Frases prontas como “a eletrificação é um caminho sem volta” são ouvidas a todo momento quando o assunto é o futuro da indústria automotiva.
Um estudo da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) mostra que, até 2035, 62% da frota brasileira poderá ser de carros elétricos. Mas como isso será possível se, a 14 anos dessa data, temos pouquíssima infraestrutura, veículos elétricos caríssimos e, para piorar, uma crise energética instaurada no País? Vamos aos fatos.
1- Brasil carece de políticas de incentivo a carro elétrico
Apesar da informação acima ter sido muito divulgada, os dados da Anfavea são claros ao dizerem que o Brasil chegaria a esse número se vivesse um cenário de convergência com as legislações e estratégias globais para a eletrificação.
Nesse caso, para suprir as demandas da nova frota eletrificada, seria necessário instalar 150 mil carregadores e investir R$ 14 bilhões no setor nos próximos 14 anos. Para se ter um parâmetro, a frota do nosso país em 2035 seria igual à da Europa em 2030. Ou seja: estaríamos apenas cinco anos atrás do Velho Continente, que tem leis muito mais rígidas quando o assunto é emissão de poluentes.
Em um cenário de inércia, sem grandes investimentos e compromissos em torno da eletrificação no Brasil, a porcentagem de veículos elétricos em 2035 pode ser de apenas 32%; ainda assim, atendendo a segmentos específicos e clientes corporativos que precisam atingir requisitos de emissões. A penetração seria bem baixa entre os clientes finais pessoa física.
2- Carro elétrico não faz cócegas no consumo energético brasileiro
Depois de jogar um balde de água fria, vamos a uma notícia boa: mesmo com 62% da frota eletrificada, o abastecimento desses veículos não seria exatamente um problema a mais para o setor de produção de energia resolver. Isso porque, segundo dados da Anfavea, em 2035 o consumo dessa frota gigantesca seria de apenas 1,5% de toda energia consumida no Brasil em 2019.
Segundo Rodrigo Aguiar, sócio-fundador da Elev, start-up de eficiência energética, isso representa apenas 10% do que é desperdiçado anualmente.
“Ao menos 15% de toda a energia elétrica consumida no Ppaís é desperdiçada, seja em equipamentos obsoletos, seja em processos produtivos equivocados. Isso representa, a cada ano, dez vezes mais do que os veículos elétricos vão consumir. O PNEf (Plano Nacional de Eficiência Energética) continua andando devagar, o que faz o Brasil andar na contramão do resto do mundo”, alerta.
Outro ponto positivo é que nos próximos 14 anos a tendência é de crescimento da produção de energia de fontes renováveis, como solar e eólica.
3- Brasil precisa virar polo produtor e não exportar só commodities
Em um cenário em que as montadoras de veículos não param de comunicar datas para uma verdadeira “virada de chave” na motorização dos veículos, tornando-os 100% elétricos em alguns anos, o Brasil precisa começar a se mexer para não ficar para trás.
Se não houver legislação forte e incentivos para a produção e a compra de carros elétricos, é possível que as fabricantes simplesmente decidam que não é interessante produzir carros aqui e até mesmo vendê-los, se não for um negócio lucrativo. Tudo isso tem efeito cascata: por exemplo, o que será da nossa indústria de autopeças?!
Para Rodrigo Aguiar, há uma oportunidade que não pode deixar de ser aproveitada:
“Com as grandes reservas que temos de lítio, manganês, níquel e grafite, precisamos realizar acordos com os grandes centros mundiais de pesquisa e desenvolvimento para acompanhar a evolução tecnológica das baterias para veículos elétricos. Precisamos exportar produto industrializado, com maior valor agregado, e não commodities”.
Isso sim seria uma sacada de mestre para um país que ainda não se posicionou na indústria de transformação.
4- Combate às emissões impulsiona eletrificação no mundo
Para a Anfavea, mesmo em um cenário de total inércia do poder público brasileiro, a eletrificação será impulsionada em algum grau, já que é um compromisso global.
Isso acontece porque ao passo que a regulação internacional sobre emissões está cada vez mais restrita, crescem os incentivos governamentais para a venda dos elétricos. Com esse crescimento de vendas e ganhos de escala, o custo das baterias está caindo mais rápido do que o previsto.
Na outra ponta, as montadoras globais não param de anunciar novos produtos eletrificados, com a promessa de 400 novos modelos até 2025. Também entra a pressão do setor privado: clientes, investidores, parceiros e sociedade exercem pressão para a descarbonização a fim de atender às exigências para alcançar um mundo de carbono zero até 2050.
5- Carro elétrico é caro para comprar e barato para manter
Apesar de um investimento superior a R$ 200 mil, manter um carro elétrico chega a ser dez vezes mais barato do que manter um modelo a combustão, segundo a conta que UCorp fez.
Para começar, um carro a combustão chega a ter 2.400 peças; já um carro elétrico tem cerca de 250. Para fazer a manutenção periódica de seis meses a diferença de custo é grande. Em um carro elétrico, gasta-se em média R$ 250 e no carro a combustão esse valor chega a R$ 800.
Na hora de encher o tanque de veículo a combustão, temos que desembolsar em média R$ 286,50 (considerando o preço médio da gasolina na cidade de São Paulo de R$ 5,65, entre os dias 22/8 e 28/8). Já uma carga completa em um veículo elétrico custa R$ 15,30 (considerando R$ 0,58 por kWh no estado de São Paulo). Quando falamos de preservação do meio ambiente, o carro a combustão chega a produzir três toneladas de CO? a cada 20 mil km rodados, enquanto em um carro elétrico esse valor chega a 70 kg.