Ouvindo os discursos dos fabricantes de automóveis sobre “eletrificação”, pode-se pensar que os motores a combustão — a gasolina, diesel ou flex — vão desaparecer em alguns anos para dar lugar aos carros elétricos movidos a bateria.
Mas as coisas não são exatamente assim, pois, mais do que elétricos de verdade (que estão em crescimento), falam de carros eletrificados – isto é, equipados com motores a combustão interna e um motor elétrico, com funções e tamanhos diferentes, de acordo com o esquema técnico.
Vão do híbrido leve (mild hybrid) simples, que só ajuda o motor a combustão, até os híbridos plug-in, que permitem viajar no modo elétrico por dezenas de quilômetros, contando com a unidade a combustão quando a energia da bateria acabar.
NÃO SÓ NOS CARROS
Por isso, os “velhos” motores a combustão continuarão em nossos carros e estão longe de se aposentar. Também porque, além dos carros, são usados em muitas outras aplicações: cerca de 230 milhões de motores a combustão são produzidos por ano – bem mais que os 70 milhões de carros de 2018.
Mas, certamente, estes motores a combustão também terão que se tornar mais eficientes. Porque o imperativo é a redução da emissão de CO2 – que só é possível consumindo menos combustível. Portanto, o desenvolvimento dos motores continuará visando aumentar a eficiência térmica – para obter mais da combustão de um litro de gasolina ou diesel.
Porque nesta área não se pode dizer que os motores a combustão são virtuosos: hoje, os melhores têm eficiência de 40 a 45%, e este número diminui bem quando se sai das condições favoráveis de uso. Enquanto isso, os elétricos transformam mais de 90% da energia consumida em trabalho.
QUESTÕES DO CORAÇÃO
Muitas técnicas e dispositivos foram desenvolvidos para aumentar a eficiência dos motores a combustão, e novos – como injeção de água – entrarão em cena, tornando os motores tradicionais muito mais sofisticados em comparação com os de um passado recente. Mas o “coração” do problema está na combustão.
Os técnicos trabalham há tempos em novos sistemas para fazer melhor uso da energia do combustível. Um deles é a combustão por compressão de uma mistura muito magra, com ao menos o dobro do ar para a mesma quantidade de gasolina: uma situação que no passado foi criada em condições limitadas.
A Mazda deu um passo à frente com seu motor Skyactiv-X (leia mais aqui), que aciona a combustão por compressão graças à expansão de pequena parte da mistura mais rica, acesa pela vela de ignição. Outros incluem uma pré-câmara onde a mistura estequiométrica é inflamada: os jatos do gás em combustão fazem os fãs sonharem com um motor eficiente com orifícios de comunicação com o cilindro que iniciam a combustão da parte da mistura “magra”.
A redução das emissões de CO2 dos motores a combustão, no entanto, também pode ser obtida com abordagem radicais, como intervir na origem dos combustíveis. Em vez dos fósseis, poderiam ser usados os sintéticos, obtidos pela reação do hidrogênio obtido pela eletrólise da água (usando eletricidade de fontes renováveis) com o CO2. Ou os biológicos, de resíduos.
Dessa forma, o CO2 seria subtraído do ambiente, para ser liberado mais tarde, com o uso de gasolina sintética, e o saldo final seria zero. Isso poderia trazer vantagem imediata, porque a transformação da frota deve ser lenta. Mas exigiria grande disponibilidade de energia renovável, sem mencionar que o custo seria alto.
No fim das contas, é cedo para para dar adeus à gasolina e ao diesel: sozinhos ou ajudados por motores elétricos, os motores a combustão e seus pistões ainda moverão os carros por muitos anos. Ilustramos a seguir alguns sistemas para aumentar a eficiência dos motores a combustão.
DISTRIBUIÇÃO: FLEXIBILIDADE MÁXIMA
Quase todos os motores a combustão modernos são construídos com comando variável, ou variadores de fase, pelo menos na admissão, mas frequentemente também no escape. Eles permitem que a abertura das válvulas seja controlada em seu tempo, e assim adaptada às mais diferentes condições de uso, melhorando o desempenho e reduzindo o consumo do carro, além de possibilitar, por exemplo, operar simulando o ciclo de Atkinson (como faz o Toyota Corolla, tanto híbrido quanto o flex – leia aqui).
Um passo além fica a variação da abertura, ou levantamento, da válvula, o que amplia ainda mais as possibilidades de gerenciar e alterar com precisão o fluxo da mistura, sem o uso da clássica borboleta.
Deste modo, há uma redução nas perdas devido ao estrangulamento que isso causa no coletor de admissão quando há pouca carga no acelerador (ele é pressionado levemente). Assim, a eficiência aumenta. Os sistemas de abertura variável podem ser mecânicos, como o Valvetronic, da BMW, ou mais flexíveis, com um sofisticado controle eletro-hidráulico, como o MultiAir, da Fiat.
DESATIVAR CILINDROS PARA RESPIRAR MELHOR
Quando dirigimos pisando leve no acelerador, como em muitas das situações de trânsito urbano, o motores a combustão a gasolina tem eficiência muito baixa, porque a borboleta do coletor de admissão fica quase totalmente fechada e o motor respira muito mal.
