Recente matéria Os segredos ‘sujos’ dos veículos elétricos limpos, de Tilak Doshi, publicada na Forbes em agosto, destacou a importância de colocar uma lente de aumento sobre a adoção de carros elétricos como alternativa para substituir os movidos a diesel fóssil como solução verde e limpa.
Lembrei-me do artigo durante a minha participação, em 1º de setembro, no VI Simpósio de Eficiência Energética, Emissões e Biocombustíveis, promovido pela Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), por meio virtual.
O objetivo do evento foi viabilizar um fórum de discussões através de palestras e debates sobre os caminhos que precisamos percorrer para a implantação das tecnologias globais com impacto positivo em nossa matriz energética com participação cada vez maior de biocombustíveis.
O tema dos veículos elétricos ganhou grande força durante a pandemia e é super valorizado pelas empresas do setor. Passou a ser lugar comum na mídia internacional fazer coro a grupos políticos e de “especialistas”, que indicam que as energias renováveis como eólica, solar e veículos elétricos seriam o principal caminho na direção da meta de carbono zero até 2050.
Um olhar mais atento nas baterias recarregáveis de íons de lítio, componentes mais importantes do veículo elétrico, vai constatar que elas dependem de forma crítica dos minerais cobalto, grafite, lítio e manganês.
Ao verificar toda a cadeia de produção, chama a atenção um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU) que alerta que as matérias-primas usadas nas baterias de carros elétricos estão altamente concentradas em um pequeno número de países onde as regulamentações ambientais e trabalhistas são fracas ou inexistentes.
Compromisso com a certificação de toda a cadeia
Gostaria de destacar um paralelo com o processo de produção dos biocombustíveis. Nos países produtores, são vários os mecanismos adotados para avaliar, habilitar, certificar e fiscalizar cada elo da cadeia produtiva, da produção de matéria-prima até a distribuição, levando em conta aspectos ambientais, sociais e de legislação trabalhista.
No caso dos carros elétricos, é preciso questionar onde está a certificação da origem das matérias-primas minerais utilizadas para a confecção das baterias, dos seus meios de extração, seus critérios de sustentabilidade e as condições de relação trabalhista, assim como já é feito para os biocombustíveis.
Precisamos estabelecer os padrões comuns de compromisso com emissão zero em toda a cadeia e com a responsabilidade social.
Vamos estimular uma reflexão sobre bicombustíveis
Falar neste simpósio da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva no Brasil sobre o futuro do biocombustível para a eficiência e sustentabilidade do modelo energético foi uma honra para mim.
Precisamos estimular cada vez mais um canal direto com especialistas e representantes de órgãos governamentais, fabricantes de veículos automotores, autopeças, produtores de aditivos, fornecedores de equipamentos do setor automotivo, fabricantes de ciclomotores, empresas produtoras de combustíveis e distribuidoras, acadêmicos e estudantes.
Com o tema “Mobilidade Sustentável: Oportunidades para a Engenharia Brasileira”, apresentei um breve cenário com os biocombustíveis de primeira geração (biodiesel) e os de segunda geração (HVO, SPK e Green Naphatha).
São eles que vão compor uma solução sustentável para o nosso futuro de mobilidade, reduzindo as emissões de CO2 em todas as formas de transporte.
Na oportunidade, compartilhei a minha visão sobre os biocombustíveis avançados com o objetivo de despertar a reflexão desse público tão seleto sobre a importância desta solução para atender os desafios ambientais de hoje e do futuro, com uma nova matriz energética, e com cada vez mais biocombustíveis.
Carros elétricos são a solução?
Constatei que esta visão de oportunidade e de futuro para o desenvolvimento de uma matriz energética limpa é semelhante a manifestada recentemente por Bill Gates em seu artigo Como nos movemos em um mundo de carbono zero?.
Na oportunidade, ele refletiu sobre a necessidade de nos movermos sem emitir gases de efeito estufa e, entre vários pontos tratados, discutiu o papel dos biocombustíveis avançados e a possibilidade deles serem utilizados em motores existentes sem a necessidade de qualquer modificação.
“O problema é que as baterias são grandes e pesadas. Quanto mais peso você está tentando mover, mais baterias você precisa para alimentar o veículo. Mas quanto mais baterias você usa, mais peso você adiciona – e mais energia você precisa. Mesmo com grandes avanços na tecnologia de bateria, os veículos elétricos provavelmente nunca serão uma solução prática para coisas como veículos de 18 rodas, navios de carga e jatos de passageiros. A eletricidade funciona quando você precisa cobrir distâncias curtas, mas precisamos de uma solução diferente para veículos pesados de longo curso”, analisa Gates.
