Volvo C40 faz Rio-São Paulo, eleva patamar dos EVs, mas infraestrutura ainda joga contra

Os carros elétricos ainda são incipientes no nosso mercado. Eles começaram a desembarcar para valer aqui depois de 2018 e, desde então, a infraestrutura sempre foi uma questão, principalmente devido aos pontos de carregamento. Viajar era um desafio e mesmo na cidade era preciso ficar atento à rotina diária ao volante. Mas, passados quatro anos, o que mudou para quem tem um EV?

Para entender como é ter um carro elétrico hoje, a reportagem da Automotive Business recorreu ao Volvo C40, novo SUV-cupê zero combustão que acaba de ser lançado no Brasil. Além do dia-a-dia na cidade, fazer uma viagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo era um dos desafios da nossa pauta. 

O início da saga elétrica


             O jeito futurista e as linhas estilosas fazem do Volvo C40 um carro bem chamativo

Aqui, já dou aquele spoiler, que será devidamente contextualizado e explicado. O C40 é um carro elétrico fora da curva e que traduz bem a evolução dos EVs – e da Volvo Cars. Contudo, para viagens mais longas, se deparou com as limitações e percalços que qualquer carro elétrico ainda tem no Brasil.

Os pequenos inconvenientes começam na cidade mesmo. Bom ressaltar que quem compra um C40 pode comprar opcionalmente o wallbox, o carregador residencial que atinge 100% da bateria entre oito e 10 horas. Aqui, no caso, o carro é cedido por comodato e o prédio onde moro não tem ponto de recarga – e se um dia vier a ter, provavelmente será às custas de acaloradas reuniões de condomínio. 

Desta forma, em uma abafada sexta-feira tipica do outono (estação que para os cariocas é só a extensão do verão) chego à concessionária Volvo Gotland, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, já com o pensamento em onde vou deixar o C40 para carregar. Afinal, a ideia é sair cedo no domingo seguinte rumo a Sampa com a carga completa e tentar parar apenas uma vez na Dutra para “reabastecer”.

Porém, rapidamente meu foco é desviado ao me deparar com o SUV. O modelo é mais bonito ao vivo do que em fotos. O jeito futurista, com formas arredondadas, lentes retilíneas e o charmoso caimento da terceira coluna ao estilo cupê é merecedor da minha atenção por uns 10 minutos. 

Para completar, o exemplar que vai ser meu companheiro de viagem é embalado em uma belíssima cor azul, que realça ainda mais a exclusividade desse Volvo. Exclusividade ainda reforçada pelo preço de R$ 419.950.

Entro no carro e a cabine traz a mesma sensação de requinte extra da marca sueca que tive quando dirigi o XC40 Recharge Pure. Detalhes no painel e nas portas com tecnologia Topography (estilo zebrado que fica mais claro conforma a iluminação ambiente), quadro de instrumentos digital configurável e bancos livres de couro, mas com materiais e densidade que parecem te receber no céu.

A propósito, todo interior é pensado de forma sustentável também. As superfícies dos tapetes são feitas de garrafas PET recicladas e parte dos painéis usa plásticos reciclados. O revestimento Microtech, por exemplo, é um plástico tricotado à base de PVC com suporte têxtil feito de poliéster – também 100% reciclado.

Tem ainda o teto-solar, que não tem aquele forro para tapar o sol. E nem precisa. O vidro escuro fixo laminado é feito de revestimento IR, que, segundo a Volvo, auxilia na redução de ruídos externos, minimiza a entrada de luz em até 95%, oferece proteção UV de 99,5% e bloqueia cerca de 80% da radiação de calor do sol.

Carro elétrico premium, infraestrutura mambembe


             O que o nobre leitor vê à direita do carregador não é sujeira, mas sim teias de aranha. Denúncia de pouco uso…

Pausa na babação de litros e volta o foco nos postos de recarga. O C40 está com 60% de carga como informa o painel e agora começa a caça por um posto de recarga. O que já é até fácil de encontrar em São Paulo, mas no Rio existe um abismo de hábitos entre zona sul e zona norte.

Sim, na zona sul há mais opções de shoppings, mercados, estacionamentos e prédios com carregadores para carros elétricos. Acontece que esse escriba aqui mora na chamada Grande Tijuca. É um conjunto grande de bairros, e até considerada uma região importante na “ZN”, mas definitivamente o hábito de carros elétricos ainda não chegou por lá.

