“Este é o primeiro híbrido de luxo do mundo”, é-nos dito durante uma visita guiada à fábrica da Bentley na localidade de Crewe, noroeste de Inglaterra. “E se estão a pensar nos Range Rovers, estão a pensar mal”, acrescenta o nosso anfitrião, como que adivinhando a dúvida que se instalara perante tão perentória afirmação a propósito do novíssimo Bentayga Hybrid que, com uma potência máxima combinada de 449 cv e um binário de 700 Nm, que lhe permitem alcançar 100 km/h em 5,5 segundos e 254 km/h de velocidade máxima, é a versão eletrificada do SUV da Bentley – disponível a partir de 185 mil euros.
Não se enganou por muito, o cicerone da fábrica – montada em Crewe durante a II Grande Guerra, em 1938, para produzir motores para os aviões de caça Spitfire – mas não era em Range Rovers que eu pensava, mas antes em Porsches ou Jaguares e nos mais potentes modelos da Mercedes e BMW, tudo marcas que já colocaram nas estradas carros eletrificados ou elétricos, mas que não cabem na designação de luxo da Bentley, que prefere a companhia da Rolls-Royce, Lamborghini e Ferrari.
Afinal, luxo é um conceito subjetivo, que tanto pode apanhar objetos que sejam inacessíveis pelo seu preço como pela sua escassez. No caso dos Bentley, é uma mistura de ambas, mais esta: a atenção ao detalhe, que vem do toque manual e artesanal com que os interiores são construídos e dos materiais utilizados, e às opções de personalização que fazem com que não haja dois Bentleys iguais. Embora nos interiores, como nos painéis do tabliê, possam entrar alumínio, fibra de carbono e até mesmo rocha processada, a matéria-prima mais valorizada é a madeira – um clássico. É por isso que uma área significativa da fábrica é ocupada pela secção de carpintaria, que trabalha madeiras provenientes da Califórnia (EUA), Austrália, Espanha, Japão e China.
Da madeira tratada e cortada a laser em finas fatias que formarão as peças envernizadas do tabliê surgem depois padrões e figuras abstratas. Só que umas são menos abstratas que outras – como a que fez uma funcionária gritar quando reconheceu uma cabeça com olhos, boca, nariz e chifres. O cliente para quem aquele Bentley iria foi à fábrica ver a peça pelos seus próprios olhos e consta que terá esfregado as mãos de contentamento, a pensar numa eventual valorização do carro. Só que a mulher, notando que a placa iria para o lado do passageiro, ficando por cima do airbag, não achou piada à ideia de ver a figura saltar na sua direção em caso de acidente. Isto aconteceu em 2002. Hoje, é pendurada com ares de troféu na entrada da ala de carpintaria que encontramos a “diabólica” madeira. Em Crewe trabalham mais de 4 mil operários, que produzem em média 10 mil carros por ano. Para efeitos de escala, saiba que em 2019 a BMW enviou mais de 13 mil carros só para Portugal e, por outro lado, que a produção anual da Ferrari ronda os 8 mil carros.
Mas regressemos ao Bentayga, que está habituado a pioneirismos: foi o primeiro SUV da Bentley, o primeiro carro de sete lugares, e é o primeiro híbrido deste fabricante inglês que faz parte do Grupo Volkswagen. O test drive por estradas britânicas, pela região Noroeste de Inglaterra, fez-se por caminhos estreitos, à chuva e com algum nevoeiro, mas muito confortavelmente sentado, com as costas a serem massajadas pela cadeira (só as da frente) e (quase) sempre pelo lado certo – embora rotundas e cruzamentos exigissem concentração máxima. Mas isto diz mais sobre o condutor do que sobre a viatura, que surpreendeu pelo seu andamento silencioso, para mais atendendo ao motor a gasolina V6 com 3 mil cc de cilindrada e 340 cv de potência, a que se juntam os 126 cv do motor elétrico para um potência combinada de 449 cv (não é uma soma aritmética). Além disso, o sistema híbrido deste Bentayga Hybrid mostrou-se bem integrado. No modo normal, tenta ao máximo possível usar o motor elétrico, mas isso só funciona realmente quando se circula a baixa velocidade, por exemplo em voltas ao bairro, à procura de lugar para estacionar.
A recarregar, a bateria demora duas horas e meia num carregador de 240 volts e cerca de sete num de 120 volts. A transição entre motores é impercetível, mas o Bentayga Hybrid só é silencioso se quisermos, porque um pé mais pesado fará, sem grandes esforços, soar os 340 cavalos do V6. O Bentayga Hybrid assinala, assim, o início do processo de eletrificação da Bentley, que até 2025 terá um novo elétrico e versões híbridas de todos os outros modelos. É caso para dizer que começou com o pé direito.