Um dos inconvenientes de ser eleito presidente dos Estados Unidos é não poder mais dirigir. É uma norma de segurança do serviço secreto americano, que vale mesmo após o fim do mandato. A quem já ocupou o Salão Oval da Casa Branca, resta sentar-se no banco traseiro de alguma medonha limusine blindada e deixar que agentes federais treinados em manobras de evasão assumam o volante. Ordens são ordens.
Lyndon Johnson (1963-1969) foi o último dos governantes do país a guiar em logradouros públicos. Desde então, os presidentes dos Estados Unidos puderam, no máximo, matar as saudades da direção dentro de propriedades particulares.
Tal norma é especialmente frustrante para os presidentes que curtem automóveis, caso do recém-eleito Joe Biden. Filho de um gerente de concessionárias, ele ama conversíveis desde a juventude, quando teve um Plymouth 52 vermelho.
Seu grande xodó, desde zero-quilômetro, é um Corvette C2, 1967, verde metálico. Foi um presente dado pelo pai, quando Biden se casou pela primeira vez (com Neilia Hunter, que morreria seis anos depois, em um acidente de trânsito, enquanto dirigia uma Chevrolet station wagon).
‘Uma bala!’
Anos atrás, os filhos de Biden bancaram a restauração do Corvette, equipado com um V8 small-block 327 (5,4 litros), com 305cv de potência e 49,8kgmf de torque. Se isso ainda é um monte de força em 2020, imagine o que representava 53 anos atrás. Fugindo ao padrão americano das caixas automáticas, o conversível de Biden tem câmbio manual de quatro marchas. A ausência de qualquer tipo de ajuda eletrônica é um convite para fritar pneus.
— Existe uma razão para não ser presidente: é não poder dirigir — lamentou Biden diante de uma plateia de sindicalistas.
Segundo ele, seu Corvette de segunda geração é “uma bala”:
— Acelera de 0 a 60 milhas por hora (0-96km/h) em 3,4 segundos! Não que eu goste de velocidade… — brinca Biden, que confessa já ter chegado a 240km/h no carro “quando era jovem”.
Fato é que, nos oito anos em que foi vice-presidente, durante os dois mandatos de Barack Obama (2009-2017), Biden só pôde dirigir seu Corvette uma vez, ao lado do apresentador de TV e autoentusiasta Jay Leno. Foi em um circuito fechado, devidamente monitorado pelo serviço secreto. Aproveitou para andar forte e cantar pneus.
Somente seis meses depois de deixar o cargo de vice-presidente é que ele foi autorizado a guiar novamente no trânsito normal.
Agora, Biden já está em negociações para poder dirigir na pista de testes do serviço secreto depois que for empossado na Presidência, em 20 de janeiro.
Apesar do amor por seu clássico devorador de gasolina, Biden demonstra um grande entusiasmo pelos carros elétricos. Em agosto passado, durante a campanha presidencial, chegou a dar com a língua nos dentes ao revelar que a GM está desenvolvendo o projeto de um Corvette elétrico capaz de alcançar os 320km/h.
63 milhões de carros elétricos
O governo Donald Trump jogou para escanteio as metas de redução de emissões estabelecidas no governo Obama e tentou cortar os créditos fiscais de US$ 7.500 dados na compra de carros elétricos. Em seus discursos, Trump zombava da autonomia dos modelos “a bateria” e punha em dúvida sua viabilidade. Preferiu focar sua política no protecionismo para a volta das fábricas de autopeças e veículos ao solo americano.
Biden, por sua vez, sustenta que o futuro da indústria automobilística nos Estados Unidos depende, necessariamente, da transição energética. Segundo ele, o país precisa assumir o protagonismo na produção de carros elétricos — hoje liderada pela China, que faz as melhores baterias e tem a maior frota mundial desse tipo de veículo. E mais: o país asiático instala mil pontos de recarga por dia.
Para estimular a indústria americana, Biden já anunciou que fará um programa de renovação da frota com base na troca de carros velhos (com até 25 anos de uso) por modelos elétricos 0km made in USA.
Disse também que a frota de veículos do governo dará vez aos modelos elétricos — uma força e tanto para que fabricantes novos ou tradicionais invistam nessa tecnologia.
Com estes e outros incentivos fiscais, a equipe do presidente eleito estima que 63 milhões de carros com motor a combustão serão substituídos por elétricos nos EUA nos próximos dez anos.
Haverá mais verbas do governo para pesquisas, bem como estímulos para a implantação de postos de recarga (dos atuais 87 mil para 500 mil, em dez anos).
De acordo com o presidente eleito, essa transição dos veículos a gasolina para os elétricos tem o potencial de gerar um milhão de empregos na indústria americana.
Na mesma direção está a volta dos EUA ao Acordo de Paris e a promessa de uma radical descarbonização do país, com a substituição do carvão e do petróleo como fontes de energia.
Fonte: O Globo