Na entrevista TSF/JN desta semana, António Comprido diz que Portugal, mais de que os restantes países europeus, não tem um poder de compra capaz de fazer crescer o mercado de carros elétricos.
O secretário-geral da APETRO cita um estudo, que diz que o cenário europeu mostra isso mesmo, mas no caso português a situação é ainda mais porque os rendimentos são mais baixos, e os carros, mesmo com apoios do estado, exigem um grande investimento das famílias.
António Comprido critica a opção do governo de querer intervir nas margens de comercialização da gasolina e do gasóleo, por ser a “fatia mais pequena” na composição do preço final.
Nesta entrevista, o dirigente associativo confirma que já pediu para ser ouvido pelo governo, e garante que não foi informado, do estudo que estava a ser realizado pela Entidade Nacional do Setor Energético, nem da intenção do governo de mudar as regras.
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Sobre a fiscalidade, ainda acrescenta que a nova taxa europeia sobre emissões de carbono, vai ter um novo peso nos preços.
Estamos habituados a culpar a fiscalidade pelos preços elevados dos combustíveis, mas afinal o ganho médio na venda ao público subiu mais de 36% na gasolina, durante a pandemia, revelou a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE). É admissível este aumento das margens de comercialização num momento em que os salários encolheram quase 7%?
Tenho sérias dúvidas sobre esse valor dos 36%. Depende obviamente do que é que estamos a comparar, como, quando. Nós achamos que nestas questões devemos comparar períodos com alguma longevidade, de modo a não incorrermos em erros. As nossas próprias análises não mostram que, em termos médios, tenha havido um crescimento nessa ordem de grandeza, nem pouco mais ou menos.
Mas aqui estamos a falar ao longo de um ano. Dá essa série longa a que se refere.
Mas mesmo que a gente fale nessa ordem de grandeza, depois é preciso transformar isso em valores absolutos. E, efetivamente, nós temos as margens com valores pequenos. É o fator que menos pesa na constituição do preço dos combustíveis. Em termos absolutos, estamos sempre a falar em muito poucos cêntimos. Em relação aos salários, tem toda a razão, mas não compete ao setor privado ter esse tipo de preocupação. As empresas têm de garantir a sua rentabilidade. Às vezes as pessoas esquecem-se que as empresas têm que pagar salários, os seus impostos, têm que fazer os seus investimentos, de modo a garantir a manutenção dos seus postos de trabalho e do seu serviço. É perfeitamente normal que as empresas tenham que gerar um lucro, desde que o façam de uma maneira ética e responsável.
Sabia que estava em curso a análise?
Não. O nosso Conselho Consultivo é apenas para a área das reservas petrolíferas. Para ser totalmente correto, tive informação de que o estudo estava a ser feito no final da semana passada. Parece natural. Têm os dados que podem ser utilizados e estudados como bem quiserem. Agora, é preciso ver o contexto. Porque uma coisa é falarem de aumentos ou de margens numa situação do funcionamento normal do mercado, outra coisa é numa situação excecional do mercado. Em 2020 houve quebras do consumo na ordem dos 50% e este setor, ao contrário de muitos outros, manteve intacta a sua oferta, quer em nível de qualidade, quer ao nível de quantidade. Não houve lay-offs!
Referiu que houve quebras de consumo na ordem dos 50%. Há agora uma tentativa de recuperar as receitas perdidas por via das margens de comercialização?
A estratégia de pricing é cada companhia que a estabelece. Eu só posso falar naquilo que vejo, em termos de valores e estatísticas médias. Mas é preciso não esquecer que estamos sempre a falar de uma margem bruta, onde estão incluídos todos os custos, desde levar o produto da saída do armazém ao até depósito do carro do consumidor final. Isso implica o transporte do combustível, a existência de postos, o pagamento de rendas, o pagamento de impostos, enfim, isso não desapareceu. Toda a parte de custos fixos manteve-se. O que é que aconteceu? Isto é a minha interpretação, estes custos que são fixos tiveram que se repercutir sobre uma base muito menor de vendas e, portanto, pesaram mais e isso será eventualmente uma explicação para que eventualmente tenha havido um crescimento das margens brutas, que não do lucro das empresas, que são coisas completamente diferentes.
Conhecia a intenção que foi anunciada de fixar um limite máximo aos preços? Considera que será uma boa solução para evitar eventuais abusos?
