Enquanto os pilotos do mundo todo estão em quarentena, o campeão da Formula E, Lucas di Grassi, segue sua rotina como esportista de elite. Mas não apenas isso – tem se engajado no combate ao coronavírus para arrecadar ao menos R$ 150 mil e doar em equipamentos necessários (como máscaras e álcool em gel) para instituições desprovidas de recursos.
A campanha de crowdfunding (financiamento coletivo) teve início na última sexta-feira.”Estou fazendo a minha parte e em que cada ideia que tenho sempre vou arrumando parceiros para ir levantando fundos para algo desse tipo”, afirma Di Grassi. Por enquanto, o projeto já arrecadou mais de R$ 70 mil.
O engajamento não é novidade para Lucas – ele é embaixador de uma empresa brasileira pioneira na tecnologia de uso de nióbio nos carros, a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), que pode ajudar na solução de mobilidade nas grandes cidades e reduzir a emissão de poluentes, plataforma amplamente defendida também na Formula E.
E foi na apresentação do novo safety car da categoria, na Cidade do México, onde o piloto conversou com exclusividade com EXAME. Em tempos de Fórmula E e F1 adiadas, nada melhor do que imaginar um cenário no qual as duas principais categorias mundiais pudessem evoluir utilizando o que cada uma tem de melhor. E quando o assunto é falar das duas categorias, poucos pilotos estão mais preparados do que Lucas di Grassi.
Com passagem nas duas categorias, o piloto da equipe Audi costuma dizer que é o funcionário número 1 da Fórmula E – afinal, foi de fato um dos primeiros a embarcar no projeto. Hoje, além de campeão da categoria que usa carros 100% elétricos, ele é um dos defensores da tecnologia que pode ser testada nas pistas do mundo em busca de um mundo mais sustentável.
O que você acha que a F1 deveria aprender com a Fórmula E e vice-versa?
Essa é uma pergunta boa e difícil. Acho que a Fórmula 1, por ela ter um modelo de sucesso nos últimos anos, falta inovação para gerar mais fãs jovens. E isso é o que a Fórmula E está fazendo. Trazendo um ambiente menos hostil, mais aberto, mais para família, enfim. Eu acho que isso é muito importante para gerar público mais jovem. Eu acho que o que a F-E tem que aprender com a F1 é ainda todo o aspecto de produzir um evento, fazer demonstrações em cidade, fazer toda a parte de entretenimento da F1, que ainda é muito bem feita. Criar ícones, a Fórmula 1 é muito boa em criar ícones. Então pega o Verstappen, Hamilton, cria ícones dentro da categoria. A Fórmula E está tentando fazer isso, mas ainda precisa melhorar bastante, gerar essa admiração. O que a Fórmula E precisa fazer é gerar um carro que você chegue perto do carro – a Geração 2 já é muito mais, você lembra da Geração 1 – e fale: “que carro agressivo, bonito, legal”. Que gere uma empatia muito maior, que é o que a Fórmula 1 sempre teve. O barulho, que seja, que é uma coisa normal.
Se você pudesse montar uma categoria com o melhor das duas, o que seria?
Definitivamente o show e a herança da Fórmula 1, exatamente o que eu falei. Mas eu acho que a F1, em algum momento, vai ter que definir se ela é uma categoria de entretenimento ou uma categoria de desenvolvimento técnico. A Fórmula E se posicionou como desenvolvimento técnico, as montadoras estão aqui para desenvolver carro elétrico porque carro elétrico vai acontecer o que a gente acabou de falar sobre a parte de ficar mais barato onde as montadoras estão indo. O market cap da Tesla é maior da GM e da Ford combinados e vendem 1% dos carros, nem isso. Então, por isso que as montadoras estão aqui. E a Fórmula 1 vai ter se decidir. Ela é entretenimento, tudo bem, daí isso não interessa. A Nascar, por exemplo, é entretenimento, usava carburador até alguns anos atrás.
Mas todo mundo anda junto…
Exato, é entretenimento, é o show. O carro é barato, tem batida, enfim. A Fórmula 1 quer ser entretenimento? Aí não precisa de montadora, vai ter Red Bull, Monster, entre outras coisas. Ou vai querer ter ‘smart materials’ de nióbio, uma montadora faz um carro de nióbio, outra faz um carro de carbono e vê qual carro vai melhor. Não precisa ser a montadora, é um material concorrendo com outro material. São outros tipos de tecnologia, o carro tem que ser feito em impressora 3D, por exemplo. Pode ser tecnológico, mas não voltado à indústria de carro comercial. Ou não, ‘somos desenvolvidos comerciais’, daí precisa ser elétrico, não tem jeito.
Por isso que elas são complementares? Você acha que elas podem coexistir com esses dois caminhos?
R: Sem dúvida. Eu acho que dá para as duas coexistirem. O problema que a F1 tem é que a transição tecnológica ainda não é adequada. O carro elétrico já é o que as montadoras querem desenvolver, só que não existe tecnologia ainda elétrica para você substituir o nível de performance que você tem na Fórmula 1 com carro elétrico, pela distância que eles percorrem. O Volkswagen ID, Pikes Peak, uma volta em Nürburgring ainda dá para fazer, mas uma corrida de uma hora – no caso da F1 uma corrida de duas horas – não dá. Por isso que não dá, precisa ainda ser híbrido. Então é esse jogo que a Fórmula 1 vai ter que ser muito esperta, vai ter que ter uma direção muito clara do que eles vão fazer nos próximos anos e eu não vejo isso. Eu vejo esse carro, por exemplo, de 2021 e parece o carro de 2002.
Você acha que a geração do seu filho já pode pensar em fazer carreira para chegar na Fórmula E?
Acho que o primeiro caso bem interessante é do Nyck de Vries, que ganhou a Fórmula 2 e veio para a F-E. Porque ele ia ficar na F1 e ia receber um salário menor do que aqui. Talvez ele até queira ir daqui para a F1 depois. Se ele ganhar o campeonato aqui e receber um salário maior, pode ir para lá. De repente, ele ganha um salário maior da F1 para vir para cá, ele vem para cá.