Marina Willisch faz parte de um grupo de jovens líderes de grandes empresas no Brasil. Formada em direito, estudou na Alemanha e atuou nas áreas jurídica, financeira e tributária, sendo que, por mais de 15 anos, na indústria automotiva. Ela ingressou na Mercedes-Benz do Brasil em 2003 e, dez anos depois, foi convidada pela General Motors para ser diretora tributária. Em 2019, passou a ser a primeira mulher a ocupar o posto de vice-presidente da GM América do Sul.
Franca, direta e dona de uma simplicidade impactante, ela concedeu a seguinte entrevista ao Estadão na sede da empresa em São Caetano do Sul (SP).
Nos Estados Unidos, a GM vem investindo fortemente na eletrificação. Como será aqui?
Não arriscaria fazer previsões, mas, para a GM, as metas são zero acidentes, emissões e congestionamentos. Isso é um plano global, que vem sendo executado desde 2017 e do qual o Brasil faz parte. Em cinco anos, haverá carros elétricos com preços próximos aos dos com motor a combustão. A escolha será feita pelo tipo produto, e não pelo preço. A tecnologia já existe, mas a produção em massa exige investimentos. Temos de mostrar os benefícios do carro elétrico. Outro dia saí daqui com um Bolt que estava com 350 km de autonomia e cheguei em casa com 370 km. É mágico. Mas, claro, é preciso que o consumidor tenha esse tipo de experiência.
Em 2040, a GM deixará de produzir veículos com motor a combustão…
Os carros a combustão vão perdurar no Brasil por muito tempo. E isso não é um problema. Estamos melhorando a tecnologia desses motores. Com o Inovar Auto (programa federal voltado à inovação), reduzimos as emissões de nossos carros em 22%. Com o PL7 (nova fase do programa de redução de emissões em vigor desde 1.º de janeiro), chegamos a 43% de melhoria média na eficiência energética. Seja como for, todas fabricantes do setor vão migrar para a eletrificação.
Em 2021, a GM foi muito impactada pela falta de componentes. Como você avalia o desempenho da empresa no país no ano passado?
Para a GM, 2021 foi um ano de superação, de crescimento e desafios. A continuidade da pandemia e a falta de componentes foram dificuldades importantes. Mas a gente enfrentou esses desafios e avançou. A conectividade e a segurança nos carros ganharam ainda mais relevância. Soubemos enxergar isso e nos antecipar às necessidades do consumidor. O Onix, o Onix Plus (sedã) e o (SUV) Tracker têm modernos sistemas de conectividade e alguns dos melhores níveis de eficiência energética do país. Também lançamos a picape S10 Z71, que foca os mais jovens e o setor de agronegócio, que cresceu mesmo em meio à pandemia. Portanto, 2021 foi um ano muito difícil, mas a gente mostrou que tem capacidade de adaptação e sabe entregar o que o consumidor quer.
Como convencer a matriz de que o Brasil deve produzir um novo carro ou desenvolver tecnologias?
Qualquer processo decisório para trazer uma inovação, um investimento ou criar um produto é feito de forma colegiada. Ouvimos as áreas técnicas, o consumidor e outros agentes do mercado. Daí, estudamos a melhor maneira de chegar ao resultado esperado. A nova Montana, por exemplo, é um produto incrível. É um carro que vai agradar inclusive pessoas como eu, que carregam um monte de coisas para todo lado e têm família grande. Não posso falar mais para não dar spoiler. No Brasil, a marca Chevrolet é muito bem aceita pelo consumidor. E temos uma engenharia forte. O país tem enorme capacidade humana, com gente muito técnica, especializada e comprometida, o que nos dá uma grande vantagem competitiva. Além disso, praticamente todos os fornecedores estão no país e têm nível de excelência, tecnologia e capacidade de produzir e inovar junto com a GM.
Ainda sobre 2021, o que você faria diferente e quais lições foram aprendidas?
Há muita coisa que a gente faz e depois percebe que poderia ter feito diferente. Mas tivemos mais acertos do que erros. Em 2021, fortalecemos o processo de ampliação da diversidade, inclusão e equidade. Implantamos o trainee exclusivo para pessoas negras, o primeiro do setor automotivo. A GM, por definição, é resultado da junção de várias culturas e países. Buscamos criar ações para trilhar o caminho da equidade. E mantemos firme há 20, 30 anos, um programa de empoderamento feminino. Os diretores e vice-presidentes falam muito sobre isso (bem mais do que eu), sobre lideranças femininas nas áreas de manufatura e engenharia, e criam ações visando a equidade. Em 2021, a GM ofereceu amplo apoio em relação à saúde mental dos colaboradores. Fechamos fábricas e escritórios, muita gente ficou doente e tivemos de lidar com a perda de colegas e familiares. O RH criou um programa para nos ajudar a trabalhar temas como ansiedade e luto. Minha avó faleceu logo após o início desse projeto. Não sei lidar com luto e desabei no meio de uma reunião, mas não senti vergonha. Antes, eu achava que tinha de ser forte. Entendemos que os funcionários precisam estar bem, que ninguém deve se sentir oprimido. Acertamos ao olhar o lado humano. Isso garantirá que vamos continuar inteiros após enfrentar momentos difíceis.
Você é a primeira vice-presidente da GM no Brasil. Já foi tratada de forma diferente por ser mulher?
O machismo existe. Se já me prejudicou? Não. Nunca me senti afetada diretamente. É por isso que temos de fazer ações afirmativas. As pessoas que não são maioria num ambiente têm de se enxergar lá. Eu era nova na Mercedes e cheguei bem cedo para uma reunião que nunca começava. Alguém disse que estavam esperando o sr. Willish. E eu disse: “O sr. Willish está aqui”. É o sobrenome do meu marido. Todo mundo riu. Mas talvez isso não acontecesse se eu fosse um homem. A gente não precisa ser tratada de forma diferente. Inclusão é isso. Uma menina perguntou como eu consigo ser executiva e cuidar de casa. Eu respondi: “Quem disse que eu consigo? Vai na minha casa para você ver a bagunça que é lá!” (risos).
Tião Oliveira