O criativo cinema pernambucano se impôs e levou o prêmio principal no Festival de Gramado com a ficção científica e distópica Carro Rei, de Renata Pinheiro. Emocionada, a cineasta agradeceu ao festival e também protestou contra a política governamental “que tenta nos destruir, acabar com uma indústria como o audiovisual, que gera milhares de empregos”. Ergueu um cartaz com as palavras SOS Cinemateca, alusivas ao abandono da Cinemateca Brasileira, que sofreu um incêndio recente. O longa recebeu mais três troféus: trilha sonora (DJ Dolores), direção de arte (Karen Araújo) e desenho de som (Guile Martins), além de um prêmio especial para o ator Matheus Nachtergaele.

Com esta premiação, destacou-se a criatividade de uma história de corte fantástico, em que automóveis falam e podem até amar. Mas também se aglutinam em torno de um líder carismático que pode se tornar um déspota. O trabalho de Matheus Nachtergaele como o mecânico Zé Macaco é simplesmente genial.

Jesus Kid (PR) rendeu os prêmios de melhor direção e roteiro, ambos de Aly Muritiba, e ator coadjuvante (Leandro Daniel Colombo). Baseado no livro de Lourenço Mutarelli, conta a história de um escritor (Paulo Miklos) que precisa se isolar num hotel para escrever o roteiro de um filme. O enredo incorpora elementos da atualidade brasileira, com um presidente autoritário, a volta da censura e do militarismo. Dialoga com o cinema dos irmãos Coen e Quentin Tarantino. Como comédia de humor negro tem lá seus altos e baixos.

O drama familiar Novelo (SP) levou os prêmios de júri popular, ator (Nando Cunha) e menções honrosas ao coletivo de atores juvenis e à atriz Isabel Zuaa. Conta a história de cinco irmãos que se reúnem num hospital em que o suposto pai deles está internado.

O delicado A Primeira Morte de Joana (RS), história de iniciação amorosa de uma adolescente, levou os troféus de fotografia (Bruno Polidoro) e montagem (Tula Anagnostopoulos). Um filme que sabe encenar as paixões e conflitos em um ambiente em aparência plácido.

O mais “comercial” dos concorrentes, o thriller A Suspeita, deu o troféu de melhor atriz a Glória Pires. Ela interpreta uma policial que investiga um crime enquanto luta com a perda de memória pelo Mal de Alzheimer. Tem qualidades, mas poderia ter aprofundado mais a sua proposta.

Homem Onça ganhou apenas o troféu de melhor atriz coadjuvante (Bianca Byington) e foi o grande injustiçado do festival. Conta a história de um funcionário de estatal (Chico Diaz) cuja vida entra em parafuso com a privatização da empresa. Embora ambientado no final dos anos 1990, fala do Brasil de hoje e com muita sofisticação. Chico Diaz está maravilhoso no papel.

Na parte internacional, o uruguaio La Teoría de los Vidrios Rotos levou os troféus de melhor filme pelo júri oficial e pelo popular, mas talvez seja o mais fraco entre os quatro concorrentes. Fala de um perito em seguros que vai trabalhar numa pequena e inóspita cidade. Tem seus momentos, como comédia suave e crítica de costumes.

Planta Permanente (ARG) ganhou os prêmios Especial do Júri e da Crítica. Em sua simplicidade, é bastante denso com sua história de duas amigas tornadas rivais quando decidem montar um restaurante numa repartição pública. Roteiro afiado e grande trabalho de atrizes como Liliana Juarez, Rosário Blefari e Veronica Perrotta.

O melhor longa gaúcho foi Cavalo de Santo, documentário sobre a presença de religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul. Um filme revelador.

O melhor curta foi A Fome de Lázaro (PB), registro de uma incrível cerimônia no interior paraibano em que, por um dia, as posições de seres humanos e animais se invertem.

Pelo segundo ano consecutivo em formato híbrido, com parte da transmissão pela TV (Canal Brasil), parte por streaming, o Festival de Gramado deu provas de vitalidade em sua 49ª edição. Em meio a essa pandemia prolongada, selecionou alguns ótimos filmes e outros muito bons para suas mostras competitivas. Forrou-se de obras com pautas identitárias e de inclusão de gênero e raça, alinhando-se às tendências atuais. Deu seguimento, mesmo que online, às suas atividades tradicionais como os debates com realizadores, jornalistas e público. Dessa forma, reuniu forças para a grande festa do ano que vem, quando comemora seu cinquentenário. Todos esperam que seja presencial, com cinema lotado de gente, tapete vermelho para o desfile dos artistas e o friozinho gostoso da serra gaúcha.

