Walter aguenta a trajetória na curva à direita, acelera outra vez para a reta e depois se prepara novamente para tocar o apex, quase subindo o corretor. Paul Hochrein, diretor do projeto, está sentado aparentando tranquilidade atrás do volante, empenhado em? não fazer nada, exceto assistir. É que Walter consegue fazer tudo sozinho aqui no autódromo de Portimão, no sul de Portugal.

Walter é um Audi RS7, carregado com equipamentos eletrônicos e computadores de alto desempenho no bagageiro. Não se limita a seguir um trajetória rígida e programada para cada sua volta aos cerca de 4,7 quilômetros de perímetro do traçado algarvio, mas vai encontrando seu caminho de forma variável e em tempo real.

Usando o sinal de GPS, Walter consegue conhecer sua localização com precisão de centímetros na pista porque o arsenal de software calcula a melhor rota a cada centésimo de segundo, definida por duas linhas no sistema de navegação. Hochrein tem a mão esquerda sobre o comutador que desliga o sistema para o caso de alguma coisa sair mal. Se isso acontecer, Walter passará imediatamente para o modo de manual de dirigir.

E por que é que o RS7 se chama Walter? “Nós passamos tanto tempo nestes carros de teste que acabamos por lhes dar nomes”, brinca Hochrein. Ele é o líder do projeto durante estas duas semanas no Algarve, que é já o quinto para este grupo da VW.

Quando diz “nós” ele se refere a uma equipa de cerca de 20 investigadores, engenheiros – “nerds”, como Hochrein lhes chama – e pilotos de testes que aqui vieram acompanhados de uma dúzia de carros do Grupo VW. As boxes estão repletas de cadernos de notas onde os dados de medição recém-coletados são avaliados e descodificados com software. “Estamos entretidos a juntar zeros e uns”, explica com um sorriso.

Engenheiros e cientistas juntos

VW - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

O objetivo da missão é o de proporcionar importantes informações interdisciplinares para as marcas do Grupo VW sobre os últimos desenvolvimentos em sistemas autônomos de dirigir e de assistência. E nela participam não apenas os funcionários da empresa do Grupo VW como também parceiros de universidades de ponta, como Stanford, na Califórnia, ou TU Darmstadt, na Alemanha.

“Estamos aqui para que seja possível para que os nossos parceiros possam ter acesso aos conteúdos que angariamos nestas sessões de testes”, explica Hochrein.

E o autódromo do Algarve foi o escolhido devido à sua topografia de montanha-russa e também porque aqui toda a tecnologia pode ser testada com segurança graças às amplas escapatórias – e porque há um risco muito baixo de exposição a espetadores “indesejados”:

“Conseguimos avaliar os sistemas num ambiente com altos padrões de segurança e com os desafios dinâmicos mais exigentes, para dessa forma os podermos desenvolver da melhor forma. O trabalho também nos dá a oportunidade de considerar aspetos relevantes da forma como se dirige que não podem ser examinados individualmente em estradas públicas”. Faz sentido.

Em Walter, por exemplo, estão a ser testados vários perfis de dirigir de modo autônomo. Como é que os passageiros se sentem quando os pneus de Walter chiam em curva a alta velocidade? E se a suspensão estiver com uma afinação mais confortável e o carro se mover a uma velocidade mais lenta sempre a meio da pista?

Como pode ser definida a correlação entre os pneus e a direção autônoma? Qual é o equilíbrio ideal entre precisão de comportamento e o poder de computação necessário? Como se pode definir a programação para que o Walter seja o mais econômico possível?

Um modo de dirigir em que o Walter seja capaz de acelerar furiosamente em curva poderá ser tão agressivo ao ponto de levar os passageiros a devolver o almoço à procedência? Como é possível conseguir uma experiência de rolamento mais caraterístico de uma marca ou de um modelo num carro-robôs? Um passageiro de um Porsche 911 quer ser dirigido de maneira diferente do de um Chevrolet Impala?

PlayStation para guiar

A “direção por fio” (steer-by-wire, através da qual é viável desacoplar o movimento do volante do movimento das rodas direcionais) é outra tecnologia que também está a ser testada aqui, instalada num VW Tiguan que me espera na entrada dos boxes. Neste veículo a direção não está mecanicamente unida às rodas dianteiras, mas sim eletricamente ligada a uma unidade de controle eletromecânico, que faz rodar a direção.

Este Tiguan experimental é usado como ferramenta para ajustar diferentes configurações de direção: direta e rápida para pilotagem esportiva ou indireta para viagens em autoestrada (usando o software para fazer variar o toque da direção e a sua desmultiplicação).

Mas como os futuros carros-robôs nem sequer terão o volante no lugar durante boa parte da viagem, aqui temos um joystick da PlayStation ou um smartphone transformado em controle da direção, o que requer alguma prática. Certo é que os engenheiros alemães usaram cones para improvisar uma pista de slalom no pit lane e, com um pouco de prática, quase consegui terminar o percurso sem mandar qualquer marcador cônico laranja ao chão.

De volta à pista, os testes chefiados por Gamze Kabil abordam diferentes estratégias de dirigir autonomamente num Golf GTI vermelho, “chamado” Dieter. Se o volante não se mover quando o carro estiver dobrando ou mudando de faixa durante em modo de direção autônoma, isso poderá enervar os ocupantes do carro? Quão suave deve ser a transição da direção autônoma para a direção humana?

