No dia 11 de janeiro de 2021, a indústria automotiva foi pega de surpresa com o anúncio do fechamento das fábricas da Ford em Camaçari (BA) e Taubaté (SP), além do iminente fechamento da fábrica da Troller em Horizonte (CE). Mais de seis mil funcionários diretos ficaram sem emprego, causando um impacto econômico imensurável nos municípios.
Um ano depois, Autoesporte olha para o retrovisor e conta o que aconteceu com a Ford nos seus primeiros 365 dias como importadora. Apesar da saída repentina, a fabricante americana preparou terreno para uma reestruturação que promete ser longa. Acompanhe:
Virou marca premium, mas nem tanto
Sem Ka e EcoSport, o modelo mais barato da Ford passou a ser a Ranger — Foto: Divulgação
Com o fim da produção nacional, Ka, Ka Sedan e EcoSport saíram de linha, além do aventureiro Troller T4 que era feito no Ceará. O catálogo da Ford logo após o fechamento passou a ter apenas três modelos importados: a Ranger (produzida na Argentina), o Territory (importado da China) e o Mustang (que vem dos Estados Unidos).
A Ford nunca chegou perto de se declarar premium – ainda que seu veículo mais barato logo após o encerramento da produção fosse a Ranger XLS, que custava R$ 166.990. De qualquer forma, o valor é bem elevado para a maioria da população.
Parar de produzir o Ka, seu veículo mais emplacado nos últimos anos, parecia loucura em janeiro de 2021. Mas acompanhando a tendência do mercado nos meses seguintes, vemos que a Ford apenas se antecipou. Hatches compactos já não são lucrativos para as montadoras, e até a Fiat tirou o Uno de linha no final do ano passado. Em 2022, será a vez do Volkswagen Gol dizer adeus.
Continuou na Anfavea, apesar de não produzir
Um dos três modelos do catálogo da Ford no país, Territory é importado da China — Foto: Divulgação
Quem produz no Brasil é filiado à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). As marcas que importam podem fazer parte da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa). Mas, apesar do encerramento da produção no Brasil, a Ford continuará na Anfavea.
Isso porque mesmo após o fechamento das fábricas, a Ford mantém o Centro de Desenvolvimento de Produto de Camaçari como base nacional. Todos os carros continuam passando pela aprovação do time brasileiro de engenharia para regionalização. Um exemplo disso é a Ford Transit, lançada no ano passado.
Aumentou as vendas da Ranger
Ranger se tornou o modelo mais vendido da Ford no último ano — Foto: Divulgação
Sem o EcoSport, a Ford teve de apostar na Ranger como veículo de volume. Em 2021, a picape média emplacou 20.499 unidades, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), superando os 19.833 emplacamentos do ano anterior.
O aumento não foi tão expressivo, mas precisamos considerar que mais de 150 concessionárias da Ford fecharam em todo o Brasil durante a reestruturação. Ou seja, os lojistas que restaram estão lucrando mais com a Ranger, que até encareceu em 2021.
Lançou o Bronco, muito mais caro que o Compass
Ford Bronco Sport: SUV quer brigar com Discovery Sport, mas tem porte de Jeep Compass
Quando a Ford lançou o Bronco Sport nos Estados Unidos em 2020, levantou dúvidas sobre qual versão seria vendida no Brasil. O catálogo norte-americano era bem vasto, contando com os modelos Base, Big Bend, Outer Banks, Badlands e Wildtrak. Dependendo da versão lançada por aqui, o Bronco poderia concorrer com o Jeep Compass ou até com o Land Rover Discovery Sport.
O pacote Wildtrak foi o escolhido para o mercado brasileiro, ao preço de R$ 272.650. Logo, o verdadeiro objetivo da Ford não era peitar o Compass, o SUV médio mais vendido do Brasil, mas sim oferecer uma opção mais em conta para o Discovery Sport, de R$ 311.950.
O SUV da Ford tem 4,38 metros de comprimento e 2,67 m de entre-eixos, o que o aproxima muito do Compass e o distancia do Discovery Sport. O Jeep é maior no comprimento, com 4,42 m, mas é menor no entre-eixos, com 2,63 m. Já o Land Rover tem 4,59 de comprimento e 2,74 de entre-eixos.
Sob o capô, a versão Wildtrak é equipada com motor 2.0 turbo a gasolina de 240 cv e 38 kgfm, tração 4×4 e câmbio automático de oito marchas. Por enquanto, a opção 1.5 turbo de 178 cv e 26,3 kgfm está descartada para o mercado nacional.
Apresentou a Transit, mas sem versão chassi
Nova Ford Transit ainda não pode ser convertida para food truck ou pet shop móvel — Foto: Divulgação
Outro modelo da Ford que retornou ao mercado brasileiro em 2021 foi a Transit. Seus componentes são importados da Turquia e da Argentina para que a van seja finalizada na fábrica da Nordex, em Montevidéu (Uruguai). O pacote Brasil inclui versões de 17 lugares, 14 lugares e vidrada.
A nova geração tem o moderno motor 2.0 EcoBlue turbodiesel, capaz de desenvolver 170 cv de potência e 41,3 kgfm de torque. O câmbio é manual de seis marchas, que envia a força ao eixo traseiro.
A Ford quer morder uma parcela do segmento dominado pela Mercedes-Benz Sprinter, mas optou por não lançar versão chassi. Sendo assim, a Transit não pode ser convertida em food truck e pet shop móvel, por exemplo.
