Mas a eletrificação não será suficiente para segurar os números do setor como um todo e os próprios fabricantes já aceitam a queda da demanda, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, como uma realidade que irá se impor em médio e longo prazos. 

“As comercializações estão caindo. A inflação nestes mercados disparou, nos últimos meses, e os bancos centrais alertam que o pior ainda está por vir”, comentou o presidente-executivo (CEO) da BMW, Oliver Zipse, durante a teleconferência em que apresentou o balanço semestral da companhia. “É uma ducha de água fria”.

Para outro executivo de peso, Carlos Tavares, CEO da Stellantis, o mercado chegou ao ponto em que os repasses de custos para os consumidores será freado. “Até agora, repassamos toda a inflação da cadeia produtiva para o consumidor, mas isso não pode durar para sempre”, afirmou o chefão do grupo que reúne 16 marcas, entre elas a Chrysler, a Citroën, a Fiat, a Jeep e a Peugeot. 

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Em tom confessional, Tavares admitiu que são seus felizes clientes que vêm pagando o pato, literalmente, mas que “há um limite para os aumentos nos preços”.

Aos reajustes subsequentes soma-se resultado do mais recente estudo do International Council on Clean Transportation (ICTT), que incluiu 9.000 híbridos plug-in e descobriu que, no uso cotidiano, este tipo de motorização consume de 2,5 a cinco vezes mais do que o prometido pelas campanhas publicitárias. 

“Essa disparidade entre a idealização e o mundo real é um dos motivos pelos quais os países da União Europeia vêm cortando subsídios para estes modelos e isso também empurra os preços para cima”, pontua Philip Nothard, diretor de insights para a Europa da Cox Automotive, consultoria especializada no setor automotivo. “Os consumidores europeus e norte-americanos estão mais cautelosos e isto é fato”, completa.

Nos últimos seis trimestres, os elétricos pulverizaram a liderança dos híbridos plug-in na Europa. Desde 2018, esta foi a primeira vez em que estes modelos apresentaram queda nos volumes comerciais, em um trimestre consolidado. 

Em números absolutos, os veículos 100% elétricos também tiveram retração, mas suas vendas seguem acima da casa das 300 mil unidades trimestrais. “Os números do setor estão caindo. A demanda por automóveis está caindo”, reconhece o diretor financeiro da Volkswagen, Arno Antlitz. “A China vem se salvando, mas Europa e Estados Unidos já enfrentam uma situação de alerta”, acrescentou.

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Em busca do “ponto ideal”

Depois de um ano de ganhos recordes, a Toyota divulgou queda de 42% no seu lucro operacional no primeiro trimestre fiscal deste ano. A margem de 12,6%, registrada em 2021, caiu para 6,8% – o lucro líquido ficou em US$ 5,4 bilhões, o equivalente a R$ 28,1 bilhões, isso com uma receita de US$ 62,2 bilhões. 

Com uma queda global de 6,3% nas vendas, não é difícil de apontar quem está, literalmente, bancando tudo isso: “Hoje, as famílias têm que sacrificar seu orçamento doméstico para comprar um zero-quilômetro”, reconhece o CEO da Stellantis, Carlos Tavares. 

“A verdade é que a crise dos semicondutores trouxe nosso negócio para um ‘ponto ideal’ e, se a produção aumentar, nosso poder de precificação será reduzido junto com nossas margens de lucro”, acrescentou. Ao contrário da Toyota, a Stellantis fechou o primeiro semestre de 2022 com lucro operacional 44% maior que o do ano passado.

Uma das marcas mais valiosas do grupo, a Jeep lançará seu primeiro SUV totalmente elétrico em 2023, dois anos antes de os limites de emissão europeus serem apertados. O negócio é aproveitar o gráfico ascendente das vendas de EVs, enquanto são desenvolvidas plataformas dedicadas. 

E apesar de os híbridos plug-in experimentarem bons índices de satisfação, em relação aos seus proprietários, pelo menos na Europa os consumidores estão prontos para 100% de eletrificação. 

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O estudo do ICTT aponta neste sentido ao revelar que, na prática, a tecnologia verde só opera no híbridos plug-in em 45% das condições de uso. “Se falarmos apenas dos híbridos plug-in usados para o transporte de carga ou empresarialmente, este percentual cai para 15%”, destaca o diretor de insights da Cox Automotive, Philip Nothard.

Para ele, se tudo correr como se espera, no Velho Mundo, os híbridos plug-in representarão cada vez menos para seus fabricantes, também no sentido da redução das suas médias de emissões. 

“Hoje, são as vendas chinesas que mantêm este segmento em alta, porque existem centenas de milhões de pessoas que moram em arranha-céus das megalópoles de lá, onde a recarga doméstica das baterias de um EV ainda é difícil. Por isso, o governo chinês faz um grande esforço para incentivar os híbridos plug-in, mas o estado chinês também aplica enormes recursos na construção de uma rede pública de recarregamento para os modelos 100% elétricos, que apresentam um crescimento comercial maior e mais rápido”, avalia Nothard. “Se este nicho – dos híbridos plug-in – foi pensado como uma ponte para os EVs, falamos de uma passagem curta”.

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Paradoxos e previsão de colapso

São paradoxos que vêm norteando o setor automotivo, em nível mundial, mas a redução dos custos de produção é um fator definidor, quando se trata dos EVs e do futuro da mobilidade. 

Enquanto o Brasil dá de ombros para a desindustrialização, apostando suas fichas em uma salvação neopentecostal baseada no agronegócio, os países da União Europeia endossaram a eliminação das emissões de carbono de carros novos, até 2035. 

“Temos um grande desafio, porque se os modelos elétricos não ficarem mais baratos, o mercado entrará em colapso”, prevê o diretor de produção da Stellantis, Arnaud Deboeuf. Para o leitor mais ingênuo, é importante frisar que ele não se refere ao preço de tabela, mas do custo de fabricação do veículo. “Até 2030, pretendemos reduzir nossos custos de produção em 40%”, adianta Beboeuf.

Bom, não é preciso ser matemático para notar que o corte nos gastos aliado ao aumento nos preços finais, com uma inflação que chegou à média de US$ 6.000 (o equivalente a R$ 31.200 mil) por EV, no mês passado, formam uma combinação redentora para a indústria automotiva. 

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Mas o eixo produtivo migrou para a Ásia e, por lá, a lógica de Tavares não engana ninguém. “Aqui, na China, os empreendimentos da Stellantis não dão certo, porque eles não têm respeito pelos consumidores”, fuzila o presidente da Guangzhou Automobile (GAC), Qing Hong Zheng. 

“Não foi estabelecida uma operação confiável para a competitividade do mercado chinês”, acrescentou Zheng, se referindo ao fato de a Jeep estar fechando sua fábrica no país e ter anunciado que, a partir de agora, abastecerá sua rede com importados.

Apesar de as gigantes não atraírem mais os investidores pela rentabilidade e segurança do seu negócio, e de os revendedores estarem em um modo de espera, desinteressados em investir num momento de incerteza, ainda há muitos consumidores que se realizam pela compra de um automóvel. 

E enquanto estas pessoas estiverem dispostas a bancar os lucros desses verdadeiros mamutes do capital industrial, com seu sacrifício pessoal, a dobradinha com o capital financeiro seguirá funcionando. 

Afinal, para as montadoras, sai muito mais em conta você fazer um empréstimo e financiar o carro que elas produzem, pagando caro por veículos cada vez mais precarizados, do que elas terem que tomar dinheiro para sustentar um negócio que, na ponta do lápis, já deu o que tinha que dar.

Imagens: Divulgação/Stellantis

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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