Juan Oscar Aubert, 69 anos, anfitrião do hotel Correntoso, fundado em 1917 na região de Los Lagos, na província de Neuquén, na Patagônia argentina, conta que nos anos 1940, quando as primeiras famílias começaram a visitar o local, não havia posto para abastecer o automóvel.
Os turistas chegavam pela sinuosa Rota 40, a rodovia de 5.194 km que atravessa a região turística de Los Lagos e mais dez províncias argentinas.
Demorou algum tempo até que a primeira bomba de combustível da região fosse instalada na antiga Casa de Pedra, atração de Villa La Angostura, cidade a 80 quilômetros de Bariloche e a mais próxima do hotel.
Em 2022, os hóspedes do Correntoso (cujas diárias começam em R$ 2.200) já podem se dar ao luxo de abastecer os seus carros híbridos e elétricos no pátio do hotel, que tem vista privilegiada para o lago Nahuel Huapi e para as montanhas nevadas da Cordilheira dos Andes.
O carregador foi instalado pela montadora sueca Volvo Cars, que acaba de lançar um novo motor para carros híbridos (que funcionam a energia e a gasolina), como parte do seu plano de avançar na eletrificação da frota. A meta é chegar a 2025 vendendo no mundo só carros híbridos e elétricos e, a partir de 2030, apenas carros elétricos.
Com o motor T8, os modelos híbridos da marca ganharam maior autonomia: rodam 70 km só com a carga elétrica, contra os 40 quilômetros que faziam antes.
“O consumidor brasileiro ainda não se sente seguro para partir para um carro totalmente elétrico, porque não pode usá-lo para fazer viagens”, disse à Folha João Oliveira, diretor-geral da Volvo no Brasil. “Decidimos melhorar o motor do carro híbrido, para aumentar a autonomia do motorista na cidade e familiarizá-lo com o modelo elétrico, que é o futuro do automóvel.”
Consumo de energia é semelhante ao de um secador de cabelos
Segundo Oliveira, quem investe em um modelo híbrido jamais pensa em voltar para a combustão, principalmente pela economia. Ele dá o próprio exemplo.
“Tenho uma vaga de garagem fixa no condomínio onde moro. Quando peguei o meu primeiro carro híbrido, o síndico tinha dúvidas se a estrutura elétrica do prédio iria suportar. Expliquei que a potência era semelhante a de um secador de cabelos, com consumo de energia de 3,5 quilowatts por hora”, diz o executivo de 40 anos, formado em engenharia mecânica.
Oliveira pagou R$ 3.000 para puxar a ligação do quadro de energia até a sua vaga, onde foi instalado um tarifador. “O prédio mede todo mês quanto eu consumo e vem uma cobrança à parte no boleto do condomínio. Eu gasto entre R$ 80 e R$ 100 por mês”, diz ele, que roda cerca de 50 quilômetros por dia, no trajeto entre casa e o trabalho. “É menos de um quarto do que eu gastaria com combustível.”
A economia é tentadora para a imensa maioria dos motoristas no Brasil, que precisam desembolsar ao menos R$ 7 por um único litro de gasolina, considerando o preço médio no país. Mas os preços de carros híbridos e elétricos ainda são proibitivos para a classe média no país: os veículos custam a partir de R$ 150 mil. Os modelos da Volvo começam em R$ 300 mil.
“À medida que conseguirmos reduzir os custos e aumentar a nossa economia de escala, teremos carros mais baratos”, diz Oliveira. “Começamos com um elétrico de R$ 400 mil e hoje temos uma versão de R$ 300 mil, que oferece 420 quilômetros de autonomia”, diz ele. Os carros elétricos têm autonomia bem maior que a dos híbridos.
“Carro a gasolina será mais caro que o elétrico em três anos”
Segundo o executivo, dentro de três anos, produzir um carro elétrico será mais barato que um carro a combustão.
“Globalmente, a partir de 2025, o carro a gasolina será mais caro do que um similar elétrico, por conta da escala de custos da bateria de lítio, que responde por 40% do custo do carro”, afirma.
De acordo com o executivo, a Volvo trabalha em um novo modelo de carro elétrico, que deve ficar mais próximo dos R$ 200 mil. “Vamos contribuir para massificar a eletrificação no país”, diz.
O grande problema da Volvo e de todas as montadoras na América Latina –especialmente no Brasil, o maior mercado da região, inclusive geograficamente– é a falta de infraestrutura para abastecer os veículos com energia.
Os pontos de recarga ainda são poucos e esparsos, sem comparação com os mais de 41 mil postos de combustíveis espalhados pelo país.
Nas estradas, a Volvo está investindo R$ 13 milhões em um projeto para instalar 13 carregadores de 150 quilowatts até setembro. “Inauguramos o primeiro em Cajati (SP), no corredor São Paulo-Curitiba, em um posto de combustível”, diz. “É a primeira fase da instalação de carregadores em infraestrutura rodoviária, tem um custo alto, de R$ 1 milhão por ponto. Vamos avaliar os resultados para definir a segunda etapa.”
