Eu me lembro muito bem que nos salões de automóvel dos anos 80 os carros que representavam o futuro seguiam a mesma cartilha estilística: tinham formas bem arredondadas, eram extremamente aerodinâmicos e muitas vezes em nada lembravam um veículo tradicional.
Na época nem se pensava em usar motores elétricos nesses conceitos, já que pouca gente imaginava que o futuro da mobilidade trilharia por esse caminho. Assim, quando vieram os primeiros modelos comerciais com propulsão alternativa, era natural que seguissem a lógica “carro do futuro não pode se parecer com nada do presente”. Vimos isso claramente no pioneiro elétrico GM EV1 (1996) ou no híbrido Honda Insight (1999).
Em algum momento no início dos anos 2010, os fabricantes de veículos se deram conta que os elétricos não precisavam fazer um esforço hercúleo para não se parecerem com os automóveis convencionais. “Você pode criar um design de veículo elétrico sem ser tão obviamente diferente ou feio”, disse certa vez Steffen Köhl, diretor de design externo da Mercedes-Benz.
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Agora está despontando uma tendência mostrando que o próximo passo da evolução estética dos elétricos é olhar para o passado a fim de criar o futuro. A indústria já começou a introduzir uma safra de modelos retrô, cujo design é uma referência direta a um modelo específico ou uma categoria de veículos que já rodaram as ruas 40 ou 50 anos atrás.
No recente Salão de Munique, oficialmente chamado IAA Mobility, vimos diversos exemplos dessa nova estirpe dividindo o mesmo espaço. A Volkswagen apresentou o ID.Life, sua proposta de um subcompacto urbano que mais lembra um quadrado Gol dos anos 80. Também estava lá o Renault 5, um conceito que é a releitura moderna do hatch de 1972, que foi o antecessor do Clio.
Mas não havia só protótipos conceituais no evento alemão. O lugar também foi palco do lançamento comercial do Microlino 2.0, um clone contemporâneo do nosso saudoso Romi-Isetta, considerado o primeiro automóvel produzido no Brasil, em 1956. A versão modernizada custa a partir de 12.500 euros e é igualzinho no porte, no espaço para duas pessoas e na porta única dianteira.
Antes do início do IAA, porém, outros dois elétricos de estilo retrô já haviam estreado nas lojas. A Fiat lançou no mercado europeu o 500e, um subcompacto elétrico que reproduz o estilo do minicarro de 1957, que foi uma espécie de Fusca italiano. Do Japão, veio o Honda E, inspirado nas linhas da primeira geração do Civic, de 1973, na época em que ele era um hatch compacto.
Ao olharmos para todos esses exemplos, somos obrigados a concordar com o designer da Mercedes. Não precisamos conceber um visual exótico apenas para dizer que acabou de chegar ao mercado mais um automóvel elétrico.
O que algumas marcas têm feito é ir no caminho oposto: investir em um design clássico para despertar mais a emoção do que a razão. É uma fórmula para deixá-lo mais próximo do público, conferindo-lhe uma personalidade que seja ao mesmo tempo reconhecível e marcante, em meio a tantos concorrentes que são extravagantes ou sem graça. Tudo com o objetivo de aumentar suas chances de se tornar um sucesso comercial.
Afinal, é quase impossível não conquistar a simpatia dos compradores – e a atenção das redes sociais – ao reinventar o Fusca, por exemplo. Mesmo que seja na base da cópia deslavada, caminho seguido pela chinesa ORA (marca que pertence à Great Wall, recém-chegada ao Brasil) com o elétrico Punk Cat. Ou então recriar o Chevette, como fez a Opel com o Manta GSe.
Em resumo, se tudo o que o público queria no passado era um carro que tivesse cara de futuro, parece que agora o mercado busca no presente um automóvel que traz todo o espírito do passado.