Confira abaixo todos os premiados no Festival de Cinema de Gramado em 2021

Longas-metragens brasileiros

Melhor Filme – Carro Rei, de Renata Pinheiro

Melhor Direção – Aly Muritiba, por Jesus Kid

Melhor Ator – Nando Cunha, em O Novelo

Melhor Atriz – Glória Pires, em A Suspeita

Melhor Roteiro – Aly Muritiba, por Jesus Kid

Melhor Fotografia – Bruno Polidoro, por A Primeira Morte de Joana

Melhor Montagem – Tula Anagnostopoulos, por A Primeira Morte de Joana

Melhor Trilha Musical – Dj Dolores, por Carro Rei

Melhor Direção de Arte – Karen Araújo, por Carro Rei

Melhor Atriz Coadjuvante – Bianca Byington, por Homem Onça

Melhor Ator Coadjuvante – Leandro Daniel Colombo, por Jesus Kid

Melhor Desenho de Som – Guile Martins, por Carro Rei

Melhor Filme pelo Júri Popular – O Novelo, de Claudia Pinheiro

Melhor Filme pelo Júri da Crítica – A Primeira Morte de Joana, de Cristiane Oliveira

Prêmio Especial do Júri para Matheus Nachtergaele, em Carro Rei, pela construção e domínio do personagem e pela brilhante capacidade de se reinventar.

Menção honrosa para Fernando Lufer, Michel Gomes, Victor Alves, Kaike Pereira, Pedro Guilherme e Caio Patricio por seu talento e potência em O Novelo.

Menção honrosa para Isabél Zuaa pela bela e impactante atuação em O Novelo.

Curta-metragens brasileiros

Melhor Filme – A Fome de Lázaro, de Diego Benevides

Melhor Direção – Fabio Rodrigo, por Entre Nós e o Mundo

Melhor Ator – Lucas Galvino em Fotos Privadas

Melhor Atriz – Tieta Macau em Quanto Pesa

Melhor Roteiro – Marcelo Grabowsky, Aline Portugal e Manoela Sawitzki, por Fotos Privadas

Melhor Fotografia – Rodolpho Barros, por Animais na Pista

Melhor Montagem – Caroline Neves, por Entre nós e o Mundo

Melhor Trilha Musical – Eli-Eri Moura, por Animais na Pista

Melhor Direção de Arte – Torquato Joel, por A Fome de Lázaro

Melhor Desenho de Som – Breno Nina, por Quanto Pesa

Melhor Filme pelo Júri Popular – Desvirtude, de Gautier Lee

Melhor Filme pelo Júri da Crítica – Entre Nós e o Mundo, de Fábio Rodrigo

Prêmio Especial do Júri – Fabio Rodrigo, por Entre Nós e o Mundo por responder de forma consciente em termos estéticos, afetivos e narrativos a pergunta “Como falar da dor da perda e ainda ter esperança?”.

Menção honrosa da Comissão Julgadora para os curtas brasileiros vai para o filme A Beleza de Rose, de Natal Portela, por fazer um delicado recorte da vida de muitas mulheres negras no nordeste do Brasil.

Prêmio Canal Brasil de Curtas – A Beleza de Rose, de Natal Portela

Longas-metragens estrangeiros

Melhor Filme – La Teoría De Los Vidrios Rotos, de Diego Fernández Pujol

Melhor Filme Júri Popular – La Teoría De Los Vidrios Rotos, de Diego Fernández Pujol

Melhor Filme pelo Júri da Crítica – Planta Permanente, Ezequiel Radusky

Prêmio Especial do Júri – Pela abordagem de temas tão presentes em nossa sociedade, que refletem as consequências de um sistema corrompido e afetam diretamente os valores humanos; e pelas interpretações das protagonistas femininas que representam a força das mulheres latinas em nosso cinema. O Júri de Longas-metragens estrangeiros do 49º Festival de Cinema de Gramado decidiu conceder o Prêmio Especial do Júri ao filme Planta Permanente, de Ezequiel Radusky.

Longas-metragens gaúchos

Melhor Filme – Cavalo de Santo, de Carlos Eduardo Caramez e Mirian Fichtner

Melhor Direção – Gilson Vargas, por A Colmeia

Melhor Ator – João Pedro Prates, por A Colmeia

Melhor Atriz – Luciana Renatha, Alexia Kobayashi e Veronica Challfom, por Extermínio

Melhor Roteiro – Carlos Eduardo Caramez, por Cavalo de Santo

Melhor Fotografia – Bruno Polidoro, por A Colmeia

Melhor Direção de Arte – Gilka Vargas e Iara Noemi, por A Colmeia

Melhor Montagem – Joana Bernardes e Mirela Kruel, por Extermínio

Melhor Desenho de Som – Gabriela Bervian, por A Colmeia

Melhor Trilha Musical – Cânticos Sagrados dos Orixás preservados pelos Terreiros gaúchos e Alabê Oni, por Cavalo de Santo

Melhor Filme pelo Júri Popular – Cavalo de Santo, de Carlos Eduardo Caramez e Mirian Fichtner

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