Primeira parte da pergunta, não. Não conhecíamos, não tivemos qualquer conhecimento prévio. Nem sequer nos foi perguntado se tínhamos alguma explicação a dar relativamente àquilo que o Governo aparentemente achava de anormal no funcionamento do mercado. Somos um setor transparente, em que nunca fomos acusados de qualquer má prática em termos de funcionamento do mercado e fixação de preços. Temos a credibilidade necessária para que nos tivessem pedido explicações. Segundo, se acho que faz sentido? Eu acho que não faz sentido rigorosamente nenhum. Primeiro, temos muita dificuldade em perceber como é que se mistura uma situação de mercado livre e concorrencial com uma intervenção administrativa nas margens, para além de que não sei como vai ser concretamente a metodologia para fazer essa fixação. Estes ziguezagues dos decisores políticos relativamente à maneira como funciona o mercado são das razões mais apontadas por todos os analistas de que prejudicam o ambiente económico e o investimento.
Não foram as próprias empresas que condicionaram esse mercado livre, por exemplo quando fazemos uma autoestrada e vemos o preço sempre igual em qualquer das marcas em qualquer das áreas de serviço?
No mercado dos combustíveis, como qualquer mercado típico do retalho, a concorrência afeta localmente. E podemos considerar que troços de uma autoestrada são um mercado local. A iniciativa de colocar painéis nas autoestradas a indicar os preços leva a um mimetismo dos preços. A própria Autoridade da Concorrência o escreveu várias vezes. Um posto de autoestrada tem custos de funcionamento altíssimos, a começar pelas rendas e pelas obrigações de ter toda uma série de serviços adicionais à disposição dos clientes. Portanto, é natural que os preços nas autoestradas sejam mais altos. Em todos os países do mundo os preços nas autoestradas são, em princípio, mais elevados que fora.
Compreende as reações críticas que tem havido por parte dos portugueses e as recentes manifestações em relação aos preços dos combustíveis?
Com certeza que compreendo. Ninguém gosta de ver os preços a aumentar, sejam eles do pão, do leite, dos alimentos, das rendas de casa, dos combustíveis, ou de qualquer outro bem ou serviço que é essencial e que tem um impacto significativo no parco orçamento médio das famílias portuguesas e que também tem um impacto significativo no funcionamento da economia e das empresas. Julgo que a questão incomodou o Governo. E por ter incomodado o Governo, talvez esta reação do senhor ministro João Pedro Matos Fernandes com esta proposta. Talvez para refocar outra vez a discussão nas margens, em vez de focar na questão principal: se olharmos para a composição do preço de um litro de combustível, efetivamente o grande bolo são impostos. A segunda fatia maior, importante e sobre a qual não temos controlo, são as cotações dos produtos nos mercados internacionais. Depois temos outras obrigatoriedades, nomeadamente incorporação de biocombustíveis que encarecem o produto. E depois sobra a tal margem, que representa qualquer coisa como 15% do valor total.
A fatura das várias energias somadas – luz, gás e combustíveis – representa cerca de 6,3% dos orçamentos das famílias. Considera que é uma razão social para o Governo mexer na sua parte, na fiscalidade?
As questões sociais são uma questão política. E a Apetro, como imagina, não se imiscui nas discussões das opções políticas do Governo. Portanto, compete ao Governo, aí sim, ver onde é que deve atuar e criar os mecanismos suficientes para ajudar as famílias eventualmente mais carenciadas. Isso não é um problema que nos afete, nós respeitamos a lei, só pedimos é que haja previsibilidade e estabilidade no sistema regulatório e no sistema fiscal. E que as empresas possam planear os seus negócios, os seus investimentos com segurança. Agora, qual é a política que se segue, se é uma política fiscal mais agressiva sobre uma área A, B ou C, é uma matéria da exclusiva responsabilidade do Governo e sobre a qual não vamos manifestar opiniões.
Mesmo que uma mexida em termos fiscais possa ter também um custo ambiental, uma vez que a fiscalidade aqui pode ter também um sentido que é desincentivar o uso dos combustíveis fósseis?
Sim, esse é um argumento bastante usado e cai bem. Não é essa a principal motivação. Agora, também compreendo que é muito difícil, no quadro atual da política ambiental e do desincentivo à utilização de combustíveis fósseis, que haja um alívio da carga fiscal. Mas quando penalizamos os consumidores de uma determinada maneira para os desincentivar, temos a obrigação de lhes oferecer alternativas viáveis. Que alternativas é que as pessoas hoje têm? Têm as alternativas de usar carros elétricos, sim senhor. Num estudo recente que eu vi, a maioria das famílias europeias, as portuguesas ainda pior, não têm orçamento para adquirir um carro elétrico, mesmo com as ajudas do Estado. Se me dissessem que temos uns transportes públicos que funcionam perfeitamente, que temos alternativas de aquisição de veículos particulares a preços acessíveis, até percebo que se desincentive. Agora, desincentivar ou onerar a utilização de um bem essencial que é a mobilidade individual sem oferecer simultaneamente uma alternativa, francamente – e estou a falar como cidadão – não me parece que seja uma medida socialmente justa. Até porque temos um paradoxo neste momento: nós todos contribuintes, ricos ou pobres, estamos a subsidiar a compra de veículos elétricos que são feitos essencialmente para o extrato da população com maior poder de compra.