Tanto que, no sábado, ao parar em um estacionamento com um dos raros pontos na baixa oferta de eletropostos perto da minha casa, nem admira ter teias de aranha no aparelho. Pouca gente deve usá-lo.

Enfim, estaciono na vaga apertada e mal iluminada dentro da unidade da Estapar – a rede tem uma parceria com a Volvo Cars e a Enel X e mantém aparelhos de carga tipo 2 em suas unidades. Um clássico cone está posicionado para impedir que os mal educados usem a vaga com um carro a combustão. 

Plugo o carregador no bocal do carro elétrico, confiro no painel de instrumentos se está carregando corretamente e retorno para a casa. O C40 terá de pagar uma diária no estacionamento e dormir lá para a eu poder seguir viagem no dia seguinte com a carga completa.

Pé na estrada? Não sem um bom planejamento


             Com dois motores elétricos e mais de 400 cv de potência, SUV-cupê deslancha na estrada

Antes de partir no domingo, baixo alguns aplicativos e planejo minha viagem Rio-São Paulo, algo fundamental para qualquer dono de carro elétrico. Analiso os postos de recarga rápida pelo caminho e me programo para sair às 8h30 da Cidade Maravilhosa. Em uma previsão conservadora e com a parada obrigatória, acredito que chego na capital paulista em, no máximo, 6h30. Até me animo, pois dará tempo ainda de ver o jogo do Fluzão pelas semifinais do Campeonato Carioca lá em Sampa.

Ao chegar no carro em mais uma manhã abafada de domingo, o primeiro vacilo. O ainda inexperiente motorista de carro elétrico aqui esqueceu de configurar as opções de carregamento na ótima central multimídia com tela vertical do C40. A carga estava limitada em 90% – uma forma de preservar a vida útil das baterias – e tive de sair com este nível de energia do Rio.

Segue o jogo. Na teoria, o C40 tem autonomia total de até 440 km no mundo ideal, com ruas sempre planas, no nível do mar e pisando manso – não será o caso da viagem. Acesso o Google Maps nativo do multimídia da Volvo que tem recursos bacanas. O mais importante é o que lista todas as opções de eletropostos no trajeto até meu destino final, o Hotel Sheraton WTC, na zona sul paulistana. Ele não só mapeia esses pontos, como informa qual porcentagem de carga terei ao chegar lá.

No pianinho


             Modelo tem autonomia declarada de até 440 km, mas em condições sempre ideais

Seleciono, então, o Graal de Queluz, cidade paulista bem próxima à divisa com o estado do Rio, onde o C40 chegaria com 30% da capacidade de suas baterias. Começo a viagem ciente de que é preciso adotar um modo de condução mais parcimonioso do que o usual. Apesar de já ser um motorista cauteloso, evito acelerações bruscas e piso no pedal da direita com bastante suavidade.

Até porque o C40 tem disposição de sobra. São dois motores elétricos, um em cada eixo, que geram uma potência total de 408 cv. Você pisa e o SUV-cupê responde prontamente. Isso fica ainda mais evidente nas retomadas: precisa passar um caminhão vagaroso? Com menos de metade do curso do pedal acionado, os colossais 67 kgfm de torque instantâneo se apresentam para empurrar levemente seu corpo para trás e ultrapassar o pesadão…

Por isso, o cuidado em não abusar muito deste tipo de condução, além de ficar sempre de olho na carga da bateria no painel e se há alguma mudança na previsão de chegada em Queluz. É um outro hábito ao volante, certamente, e um misto de ansiedade e diversão confunde os sentimentos de quem está na direção.

Chego na Via Dutra já com 5% de carga deixados para trás. Na estrada, o crossover mostra que tem, além de desempenho de esportivo, comportamento dinâmico que acompanha esta proposta. Fruto da moderna plataforma CMA da Volvo Cars, o acerto deixa o C40 “mais no chão” que seu irmão de arquitetura XC40. Além de ser mais baixo e ter coeficiente de arrasto melhor, traz um funcional aerofólio traseiro e a carroceria rola bem menos.

Encontro o pé da Serra das Araras com 71% e comprovo essa boa dinâmica do C40 nas curvas fechadas do trecho. Na parte entre Piraí e Porto Real, ainda em território fluminense e com muitos trechos de descida, aproveito para acionar o One-Pedal no sistema multimídia. Com ele, as desacelerações são mais acentuadas e otimizadas para recuperar a energia em prol das baterias. 