Preparou terreno para a Maverick, Mach E e F-150
Ford resgata o nome do cupê dos anos 1970 para a rival da Fiat Toro — Foto: Divulgação
A grande aposta da Ford em sua reestruturação será a Maverick. A picape resgata o nome do lendário cupê dos anos 1970 e promete ser uma opção mais em conta que a Ranger. Marcada para estrear no primeiro trimestre de 2022, tem o mesmo trem de força do Bronco Sport, que reúne motor 2.0 turbo a gasolina de 253 cv e 38 kgfm, câmbio automático de oito marchas e tração integral.
No primeiro momento, a Maverick será vendida no Brasil apenas na versão Lariat FX4, a mais cara na América do Norte. Dependendo do desempenho nas concessionárias, a Ford poderá lançar outras variantes.
Nova Ford Maverick: a “mini” F-150 quer desbancar a Fiat Toro no Brasil
No visual, a Maverick traz semelhanças com a F-150, apesar de ser bem menor. Mas a sensação de robustez é a mesma, com capô elevado e grade e faróis enormes. Como há um forte apelo para o uso off-road, a picape traz dois ganchos de reboque no para-lamas.
Ford F-150 chegará para concorrer com a RAM 1500 — Foto: Divulgação
A F-150 também é aguardada no Brasil para fisgar uma parcela do segmento dominado pela RAM 1500. A picape grande tem três opções de motorização na América do Norte: 3.5 V6 de 405 cv, 3.5 V6 híbrida com 436 cv e 5.0 V8 de 400 cv. A Ford ainda não confirmou qual delas será lançada no Brasil.
Mustang Mach-E será o primeiro carro elétrico da Ford — Foto: Divulgação
Já o Mustang Mach-E será o primeiro carro elétrico da Ford no Brasil. O SUV, que chega para concorrer com Jaguar I-Pace e Audi e-tron, tem duas versões nos Estados Unidos, sendo a básica com apenas um motor capaz de entregar 270 cv de potência, e a de topo com dois motores (um em cada eixo) e 371 cv. Nessa última configuração, o Mustang pode atingir 100 km/h em 4,8 segundos. Assim como a F-150, a Ford ainda não confirmou qual delas será lançada no Brasil.
Volume de vendas teve queda de mais de 100 mil veículos em um ano — Foto: André Schaun
Lembrada como uma das “quatro grandes” no Brasil, a Ford teve um ano turbulento com o fim da produção nacional. Somando automóveis e comerciais leves, a marca emplacou apenas 37.778 unidades, ficando na 11a colocação no ranking da Fenabrave em 2021.
Em 2020, mesmo com o início da pandemia, a Ford ainda conseguiu se manter como a quinta fabricante que mais emplacou automóveis no Brasil. Segundo a entidade, 139.255 unidades foram vendidas naquele ano – uma diferença de mais de 100 mil veículos para os resultados do último ano, o que a fez perder seis posições no ranking das fabricantes.
Os carros mais vendidos da Ford em 2021*
Modelo | Emplacamentos |
Ranger | 20.499 |
Ka | 8.464 |
EcoSport | 2.992 |
Territory | 2.231 |
Ka Sedan | 1.910 |
Bronco Sport | 1.053 |
Mustang | 485 |
*A Ford Transit 2022 ainda não consta nos dados da Fenabrave
Antes de fechar Camaçari e Taubaté, a Ford encerrou a produção em São Bernardo do Campo (SP) em 2019 — Foto: Divulgação
O fim da produção da Ford foi mais um indício do processo de desindustrialização que se iniciou no Brasil. Além da fabricante norte-americana, a Mercedes-Benz parou de fabricar automóveis em Iracemápolis (SP) no final de 2020. Fora do segmento automotivo, Sony e LG também deixaram de produzir.
A Ford foi a primeira marca de automóveis a instalar uma fábrica no Brasil, em 1919. Seus primeiros veículos foram os modelos T e TT, inicialmente montados em um armazém na região da Santa Efigênia, na capital paulista, antes da produção ser realocada para a Praça da República.
Em 1968, a Ford comprou a fábrica de São Bernardo do Campo (SP), que pertencia à Willys Overland do Brasil. Este complexo foi fechado no final de 2019, encerrando a produção de caminhões e do hatchback Fiesta. Hoje o terreno pertence a uma construtora que já iniciou a demolição.
Em 2001 foi inaugurada a fábrica de Camaçari, onde foram produzidos os modelos Ka, Ka Sedan, Fiesta, EcoSport e Courier. Com o fechamento em 2021, o complexo está inativo, mas fabricantes chinesas teriam interesse em arrematá-lo. As negociações ainda não avançaram.
Fábrica da Troller em Horizonte, no Ceará, foi fechada em novembro do ano passado — Foto: Divulgação
A Troller foi fundada em 1995 pelos empresários Rogério Farias e Mário Araripe na cidade de Horizonte, no Ceará. A Ford comprou a marca – e consequentemente sua fábrica – no dia 4 de janeiro de 2007. Até 2021, 400 funcionários trabalhavam na instalação.
Conforme apurado pelo Diário do Nordeste, duas empresas brasileiras que não pertencem ao setor automotivo estariam negociando a aquisição do complexo, mas não para produzir o T4. Em um primeiro momento, a Ford cogitou vender a marca Troller como um todo para que os carros continuassem saindo da linha de montagem. Sem interessados e por conta de entraves com o governo cearense, a fábrica fechou as portas no final do ano passado.
Quer ter acesso a conteúdos exclusivos da Autoesporte? É só clicar aqui para acessar a revista digital.