Tem ou admite vir a ter um carro elétrico?
Acho que essa é uma falsa questão. Até porque a nossa indústria já se comprometeu e já mostrou que está disposta a cumprir a meta da descarbonização total dos transportes até 2050. O que achamos é que não compete ao poder político definir como é que se lá chega. Deve definir qual é a meta porque há outras soluções. E nós temos vias através dos biocombustíveis avançados, através dos combustíveis de origem não biológica renováveis, através dos combustíveis sintéticos, temos soluções que permitem, em termos de análise de ciclo de vida completo, termos veículos a circular com emissões zero. E isso tem sido descartado, tem sido feita uma aposta, principalmente na Europa, demasiado de vistas curtas. Quando chegar o momento próprio, e se essa for a solução correta, não tenho problema nenhum em usar um carro elétrico. Aliás, quando vou jogar golfe, levo um carrinho para me levar o saco que é elétrico. Não levo um trólei movido a um motor de combustão interna.
O caminho que está a ser seguido, e agora mais com a agenda verde desta comissão, ameaça a sobrevivência das empresas petrolíferas?
Cria problemas. Mas eu acho que a nossa indústria é suficientemente forte, resiliente, já passou por muitas dificuldades e tem conseguido adaptar-se às novas necessidades. As empresas petrolíferas estão-se a transformar – umas a um ritmo mais rápido, outras a um ritmo mais lento – em verdadeiras empresas integradas de energia e não exclusivamente em empresas petrolíferas. Quase todos os dias vejo anúncios de investimentos de empresas petrolíferas em parques eólicos, em parques eólicos offshores, em parques fotovoltaicos, na produção de hidrogénio verde, na produção de biocombustíveis avançados… as empresas já estão nesse caminho há muitos anos. Não foi preciso os políticos virem dizer “vocês têm de fazer isto”. Os objetivos são importantes e, mais do que importantes, são necessários para a preservação do planeta.
Sendo o mercado nacional relativamente pequeno, com essa transição acredita que em breve poderemos não produzir, mas importar os refinados?
Não conheço qualquer intenção do nosso refinador nacional, a Galp, de deixar de ter a sua refinaria. O que tenho visto nos anúncios é que está num caminho de descarbonização das suas próprias operações e de transformação do seu aparelho refinador, no sentido de o transformar num ambiente industrial que seja responsável por cada vez menos emissões. Agora, há uma coisa que não tem a ver com Portugal: a Europa, se não tiver cuidado e se não tomar medidas que são necessárias, corre o risco de estar a prejudicar gravemente a nossa indústria com imposições que não consegue impor aos industriais fora do bloco económico europeu. Corremos o risco de nos transformarmos num continente em que importamos tudo e não produzimos nada. E isso, a longo prazo, para além de problemas graves em termos económicos e sociais, pode ser insustentável.
Uma intervenção forte do Estado, dinamizando boas redes de transportes públicos, poderia aliviar a procura do transporte individual?
O sistema de transportes em Portugal é muito pouco eficiente. Privilegiamos os modos menos eficientes de transporte e Portugal, em quase todas as estatísticas, está relativamente mal nesse aspeto. Temos uma taxa de utilização do transporte individual acima das grandes urbes e metrópoles europeias. Uma boa rede de transportes públicos, uma boa infraestrutura ferroviária, arranjar condições para que o transporte, quer das pessoas, quer das mercadorias, se faça consumindo menos energia por cada quilómetro percorrido com certeza que ajuda a resolver não só o problema da bolsa das pessoas, mas também o problema das emissões e da falta de eficácia que o nosso sistema de transportes hoje tem.
Ouvimos o ministro das Finanças reiterar, há poucos dias, o otimismo do Governo num crescimento do PIB que possa estar acima dos 4% já este ano, apesar das incertezas no setor do turismo. Acredita nesse cenário?
Bem, eu não sou economista, não sou analista financeiro, não sou especialista e, portanto, estou um bocadinho a falar como cidadão observador e não como especialista. Acho que Portugal também tem um problema na sua estrutura económica. Dependemos muito do turismo e é por essa razão que fomos fortemente penalizados com a crise pandémica. Temos um tecido industrial frágil, temos uma agricultura, um setor primário, também relativamente frágil, não queremos ter minas de nada, não queremos explorar gás, não queremos explorar petróleo, não queremos explorar lítio, não queremos explorar nada porque é tudo muito mau. Façam isso no quintal do vizinho, não no meu. Portanto, temos, efetivamente, um aparelho económico que dependeu muito do setor terciário, particularmente do turismo, e aí fomos fortissimamente afetados, mais do que muitos outros países, e estamos a pagar isso.