Os híbridos leves são carros que usam um motor extra elétrico para reduzir o consumo, mas não são capazes de rodar por aí sem gastar gasolina ou etanol. Mesmo assim, a legislação permitiu que a Mercedes homologasse o C200 EQ Boost sob o mesmo chapéu de Toyota Prius e Ford Fusion, tendo acesso a benefícios fiscais e, de quebra, à primazia de fazer o “primeiro híbrido nacional”.

O novo Audi Q7 detém a mesma tecnologia, mas foi classificado como um SUV convencional, perdendo vantagens como a isenção de rodízio em São Paulo e IPVA menor em alguns estados. A confusão aconteceu por conta de uma legislação confusa e ainda obscura acerca de algumas tecnologias.

O resultado: do ponto de vista legal, os dois carros com sistemas idênticos não são considerados iguais.

O novo Q7 é um híbrido-leve como o C200, mas não do ponto de vista da lei — Foto: Divulgação

O Denatran explicou a situação de forma sucinta para Autoesporte. “A homologação do veículo é realizada a partir das informações prestadas pelo fabricante ou importador do veículo. Nesse sentido, informamos que o veículo Mercedes C200 EQ Boost foi homologado como híbrido (elétrico e gasolina). No entanto, não identificamos nenhum processo de Audi Q7 que tenha sido homologado como híbrido”, afirmou o órgão.

Os híbridos leves usam um conjunto elétrico que funciona como alternador e motor de arranque — Foto: Divulgação

A ausência de processo específico para híbridos com o Q7 foi detalhado pela própria Audi. Segundo a fabricante, a justificativa foi (finja alguma surpresa) a legislação brasileira confusa.

“Na época de homologação do novo Q7 para o mercado brasileiro, existiam algumas dúvidas legais quanto à possibilidade de homologar o modelo como híbrido. Como estas dúvidas não foram sanadas até o momento da homologação na Europa, a Audi do Brasil decidiu iniciar o processo como um veículo tradicional à combustão, mesmo com carga de impostos maior do que as de um veículo híbrido.”

O processo de homologação requer diferentes rodagens em dinamômetros controlados — Foto: Divulgação

Mas o Ibama, um dos órgãos responsáveis pela homologação de automóveis no Brasil, deu a palavra final: o Q7 não seria classificado como híbrido nem se a Audi quisesse. “Os veículos Mercedes e Audi são de porte diferentes, o que explica a aprovação de um e reprovação [como híbrido] do outro”, afirmou.

Ironicamente, nem a Audi e Mercedes consideram seus carros híbridos. As fabricantes defendem que, como o motor elétrico pequeno não é capaz de mover o veículo por conta própria, esses modelos são considerados internamente como versões convencionais a combustão.

O C200 EQ Boost montado em Iracemápolis (SP) foi o primeiro carro híbrido nacional — Foto: Divulgação

“A tecnologia EQ Boost visa reduzir emissões e o consumo de combustível, mas não pode ser equiparada aos híbridos tradicionais”, detalha Dirlei Dias, gerente sênior de vendas e marketing da Mercedes do Brasil. “Mas o C200 é um híbrido do ponto de vista legal, inclusive no aspecto de tributação.”

Isso girou uma situação inusitada para a marca: se fosse classificado como um carro convencional, essa versão pagaria 13% de IPI, já que seu motor a gasolina tem 1,5 litro de cilindrada, ficando na faixa de cobrança de 1.1 a 2.0.

Mas a taxação dos híbridos e elétricos no país ignora o deslocamento e potência dos motores e considera a massa total do carro. Aí a tecnologia EQ Boost pesa (com o perdão do trocadilho) no bolso, e faz o imposto subir para 19%.

Nos detalhes
E, no final das contas, o que é um carro híbrido sob o ponto de vista da legislação brasileira. Quem nos respondeu foi Sandro Alves, engenheiro de assuntos regulatórios da Mercedes no Brasil.

“A bateria do carro precisa ter capacidade para entregar 2% ou mais da energia consumida pelo carro no ciclo de testes em dinamômetro”, detalha.

A homologação de veículos híbridos e elétricos requer laboratórios especializados e ainda raros no Brasil — Foto: Divulgação

Medir essa energia não é nada fácil: enquanto o consumo de combustível é medido analisando a massa da gasolina (ou etanol/diesel) queimada durante as provas em laboratório, com a energia elétrica o assunto muda de figura.

Neste caso é necessário adicionar uma série de equipamentos específicos para medir variações de tensão e corrente. São aparelhos tão sensíveis que é preciso até desmagnetizar os sensores antes de cada prova, para evitar qualquer interferência.

Também são necessários alguns ciclos de rodagem antes das medições propriamente ditas, para equilibrar a carga da bateria de alta tensão e permitir que ela não influencie nas provas”, continua Alves.

Até o processo de recarga (nos casos dos híbridos plug-in) é monitorado, e deve ser feito em ambiente com temperatura e umidade controlados. “As rodagens necessárias em laboratório para homologar um carro híbrido no Brasil podem consumir mais de uma semana“, falou Rodrigo Konji, coordenador da comissão técnica de veículos propelidos à eletricidade da AEA durante curso da entidade sobre, adivinhe: homologação de carros híbridos e elétricos no país.

Se as regras ainda não ficaram claras para você, não se martirize: as próprias montadoras estão sofrendo com o tema, e o problema deve ficar ainda mais complexo no futuro, com a chegada de tecnologias como a híbrida-série do Nissan Kicks.

Quem sai perdendo com a bagunça governamental, claro, é o consumidor. Seja pagando mais impostos, como no Classe C, seja sem ter acesso à benefícios fiscais e de circulação, como os donos do novo Q7.

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