A Internet foi bombardeada nos últimos dias com recomendações de livros, séries, filmes e receitas de bolo para esses tempos de isolamento social. Mas o confinamento pode ser uma boa oportunidade para também conhecer melhor seu carro. E não há literatura mais indicada do que o próprio manual do proprietário.
Tomemos o do novo Toyota Corolla como exemplo. Nas primeiras páginas do livreto, desenhos da cabine mostram onde fica o interruptor do controle de estabilidade. Pode parecer um didatismo exagerado, mas a indicação por si só já traz uma informação, a de que seu carro tem o recurso.
E, mais importante, indo até a página 148 há uma explicação sobre do que se trata o que na marca japonesa chama-se VSC: “ajuda o motorista a controlar a derrapagem ao desviar repentinamente de um obstáculo ou nas curvas em superfícies escorregadias”.
Não são minoria os motoristas que desconhecem quais recursos de segurança o carro que dirigem possui, tampouco para o que servem e como utilizá-los. Parece roteiro de stand-up comedy, mas certa vez recomendei a um amigo escolher uma versão de determinado modelo que tivesse ABS.
Mas, o que tive como resposta foi: “não faço questão do ABS, não uso”. Devolvi dizendo que não caberia a ele, o motorista, optar ou não pelo uso do sistema de antitravamento dos freios. De certa forma, é ele, o ABS, que toma as próprias decisões.
Muitos pais não sabem se o veículo que transporta seus filhos conta com Isofix, quiçá onde fica e como funciona. Pois na página 45 consta uma explicação bem objetiva: “é uma forma de fixação desenvolvida após o cinto de segurança, na qual o dispositivo é preso a uma estrutura fixa na parte inferior o banco. Diminuiu o grau de liberdade e confere mais segurança ao dispositivo. Um diferencial dessa fixação é a facilidade de instalação e desinstalação”.
E para quem não sabe qual tipo de cadeira usar, a página anterior explica que o bebê conforto é para crianças com até 13 kg, que as cadeirinhas servem dos 9 até os 18 kg e que os assentos de elevação suportam os pequenos de 15 a 36 kg.
Não sabe quantos airbags seu carro tem? O manual conta e mostra onde estão todos – inclusive de onde sai o do joelho, por exemplo, que vem de série em todo Corolla novo.
Ainda nesse tema, o manual é tão explicativo que se dedica a esclarecer o que acontece se os airbags deflagrarem (o fornecimento de combustível é cortado, as luzes internas e o pisca-alerta se ascendem e as portas são destravadas, entre outras coisas) e em quais tipos de colisão eles vão ou não detonar.
O manual não fala apenas sobre segurança. Ainda com o do Corolla em mãos, descobrimos exatamente onde está a bateria da versão híbrida, que é sob o banco traseiro. Em sua base, do lado direito, há um difusor de entrada de ar. Que se não fosse pelo manual do proprietário você dificilmente saberia que ele serve para resfriar a bateria.
Não é complicado compreender o que diz o painel de um carro híbrido, por princípio diferente do painel dos modelos somente a combustão. Mas é uma lida atenta no manual que revela a existência de uma luz de advertência própria dos eletrificados, indicando superaquecimento do sistema híbrido.
Outra coisa que não é de conhecimento de muitos é que as chaves do tipo “smart key” também carregam uma chave mecânica, para casos de emergência. Se tivessem lido o manual…
Modelos mais modernos são equipados com uma parafernália tecnológica frequentemente inédita para novo clientes. Pode ser que alguém tenha evoluído de um Opala 1987 para um modelo zero-quilômetro de luxo, então como entender a função dos alertas de mudança de faixa e de colisão iminente e do controle de cruzeiro adaptativo? Como saber manuseá-los ou desligá-los? Prazer, manual do proprietário.
Sem falar nas centrais multimídias, cada vez mais sofisticadas. É provável que a maioria tenha o costume de apenas memorizar as rádios e ativar o bluetooth para conectar o celular. Mas só aquele livrinho esquecido debaixo da flanelinha e do estojo do óculos dentro do porta-luvas pode desvendar os 312 sub menus e configurações disponíveis. Ou explicar como acessar sua agenda pelos controles do volante, que sozinho você não conseguiu.
Lá no final aparecem as dimensões do veículo. Talvez não faça diferença, no dia a dia, saber quanto mede seu carro. Mas, se a garagem da sua próxima casa tiver 4,5 metros de comprimento, não saber que um Corolla mede 4,63 metros certamente vai dar dor de cabeça. E também não custa nada saber quantos litros de combustível comporta o tanque – o que influi inexoravelmente na autonomia – ou quanto de bagagem dá para carregar no porta-malas.
Claro que há obviedades de existência duvidosa. Como a figura de um painel indicando que a legenda “B” corresponde ao velocímetro, uma vez que é pouco provável que algum motorista não saiba o que é ou onde fica o velocímetro.
Ou o capítulo “Dirigir o veículo”, cujo subtítulo “Dirigir” diz para liberar “gradualmente o pedal de freio” e pressionar “levemente o pedal do acelerador para acelerar o veículo”. Ele é seguido pelo subtítulo “Parar o veículo”, que se resume a duas frases: “com a alavanca de mudança de marcha na posição “D”, pressione o pedal de freio” e “se necessário, aplique o freio de estacionamento”. Há algo errado com alguém que depende do manual para pôr o carro em movimento.
Faz parte do compromisso do manual do proprietário em dissecar o veículo. E se tiver que passar pelo óbvio na missão de mostrar que o óbvio quase nunca é tão óbvio assim, tudo bem.
No mais, quando você descobriria que “katashiki” é um código interno da Toyota para decifrar o modelo do carro?
Manual também é cultura.