Para escolher o local de instalação, a montadora seleciona postos de maior fluxo e verifica junto à concessionária de energia se o local tem capacidade para oferecer esta infraestrutura elétrica, ou se é preciso solicitar um aumento de demanda.
A Volvo entra com o equipamento e, o posto, com o custo da energia. “Temos um acordo com os postos para que eles não cobrem o carregamento dos clientes por pelo menos dois anos”, diz Oliveira. “Para eles, interessa ter um consumidor por 40 minutos dentro da loja, esperando carregar a bateria do carro.”
Mil pontos de recarga versus 41 mil postos de gasolina
O executivo acredita, no entanto, que é questão de tempo para que o carregamento de veículos elétricos e híbridos se torne um negócio no Brasil. “Redes de carregadores no exterior criaram um programa de assinatura: o consumidor paga US$ 100 por mês para ter um cartão que lhe permite abastecer em qualquer ponto do país”, diz ele. “Existem grupos no Brasil já estudando modelos parecidos.”
A Volvo instalou no Brasil 1.000 pontos de recarga em cidades de todas as regiões, em shoppings e supermercados. Entre 2017 e 2018, quando começou a venda de veículos híbridos e elétricos, a montadora instalava até carregadores na casa dos clientes, para incentivar a compra.
“Fazíamos a inspeção técnica na garagem do consumidor e a ligação elétrica. O custo já estava dentro do preço do carro”, diz. “Percebemos que o consumidor tinha vontade de ter o produto, mas via barreiras. Nosso trabalho tem sido mapeá-las e encontrar maneiras de removê-las.”
No mercado de automóveis de luxo, a Volvo Cars compete com marcas como Audi, BMW e Mercedes. A empresa trabalha com quatro modelos SUVs no país: XC40 (R$ 400 mil), XC60 (R$ 390 mil), XC90 (R$ 510mil) e o C40 (R$ 400 mil)– os três primeiros híbridos e o último elétrico.
Em 2021, a venda da marca no país somou 8.300 veículos, uma alta de 8% sobre o ano anterior. “Este ano, serão 6.500 unidades porque não tem carro para entregar. A fila de espera vai até novembro”, diz Oliveira, referindo-se à escassez de semicondutores no setor automotivo.
O mercado de veículos híbridos e elétricos no Brasil somou 65.644 unidades no ano passado, segundo o analista Marcelo Monteiro, da Lafis Consultoria. “É um número ainda pequeno, perto da frota nacional de 40 milhões de veículos, mas cresceu 21 vezes em relação a 2015, quando somava 3.119 unidades”, afirma.
Na opinião de Monteiro, o país precisa eletrificar a frota, para não correr o risco de se tornar uma ex-URSS, com carros sucateados. “Todas as grandes montadoras investem em híbridos e elétricos para atender as metas de redução de emissão de CO² definidas em protocolos globais e cobradas pelos governos locais. É um caminho sem volta”, diz.
Alta taxa de juros motivou venda direta da montadora ao consumidor
Segundo Oliveira, 60% dos compradores de carros híbridos ou elétricos no país são da Volvo. “Só em elétricos, temos 30% de participação”, afirma. O principal concorrente em carros elétricos é a JAC Motors, que oferece modelos a partir de R$ 150 mil.
O Brasil, porém, representa muito pouco, 1,2% das vendas globais da Volvo Cars, uma multinacional sueca controlada desde 2008 pelo grupo chinês Geely, depois de passar pelas mãos da Ford.
“Mas o Brasil funciona como um polo de inovação, onde é possível testar novos modelos de negócio”, diz. Um exemplo é a relação com as concessionárias.
Em 2021, a montadora completou a mudança do seu modelo de vendas: a compra é conduzida online, enquanto a concessionária oferece o test-drive ao cliente e conclui a venda, recebendo por isso uma comissão.
“No Brasil, 100% dos nossos carros já são faturados para o cliente final”, diz o executivo. “A concessionária faz a intermediação dessa venda, mas não tem o estoque.”
A altíssima taxa de juros brasileira motivou a mudança. “O concessionário comprava a linha de crédito com o banco, corrigida pela Selic e mais um spread bancário”, diz Oliveira. “Se ele ficasse com o carro três meses em loja, o juro pago ao banco iria engolir a sua margem de lucro e ele tinha prejuízo”, diz.
Com isso, segundo o executivo, a maior preocupação do concessionário era se livrar de um carro parado no estoque. A Volvo Cars é atendida por cerca de 30 concessionárias, espalhadas em todas as regiões do país.
“É a dificuldade macroeconômica brasileira, que forçou a Volvo a pensar fora da caixa”, diz.
Raio-X
- Volvo Cars
- Fundação: 1927
- Sede: Gotemburgo (Suécia)
- Funcionários: 21.900
- Receita*: US$ 28,6 bilhões
- Número de unidade vendidas*: 699 mil
- Principais mercados: Suécia, China, Estados Unidos e Alemanha
*2021
Repórter viajou a convite da Volvo