Já o ambientalista Bjørn Lomborg explica que “os carros elétricos são rotulados como ecologicamente corretos, mas gerar a eletricidade necessária quase sempre envolve a queima de combustíveis fósseis. Além disso, a produção de baterias intensivas em energia para esses carros gera invariavelmente emissões significativas de CO2”.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), um carro elétrico, com um alcance de 400 quilômetros, tem um enorme déficit de carbono quando chega na estrada e só começará a economizar emissões depois de percorrer 60.000 quilômetros.
Lomborg destaca que o que faria diferença seria exigir um grande aumento nos gastos em pesquisa e desenvolvimento de energia verde, para que essas fontes de energia acabem se tornando baratas o suficiente para superar os combustíveis fósseis. Essa é a maneira real de ajudar a combater as mudanças climáticas.
No ensaio Eletrificando o Reino Unido e a necessidade de engenharia (em tradução livre) para The Global Warming Policy Foundation (confira o arquivo da publicação em inglês), Michael Kelly, professor de tecnologia da Universidade de Cambridge, indica que se substituirmos toda a frota de veículos do Reino Unido com veículos elétricos precisaríamos dos seguintes recursos:
- 207.900 toneladas de cobalto – quase o dobro da produção global anual;
- 264.600 toneladas de carbonato de lítio – três quartos da produção mundial;
- pelo menos 7.200 toneladas de neodímio e disprósio – quase toda a produção mundial de neodímio;
- 2.362.500 toneladas de cobre – mais da metade da produção mundial em 2018.
E isso é apenas para o Reino Unido. Segundo Kelly, “estima-se que a capacidade de fabricação de baterias teria que aumentar mais do que 500 vezes, se quisermos que o mundo inteiro seja transportado por veículos elétricos. Os grandes aumentos no fornecimento dos materiais descritos acima iriam muito além das reservas conhecidas”.
Kelly ressalta que “vale a pena considerar o impacto ambiental desses materiais”. Alguns deles são decididamente tóxicos quando extraído, manuseado e processado. Também vale a pena considerar o que vai acontecer com as baterias e os sistemas de energia renovável que as alimentam, no final de suas vidas úteis.
Segundo o professor emérito de Tecnologia da Universidade de Cambridge, “não temos a capacidade de fornecer a infraestrutura necessária para entregar carros elétricos e aquecimento elétrico em escala exigido até 2050”.
No ensaio, ele indica que a fase de mineração e o processamento de matérias-primas necessárias para a produção da bateria representa cerca de metade da emissão vitalícia de dióxido de carbono de um carro elétrico. O período de fabricação de um carro movido a gasolina é responsável por 17% das emissões de dióxido de carbono na vida útil do carro.
Quando um novo veículo elétrico está pronto para ser comercializado, ele já emitiu 13,6 toneladas de dióxido de carbono. No caso do carro convencional, essa emissão é de 6,3 toneladas.
Ao olhar este estudo, me pergunto onde estão os sistemas de fiscalização, controles e habilitações de toda a cadeia de produção de baterias e carros elétricos que, em comparação ao processo já adotado para produção de biocombustíveis, poderiam certificar toda a cadeia e evidenciar os impactos ambientais e sociais de cada recurso.
Porque os biocombustíveis avançados são a verdadeira solução
Durante a minha participação no VI Simpósio de Eficiência Energética, Emissões e Biocombustíveis, promovido pela Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), ressaltei que o biocombustível avançado é uma fonte de energia renovável, biodegradável e sustentável.
É avançado porque pode ser produzido com métodos limpos (com menos emissões de CO2) a partir de resíduos de gordura animal, óleos de cozinha usados e óleos vegetais. É uma solução de sustentabilidade verdadeira para um planeta que deve reduzir suas emissões de CO2 em todas as formas de transporte.
Por ser de “entrega imediata”, que vai “direto para o tanque”, tem um baixo custo de transição. Não requer investimentos no motor, além de utilizar a rede de abastecimento disponível.
Veículos híbridos
Também defendo a solução do veículo híbrido (ler Veículos híbridos que usam biocombustíveis são a melhor solução para o transporte de passageiros), que tem tração elétrica e é alimentado por duas fontes de energia – banco de baterias e grupo motor-gerador a diesel ou a biocombustível – que podem operar de modo conjunto ou independente.
A produção de biocombustíveis precisa avançar contando com indústrias com tecnologia de ponta, design moderno, mais sustentáveis, capazes de produzir biocombustíveis mais limpos e avançados – importante tomarmos como exemplo dessa estratégia o projeto Omega Green (leia mais aqui), nosso investimento no Paraguai que segue em ritmo intenso.
No Brasil, esse caminho passa obrigatoriamente pela definição do marco regulatório para os biocombustíveis avançados. E é fundamental a ampliação desse debate em fóruns tão qualificados como este recente promovido pela Associação Brasileira de Engenharia Automotiva.
Erasmo Carlos Battistella é CEO do Grupo ECB e Presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO). Este artigo foi elaborado para seu blog Biocombustível Avançado em duas partes e está reproduzido na íntegra aqui na agência epbr.