Basicamente, o motorista raras vezes vai usar o freio com o sistema ligado. Basta tirar o pé do acelerador que o carro se segura sozinho e é possível ver a recuperação de energia em um pequeno mostrador digital de nível nos instrumentos, como se fosse um conta-giros. Para baixo, ele mostra o quanto se “ganha” de energia. Para cima, o quanto se desperdiça.

O terror da bateria esvaziada


             No Graal de Queluz (SP), a primeira e incompleta carga no Volvo C40

Pouco antes de acessar o Graal, o Maps atualizado informa que atingirei o posto com 37%. Previsão cravada ao chegar no ponto de recarga fruto da parceria da EDP com a BMW, que promete uma espécie de corredor elétrico na Dutra. Com o aplicativo da empresa de energia aberto no meu celular, digito o código do equipamento e plugo o carregador.

Entro no carro mais uma vez só para conferir no painel que as baterias estão sendo carregadas. O próprio sistema informa a hora em que o nível atingirá os 90% – pois esqueci novamente de habilitar para 100% -, mas será o suficiente para chegar ao meu destino em Sampa. Tranco o carro e vou para dentro da loja para comer algo e trabalhar no notebook.

Dou uma espiada pela janela do restaurante para ver se está tudo ok com o carregamento e avisto, ao lado do C40, um Nissan Leaf usando o plugue de carregamento lento. Pensei: “qual a probabilidade de termos dois carros elétricos em um mesmo ponto ao mesmo tempo?”. Planejo de imediato tirar uma foto quando der o tempo da recarga e eu voltar para o EV.

Contada 1h30 no relógio, retorno para o carro e, para minha triste surpresa, o Leaf tinha partido e o C40 não estava mais carregando. Pior: só chegou a 49% do nível de bateria, insuficiente para ir até Sampa. O desespero rapidamente toma conta do meu ser, mas vamos em frente. Lembro que há outros pontos de recarga rápida no caminho, só que a Lei de Murphy chega com força: meus apps que informam quais são e se estão em funcionamento não abrem nem com a ajuda do Papa.

O anjo que surge é o repórter Vitor Matsubara. De sua casa, em São Paulo, ele se dispõe a checar os eletropostos rápidos no caminho e me informar. Enquanto o pior da minha personalidade ariana aflora, com misto de arrependimento e irritação por ter confiado cegamente no carregador (e de ter tido a ideia de ir de carro elétrico pela Dutra), ele me indica parar em outro Graal, desta vez em Guaratinguetá (SP). 

Nova parada necessária


             Carro torto e matando vaga porque o bonitão da moto não respeitou a vaga para EVs

Cerca de 50 minutos depois chego ao referido local e o eletroposto está lá, a todo meu dispor. Claro que nem tudo é perfeito. O mal educado dono de uma moto estaciona em uma das três vagas destinadas a carros elétricos. Como o cabo do carregador é pequeno e o bocal do plugue fica à esquerda, sou obrigado a parar o Volvo meio enviesado e ocupando as duas vagas.

Processo idêntico ao da parada anterior: abro o app, plugo o carregador e resolvo almoçar (mesmo sem fome) para passar o tempo. Escolho a mesa colada no janelão do restaurante para acompanhar o carregamento – o totem da EDP tem uma luz azul que indica que o C40 está em processo de carga. A cada 10 minutos dou aquela espichada de olho enquanto saboreio um filé a parmegiana.

Desta vez, nada de sustos: carga em 90% e o Google Maps indica que chegarei ao Sheraton com folga. Aproveito e acelero um pouco mais o C40, especialmente na Carvalho Pinto, onde o limite é 120 km/h e as pistas permitem usufruir das retomadas. Mais algumas horas de puro prazer ao volante deste Volvo que mostra que elétrico pode (e tem de) ser divertido, até para aliviar a apreensão de estar em viagem com um EV.

Depois dos perrengues, chegada ao destino


             Pneu de perfil baixo do carro elétrico rasgou sem dó em uma cratera na Marginal Pinheiros. O de trás também…

Ainda tem tempo para um último contratempo, mas que causaria danos a qualquer veículo, a combustão ou não. Sim, quase nove horas depois de viagem, ao acessar a Avenida Nações Unidas próximo ao complexo WTC, não consigo desviar de um buraco que deixaria envergonhada qualquer cratera lunar. 

O C40 bate seco e os dois pneus de perfil fino do lado esquero não resistem: as bandas abrem dois rasgos generosos e só tenho tempo de levar o SUV-cupê devagarzinho até a porta do hotel. Pelo menos, serve para eu testar o Volvo on Call de dentro do veículo. 

