O presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), entidade que representa as usinas do centro-sul do Brasil, Evandro Gussi, que assumiu o cargo no início deste ano, acredita que o caminho para a eletrificação dos automóveis será a partir de um combustível como o etanol, por causa de sua contribuição para a redução das emissões de gás carbônico.
Ex-deputado federal (PV-SP), Evandro foi o autor do projeto de lei que institui o RenovaBio, programa de incentivo aos biocombustíveis no Brasil, que está em fase final de regulamentação.
“As usinas estão correndo atrás de certificação.” Em entrevista à Globo Rural, Evandro fala também sobre as discussões relacionadas à questão dos subsídios ao açúcar proibidos pela OMC, à guerra comercial entre Estados Unidos e China e ao futuro do etanol.
Globo Rural Como o senhor vê o futuro do etanol no contexto de eletrificação dos veículos?
Gussi O melhor caminho para a eletrificação, que vai acontecer, será a partir de um combustível como o etanol. O caminho para a eletrificação sugerido na Europa e sobretudo na China não é o melhor. Por quê? Quando eu falo de eletrificação, estou basicamente buscando redução de emissões. Vou eletrificar o veículo. De onde virá a eletricidade? Se vem de uma usina a carvão a alguns quilômetros, não estou fazendo um processo efetivo de descarbonização. Tenho de analisar todo o ciclo de vida do combustível. Hoje, sob a perspectiva do ciclo de vida, um veículo a etanol tem menos emissões que o mais eficiente carro elétrico que circula no mundo.
GR E o que a Unica espera da agenda para a bioeletricidade gerada pelas usinas?
Gussi A Unica não propõe subsídios nem renúncias fiscais. Entendemos apenas que devem ser captadas na sua integralidade as externalidades positivas da eletricidade gerada pelas usinas. Primeiro, é uma fonte limpa. Segundo, é renovável. Terceiro que, embora sazonal – não se produz, em geral, na entressafra–, ela não tem um caráter intermitente. Quando começa a gerar, ela gera sem parar. Respeitados esses processos e a identificação e a precificação dessas externalidades, a gente pode precificar de uma maneira justa e adequada a bioeletricidade gerada pelas usinas.
GR O senhor assume a Unica em um momento de mudança política. Qual é o papel da entidade e do setor?
Gussi A Unica já é uma referência em termos de dados técnicos e de números sobre o setor sucroenergético brasileiro. O novo governo significa um recomeço das relações que sempre precisam ser construídas a partir da técnica e de bons projetos. E a Unica é muito importante porque apresenta soluções para os problemas de alimentação, mobilidade e eletricidade no Brasil. E essa agenda liberal, da eficiência econômica, nos atrai. A Unica é otimista. Temos grande esperança de que isso vai acontecer, sentimos que o Brasil caminha para isso e, de verdade, nos somamos a esse processo.
GR O que o senhor entende que deve continuar e o que deve mudar na atuação da entidade?
Gussi A Unica, como todo setor produtivo brasileiro, precisa se posicionar frente às questões macroeconômicas. Entidades como um todo devem ser parceiras não do governo do dia, mas dos projetos que levam à retomada do crescimento no Brasil. A reforma da Previdência, ou Nova Previdência, como se tem dito, é fundamental para o setor produtivo.
GR Qual a expectativa da Unica para a safra 2019/2020?
Gussi Vem um pouco mais de açúcar, mas ainda deve ser uma safra mais alcooleira, sobretudo pelos danos à competitividade realizados pela China e pela Índia. Ainda temos preços bastante reprimidos para o açúcar e uma remuneração melhor no etanol. Então o mix deve pender: calcula-se algo em torno de 65% a 35% para o etanol. Agora, o mais importante é que essa safra vai ser a primeira com o RenovaBio, que está em vias finais de regulamentação. Temos muitas usinas atrás de certificação, outras tantas já estão fazendo os estudos necessários para isso.
GR O que o RenovaBio agregará para o setor?