A desativação dos cilindros – de um a seis deles, de acordo com a construção do motor e o número de cilindros – ocorre fechando as respectivas válvulas e interrompendo a injeção e a ignição.
Dessa maneira, para fornecer a mesma energia necessária para mover o carro, os cilindros restantes acabam precisando trabalhar mais. Como consequência, é necessário pressionar um pouco mais o acelerador, o que aumenta o grau de abertura da borboleta.
Dessa forma, o motor respira melhor e sua eficiência energética aumenta, em benefício do consumo e das emissões de CO2. Audi Q3 e VW Polo europeus têm o sistema, mas aqui as marcas “economizaram” nesta tecnologia. O novo Mercedes Classe A Sedan (nesta edição) tem motor Renault com esse sistema (clique aqui para ler).
TURBO: COMPRESSÃO ELETRIFICADA
Nos últimos anos, os motores passaram pelo famoso downsizing: sua capacidade diminuiu – junto com o número de cilindros, para aumentar a eficiência mecânica e térmica –, mas sua potência específica aumentou. Um exemplo é o motor 1.0 TSI da Volkswagen, que substitui unidades 1.6 com torque de 2.0 (leia aqui a avaliação do T-Cross com este motor).
Isso ocorreu, principalmente, graças ao uso da sobrealimentação por turbos. Mas o problema é que as turbinas só proporcionam um grau satisfatório de sobrealimentação quando atingem uma velocidade de rotação bem alta. Isso significa que, em baixas rotações, o motor não é alimentado com uma quantidade suficiente de ar e, portanto, pode ficar devendo força (torque).
É por isso que o desempenho dos motores turbo em regimes de rotação inferiores não é tão bom. O compressor elétrico resolve esse problema: com sistema elétrico de 48 volts, que suporta 5 kW, pode gerar instantaneamente forte sobrealimentação, de modo totalmente independente da rotação do motor a combustão. Desta forma, acaba-se com o atraso ou retardo da resposta (turbo lag), e um alto torque é entregue imediatamente.
A Mercedes-AMG já anunciou a adoção do sistema — leia mais aqui.
COMPRESSÃO: VIVA A VARIEDADE
O aumento da taxa de compressão é uma receita conhecida para aumentar a eficiência de um motor a combustão. Mas esta taxa costuma ser limitada (pela gasolina, não pelo etanol) para evitar a detonação – a ignição espontânea e descontrolada da mistura, que é muito prejudicial e pode ocorrer em condições de uso mais severas. A taxa de compressão é limitada justamente para evitar problemas nessas situações.
Mas ela poderia ser aumentada quando o motor trabalha em situações menos extremas, não? A taxa de compressão variável Infiniti VC-T (abaixo) é criação do braço de luxo da Nissan: um mecanismo oscilante altera a posição dos pontos mortos do pistão, permitindo que a taxa de compressão varie de 8:1 a 14:1.
SKYACTIV-X: A GASOLINA QUE FINGE SER DIESEL
Para aumentar a eficiência de um motor motores a combustão movido a gasolina, ele pode ser operado como um a diesel, ou seja, com uma mistura bem magra e ignição por compressão. Aqueles que tentaram isso no passado obtiveram um mecanismo capaz de trabalhar dessa maneira apenas em condições muito restritas de uso.
A japonesa Mazda é a primeira a superar essa limitação. Seu Skyactiv-X (acima) tem um injetor que funciona em duas fases: na entrada, ele injeta uma pequena quantidade de gasolina no cilindro, formando uma mistura muito magra com o ar já presente.
Na compressão, por outro lado, ele injeta outra dose de combustível, que se acumula ao redor da vela, formando uma área com mistura mais rica em gasolina – o suficiente para que possa ser facilmente acesa com a faísca.
A expansão resultante atua como uma espécie de pistão “virtual”, que aumenta a taxa de compressão, já alta, e, portanto, permite que seja feita a ignição por compressão da carga restante da mistura magra. Muito engenhoso, não é mesmo?
TRANSMISSÕES: MAIS E MAIS MARCHAS
Os motores motores a combustão que usam gasolina atingem sua máxima eficiência quando usados em baixas rotações com o acelerador bastante pressionado, de modo a manter a borboleta aberta. Isso aumenta a eficiência mecânica e volumétrica.
Nas diferentes situações reais de uso, porém, tais condições raramente ocorrem. Para torná-las mais frequentes, as relações de transmissão devem ser multiplicadas ou infinitas, como no caso dos câmbios CVT, que também precisam ter um grande espaçamento entre a maior e a menor relação.
Este resultado pode ser obtido, na prática, apenas com transmissões automáticas convencionais, aquelas que passaram das duas ou três marchas originais para as nove ou dez atuais, como que a Ford usa até mesmo no Mustang, por exemplo (leia aqui a avaliação).
Além disso, as transmissões mais modernas têm uma lógica de gerenciamento cada vez mais sofisticada, capaz de se comunicar com o navegador por GPS e sistemas de assistência ao motorista para implementar a estratégia mais adequada às condições da estrada e de tráfego, e as estilo de condução do motorista.
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