Prontamente e cordialmente sou atendido e o reboque chega até antes dos 40 minutos previstos inicialmente. Enquanto isso, meu coração é poupado de fortes emoções: pelo celular, sou informado que meu Flu consegue a classificação nos acréscimos com um gol mais improvável do que aquela dupla de elétricos plugada ao mesmo tempo em Queluz.

Na volta, viagem de carro elétrico traz menos emoções


             Depois da primeira perna da viagem, C40 teve os pneus trocados e ficou pronto rapidamente

A TSO, empresa que cuida da frota de carros da Volvo, e a assessoria de imprensa da marca são ágeis. Apesar de serem pneus bem específicos, conseguem fazer a troca no dia seguinte e o C40 está pronto para o retorno ao Rio, previsto para uma terça-feira. 

Desta vez, tenho uma co-pilota, a repórter Natália Scarabotto. A volta ainda tem outra vantagem: devido aos imprevistos da carga no primeiro eletroposto, estamos mais planejados. A parada vai ser no mesmo Graal, em Guaratinguetá, quando fiz o segundo pit-stop da ida. Previsão de chegada lá com 37% das baterias.

No local, de novo “experimentado”, mudo a configuração de carregamento para a máxima de 100%. Desta vez não há motos ou motoristas mal-educados ocupando as vagas para os carros elétricos. Plugue de carga rápida acionado, vamos almoçar. 


             Parada no mesmo eletroposto, agora com as vagas livres para o C40

De novo, fico perto da janela do restaurante para ver se a luzinha azul do carregador da EDP não vai pregar peças. Uma hora e 20 minutos depois, voltamos e a carga está completa. Agora é só alegria até o Rio. No destino de parada da residência da Natália, na Zona Norte carioca, chegaremos com quase 30%.

Aproveitamos a descida da Serra das Araras com o One Pedal acionado. Nem é necessário frear. A cada curva acentuada o recurso serve como um freio motor excelente. E ainda poupa energia. Tanto que,  na descida, a porcentagem de carga da bateria apontada nos instrumentos sequer baixou.

Na ponta do lápis


             Google Maps do Volvo C40 traz a porcentagem da bateria com a qual se chegará no destino

Chegamos ao Rio sem sustos, após 7h30 de viagem. Ao descontar as quase duas horas que ficamos na parada obrigatória para carregamento, não deixa de ser um tempo normal. Ainda circulei pelo trânsito pesado do Rio por dois dias, inclusive em um dia de forte chuva em que alguns pedestres se afastavam do carro por medo de …. choque . Não, gente, carro elétrico não dá choque, faça chuva ou faça sol…

Na cidade, a perda de carga é muito menor, obviamente, pois os motores elétricos são menos exigidos. Depois de mais uma nova carga, rodei bastante e o computador de bordo revelou uma autonomia que chegou perto dos 400 km. No meu caso, rodando apenas 40 km por dia, carregar o carro uma vez por semana no Estapar ao custo da diária de R$ 32 pode ser até negócio.

Por fim, a viagem para São Paulo tem na economia o seu maior atrativo. Não tivemos custo para carregar as baterias. Se fôssemos de XC40 a combustão – que nem é vendido mais, porém serve como bom parâmetro -, seriam mais de 76 litros de gasolina para percorrer os mais de 900 km, com base na média rodoviária de 11,9 km/l do SUV aferida pelo Inmetro. 

Ao preço médio no país de R$ 7,202 o litro da gasolina comum, segundo levantamento feito pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) entre os dias 27/3 e 2/4, a despesa de nossa viagem de ida e volta seria de cerca de R$ 550. 

Porém, ainda há inconveniência de ter de parar por 1h30 para fazer o trajeto entre as duas maiores cidades do país. E, apesar de existirem pontos de recarga rápida,  é preciso ainda torcer para não ter nenhum outro carro elétrico no eletroposto – ou qualquer intruso na vaga. Fora a apreensão de não dar para chegar no seu destino, que é constante.

Fato é que teria um C40 fácil para o meu dia-a-dia na cidade. Nem descarto totalmente outra viagem a São Paulo, se estiver com tempo de sobra. Mas ainda faltam confiança e infraestrutura, ainda mais para fazer um roteiro que não seja pela Dutra. 

A médio prazo, porém, tudo leva a crer que isso será mais simples. As baterias dos carros elétricos aumentam de capacidade a cada lançamento e geram autonomias muito mais generosas. Mas, por enquanto, é melhor ficar no feijão com arroz.

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