A comunidade de cientistas está igualmente muito envolvida com estas tecnologias do automóvel do futuro. Chris Gerdes, professor da Universidade de Stanford, veio também a Portimão com alguns de seus estudantes de doutoramento com quem se senta no Norbert, outro Golf GTI vermelho.

Nada de novo para ele que, na Califórnia, tem um Golf semelhante com o qual realiza estudos para a VW, com o objetivo principal de regulamentar a dinâmica de pilotagem nos limites e desenvolver redes neurais com as quais modelos apropriados podem ser mapeados e com modelos de controle preditivo, usando “aprendizagem de máquinas” (machine learning).

E, no mesmo processo, a equipa vai procurando novas pistas para responder à pergunta de um milhão de dólares: poderão os algoritmos baseados em Inteligência Artificial ser mais seguros do que motoristas humanos?

Nenhum dos engenheiros e cientistas aqui presentes acredita que, ao contrário do que algumas marcas já prometeram, em 2022 haverá carros-robôs circulando livremente nas vias públicas, ainda que seja provável que nessa altura estejam disponíveis os primeiros veículos com direção autônoma em ambientes controlados, como aeroportos e parques industriais, e que alguns veículos poderão executar um número limitado de tarefas durante um curto período de tempo em estradas públicas em algumas partes do mundo.

Não estamos aqui a lidar com desenvolvimentos técnicos simples, mas também não se trata de ciência aeroespacial, mas provavelmente situamo-nos entre uma coisa e a outra em termos de complexidade. É por isso que quando acaba a sessão de testes deste ano no sul de Portugal ninguém diz “adeus”, apenas “até breve”.

Áreas urbanas: o desafio final

Um desafio totalmente diferente, mas ainda mais difícil, é o que os carros-robôs terão que enfrentar nas áreas urbanas. É por isso que o Grupo VW tem um grupo dedicado a trabalhar nesse cenário, com sede em Hamburgo, e com a qual também me juntei para ter uma ideia do processo de desenvolvimento.

“Esta equipa é o núcleo do recém-criado departamento Volkswagen Autonomy GmbH, um centro de competência para direção autónoma do nível 4, com o objetivo final de levar essas tecnologias à maturidade para lançamento no mercado”, explica Alexander Hitzinger, vice-presidente senior do departamento de Direção Autônoma no Grupo Volkswagen e Chief Brand Officer de desenvolvimento técnico de veículos comerciais da Volkswagen, antes de acrescentar: “Estamos trabalhando num sistema autônomo para o mercado que queremos lançar comercialmente a meio desta década”.

Para poder realizar todos os testes, a VW e o governo federal da Alemanha estão cooperando aqui com a instalação de uma secção de quase 3 km de comprimento no centro de Hamburgo, onde são realizadas várias experiências, cada uma com duração de uma semana e realizadas a cada duas a três semanas.

Desta forma se conseguem reunir informações valiosas sobre os habituais desafios do congestionado tráfego urbano: em relação a outros motoristas que excedam em muito a velocidade legal; Carros estacionados muito perto ou mesmo na estrada; Pedestres que ignorem o sinal vermelho num semáforo; Ciclistas que estejam a circular em contramão ou mesmo cruzamentos onde os sensores fiquem com “a visão” tapada por obras ou veículos estacionados indevidamente.

Golf elétricos testam em cidade

A frota de testes é composta por cinco (ainda não batizados) VW Golf elétricos totalmente “autônomos”, capazes de prever a situação potencial de tráfego cerca de dez segundos antes da mesma ocorrer – com a ajuda dos extensos dados obtidos durante a fase de testes de nove meses nesta rota. E é assim que os veículos de direção autônoma serão capazes de reagir a qualquer perigo por antecipação.

Estes Golf elétricos são verdadeiros laboratórios sobre rodas, estando equipados com vários sensores no tejadilho, nos flancos dianteiros e nas áreas frontal e traseira, para analisar tudo o que os rodeia com a ajuda de onze laseres, sete radares, 14 câmeras e ultrassons. E em cada bagageiro os engenheiros montaram o poder de computação de 15 laptops que transmitem ou recebem até cinco gigabytes de dados por minuto.

Aqui, exatamente como no autódromo de Portimão – mas de uma maneira ainda mais sensível, pois a situação do tráfego pode mudar várias vezes por segundo – o mais importante é o processamento rápido e simultâneo de conjuntos de dados extremamente pesados, como Hitzinger (que combina o know-how no automobilismo – contando com uma vitória nas 24 horas em Le Mans – com o tempo passado no Silicon Valley como diretor técnico no projeto de carro elétrico da Apple) está bem ciente: “Usaremos esses dados para validar e verificar o sistema em geral. E aumentaremos drasticamente o número de cenários para que possamos preparar os veículos para todas as situações possíveis “.

O projeto vai ganhar impulso nesta cidade em crescimento, com notável expansão econômica, mas com uma população a envelhecer e que também se carateriza por um aumento dos fluxos de trânsito (tanto residentes em vai-e-vem diário como dos turistas) com todo o impacto ambiental e de mobilidade que isso acarreta.

Este circuito urbano verá o seu perímetro ser estendido para 9 km até o final de 2020 – a tempo do Congresso Mundial que se realizará nesta cidade em 2021 – e terá um total de 37 semáforos com tecnologia de comunicação com os veículos (cerca do dobro dos que estão hoje em funcionamento).

Tal como aprendeu nas 24 Horas de Le Mans que venceu como diretor técnico da Porsche em 2015, Alexander Hitzinger diz que “isto é uma maratona, não uma corrida de sprint, e nós queremos ter certeza de que chegaremos como queremos à linha de meta”.

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