Gussi É a primeira vez que teremos uma avaliação completa do ciclo de vida, desde o preparo do solo até seu processo agrícola, industrial e de distribuição. Ter esses dados tratados é o primeiro caminho para o diagnóstico e a busca pela eficiência. Como ele vai privilegiar a eficiência energética, se eu consigo fazer etanol com uma pegada de carbono mais baixa e custo menor, vou ser privilegiado, minha nota de eficiência energética é alta. Tem todo um redesenho de modelos. Não vai ser só da usinas, também quer atingir os produtores de cana independentes.
GR O senhor mencionou China e Índia. Como estão as discussões sobre o açúcar na OMC? Espera-se uma solução já na safra 2019/2020?
Gussi Sem dúvida. Esperamos que os painéis sejam resolvidos. O governo brasileiro identificou que a salvaguarda chinesa ofende as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Não temos dúvida disso. Entendemos que deva ser levado até as últimas consequências, abrindo espaço para o diálogo, caso as condutas tenham uma outra perspectiva. Em relação à China, estamos pedindo uma cota imediata de 3 milhões de toneladas, para que possamos ter a recomposição das exportações, e a não renovação das salvaguardas.
GR E a Índia?
Gussi Eles têm subsídios que também são proibidos pela Organização Mundial do Comércio. A fase de consultas à parte questionada já foi encerrada em abril. A questão deve ser encaminhada para abertura de painel em conjunto com a Austrália e a Guatemala.
GR E de que forma isso pode influenciar o mercado de açúcar?
Gussi No primeiro momento, talvez não tenha reflexos imediatos, salvo se esses países tiverem uma mudança nas suas condutas. Uma esperança que temos é que eles percebam os danos que isso causará à imagem deles. A China é um dos maiores players, se não for o maior player do mundo. A Índia é um player cada vez mais relevante. Certamente querem se manter dentro de processos e de um drive mais concorrencial no mundo.
GR Mas ao mesmo tempo que a Unica questionou a salvaguarda chinesa, defendeu a taxação do etanol de milho norte-americano.
Gussi A diferença é gritante. Primeiro que estamos falando da tarifa comum do Mercosul, de 20%. E há um consenso no direito internacional de que as tarifas podem chegar a 35% sem gerar ofensa nenhuma à concorrência. Mas a Unica capitaneou um movimento no setor buscando zerar essa tarifa sem cota nenhuma, porque esperávamos que os norte-americanos cumprissem aquilo que colocavam como horizonte, o aumento do blend (mistura) de 10% para 15% sobre a gasolina; e também para que pudéssemos avançar sobre mercados asiáticos e europeus. Mas não aumentaram seu blend, sofreram uma tarifa anti-dumping para o etanol: a tarifa chinesa para o etanol americano era de 5%, passou para 30% e agora, sob os auspícios da trade war, 60%. Isso gerou nos Estados Unidos um excedente estrutural de quase 5 bilhões de litros. Nada da parte dos americanos aconteceu. A gente gostaria de avançar na pauta de livre-comercio. Nós damos uma cota isenta de 600 milhões de litros para os americanos. Isso significa seis vezes a cota que os americanos oferecem de açúcar. Só 17% do mercado de açúcar é aberto. Vamos fazer livre mercado. Só se for livre mercado de verdade.
GR Que efeito a guerra comercial EUA versus China pode ter no mercado?
Gussi Em nosso caso, parece que o efeito mais importante é justamente esse excedente estrutural de etanol dos Estados Unidos. A perda do mercado chinês para eles. Porque, no fundo, a queda da importação chinesa no açúcar não se deveu à guerra comercial, mas à salvaguarda do produto deles. Então, para o setor sucroenergético, os efeitos não foram tão graves assim.
GR O que esperar do mercado de etanol nesta safra?
Gussi Com a garantia dos preços livres da gasolina, regulados pelo petróleo e pelo câmbio, o etanol tem uma competitividade natural sobretudo em ciclos de petróleo mais altos como o que estamos observando agora. A gente prevê que vai continuar a ter uma demanda mais aquecida por etanol. E, a partir desse ano, a venda de etanol pelas distribuidoras já passou a vigorar para as metas do RenovaBio no ano que vem.
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