesla.

 Mas a pergunta que fica é: já combinaram com os russos? Digo, já combinaram com a Tesla?

 A Tesla de fato está aumentando sua capacidade instalada. E rápido. A fábrica na China ficou pronta em coisa de um ano. Mais três fábricas estão por vir. No Texas, no estado de Nova Iorque e na Alemanha. América do Norte, Europa e Ásia. 

É lógico que em algum momento, será a vez da América do Sul. Mas somos um país atrasado em um continente atrasado. A Tesla virá ano que vem ou dentro de cinco anos? Provavelmente não. Mas virá um dia. Esse é o ponto chave.

Tenho lido aqui e acolá que o Brasil carece de infra-estrutura. Balela. A questão da suposta ausência de eletropostos é irrelevante. Conheço uma dúzia de empresas, pequenas e grandes, loucas para faturar com a instalação e exploração de eletropostos. 

Ou seja, não depende de grana estatal, ainda que dependa de regulamentação de mercado. Até onde sei, não é qualquer um que pode sair vendendo energia elétrica. A Aneel e o legislativo tem que liberalizar isso daí.

Outro obstáculo, dizem, seria a nossa curta capacidade de geração e distribuição de energia elétrica. Outra balela. Engenheiros da usina de Itaipu Binacional garantem que energia não vai faltar. Eles estudam carros elétricos há uma década. Sabem do que estão falando. Ademais, a geração distribuída, puxada principalmente por painéis solares, vai dar conta do recado.

Sobra então, a questão do preço dos carros. Aqui sim, temos um problema. Os carros da Tesla são todos de luxo ou premium. O mais popular, o Model 3, sai da fábrica pelo preço de US$ 35 milna versão mais básica. Isso dá mais ou menos  R$ 160 mil. 

Para importar um carro desses, com todas as taxas e impostos, sai por mais de R$ 300 mil. Caro para burro. Com fabricação local, o preço final poderá ficar ao redor de R$ 180 mil. Isso assumindo que o alumínio, borracha, resinas e alguns componentes serão fabricados localmente.

Existe um mercado para carros de luxo no Brasil e no Mercosul. Mas não chega aos pés da América do Norte, Europa e Ásia. Então, por que a Tesla montaria uma fábrica no Brasil? A resposta é: não faz sentido nenhum. A Tesla nunca fez quaisquer menções ao mercado sul americano. Isso significa que é game over? Talvez não.

A Tesla não faz apenas carros. Sob sua marca, são vendidos outros produtos. A começar pelos painéis solares e as baterias de parede, que armazenam energia gerada durante o dia. A Tesla fabrica também grandes grupos de baterias que funcionam como um “no-break” gigante, com capacidade para atender uma metrópole inteira. Como o Brasil é um país ensolarado, pode fazer sentido fabricar aqui estes produtos, ao invés de carros.

Mas, o mais promissor dos produtos da Tesla para o Brasil ainda nem chegou às ruas. Estou falando do Tesla Semi, um caminhão com capacidade para 36 toneladas de carga, longa autonomia e custos operacionais baixíssimos, comparado a caminhões tradicionais.

Sendo o Brasil um país (atrasado) sem ferrovias, dependente do modal rodoviário, faz total sentido econômico a instalação de uma fábrica de caminhões Tesla no Brasil. Pode ser daqui cinco ou dez anos. Ninguém sabe. Neste meio tempo, outros estados além de Santa Catarina deverão entrar na disputa para receber o investimento. Só quem viver verá. 

* Carlos Martins é Diretor Executivo do E-24 Mobility Lab e idealizador da primeira corrida de carros elétricos do Brasil. Escreve para o Baguete sobre temas relacionados com indústria automobilística e mobilidade.  



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