Na manhã desta sexta-feira (21 de fevereiro), o presidente Jair Bolsonaro confirmou que tem planos de negociar a instalação de uma fábrica da Tesla no Brasil.
A conversa com os representantes da montadora de veículos elétricos ocorreria durante viagem aos Estados Unidos, marcada para março. “Em nossa extensa agenda a possibilidade da Tesla no Brasil”, escreveu Bolsonaro em mensagem no Twitter.
Na última quinta-feira, 20 de fevereiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro também divulgou uma mensagem pela rede social relatando uma reunião com Marcos Pontes, ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e o embaixador americano no Brasil, William Popp. O tema da conversa também seria a tentativa de trazer uma unidade fabril da Tesla para o país.
Em meio às preocupações do governo federal diante da dificuldade em retomar o crescimento econômico, a chegada de uma fábrica capaz de gerar empregos e aumentar a oferta produtiva do país parece uma boa notícia.
Nesta semana, o noticiário político divulgou a informação que Bolsonaro pressionou Paulo Guedes, ministro da Economia, a entregar um aumento mínimo de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2020.
O problema é que apenas boas intenções não bastam para concretizar um projeto de peso, como é o caso da instalação de uma linha de montagem automotiva.
De acordo com o engenheiro de produção Roberto Marx, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP), a mensagem divulgada nesta sexta-feira pelo governo não conta com uma análise consistente da realidade brasileira.
“Quando uma montadora decide abrir uma grande fábrica, ela tem em mente uma grande escala de produção, algo em torno de 60 a 100 mil carros por ano“, explica o professor, que é especialista em organização industrial e coordenador do Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade (Mobilab).
“E fazer uma fábrica no Brasil para veículos que estão na faixa de R$ 300, R$ 400 mil, não faz sentido. A não ser que seja uma microfábrica ou uma unidade que não realiza produção nenhuma, apenas a montagem final — o que não é exatamente uma fábrica.”
Atualmente, quem deseja comprar um veículo produzido pela Tesla no Brasil precisa contatar uma importadora especializada, já que a empresa não possui nenhuma concessionária local.
O sedã Model 3 2020, por exemplo, é vendido por uma faixa de preço de R$ 340 mil. Isso porque o Model 3 é o carro mais em conta atualmente.
“O mercado local será muito pequeno para um produto com esse preço”, afirma o professor Roberto Marx. “Quando uma fábrica decide vir, ela tem uma série de benefícios, como a isenção de alguns impostos, mas mesmo assim seria difícil justificar a instalação de uma fábrica para atender esse mercado reduzido.”
Atualmente, a companhia fundada pelo sul-africano Elon Musk conta com três unidades produtivas gigantescas nos Estados Unidos. A principal está localizada em Fremont, na Califórnia, empregando cerca de 10 mil trabalhadores para a fabricação dos automóveis Model S, Model X e Model 3.
Além da produção dos automóveis, a Tesla conta com outras duas fábricas em território americano para o desenvolvimento de baterias de íons de lítio e de painéis solares.
Em outubro de 2019, foi inaugurada a primeira fábrica da Tesla fora do território americano.
A unidade está localizada na cidade chinesa de Xangai, que realiza a produção do sedã Model 3 e tem planos de fabricar 500 mil automóveis anualmente em um prazo de até três anos.
No início de fevereiro, a produção ficou paralisada por uma semana por conta da epidemia do coronavírus, mas os trabalhadores já retornaram à linha de montagem com as notícias positivas em relação ao combate da doença.
De acordo com a Tesla, a próxima fábrica que será erguida internacionalmente será na cidade de Berlim, na Alemanha, para a produção do crossover Model Y. O objetivo é concluir as obras até 2021.
Diante do alto investimento para a instalação da fábrica em Xangai (em dezembro de 2019, a Tesla fechou um empréstimo de US$ 1,4 bilhão com bancos chineses para os custos relacionados à operação da unidade) e os planos para a chegada de uma linha de montagem na Europa, o Brasil não parece o melhor local no momento para um novo aporte de investimentos.
Além do mercado interno ainda pouco desenvolvido para os elétricos, a possibilidade de exportação para países vizinhos (como ocorre com os automóveis tradicionais, que tem a Argentina como principal destino) também é considerada tímida.
Uma possibilidade factível seria a negociação para a construção de uma fábrica para baterias elétricas ou painéis solares. Mas o governo brasileiro não sinalizou tal possibilidade e a Tesla tampouco expressou suas intenções de ampliar sua rede de desenvolvimento de componentes.
Mas se atual conjuntura não parece favorecer a chegada de uma montadora elétrica no Brasil, sobram potencialidades futuras para o mercado nacional.
Afinal, mais de 90% da matriz energética do país é considerada limpa (enquanto a média global utiliza 59% de fontes como carvão e petróleo, esse índice é de apenas 6,5% no país), o que faz dos veículos movidos a eletricidade uma possibilidade realmente sustentável de reduzir drasticamente as emissões de gases poluentes.
Para que um futuro elétrico seja possível, será necessário superar questões estruturais e técnicas. Em um país com quase 2 milhões de quilômetros de estrada cobrindo 8,5 mil quilômetros quadrados de área, uma rede adequada de carregamento pelas rodovias é essencial.
O que também passa pela necessidade dos veículos aumentarem a capacidade de autonomia de suas baterias, fazendo com que viagens mais longas sejam possíveis.