Fábrica da Tesla, nos Estados Unidos (Foto: Divulgação/Tesla)

Exercer a futurologia é um ofício arriscado por natureza. Mas nem o mais pessimista dos analistas conseguiria aproximar-se do cenário global desenhado nesses primeiros meses de 2020. Em quatro meses, uma crise geopolítica que quase se transforma em guerra entre Irã e Estados Unidos, briga comercial entre os exportadores de petróleo e uma pandemia que não tem data para arrefecer.

E se toda a indústria automotiva já está se preparando para encarar o tombo nas receitas, um setor em específico tem (ainda mais) motivos para ficar bastante preocupado. Com o choque dos preços dos combustíveis fósseis e a desaceleração econômica, analistas entendem que o mercado de carros elétricos enfrentará dificuldades para continuar o seu processo de expansão.

Em perspectivas ainda preliminares, a consultoria IHS Markit estima que as vendas de veículos sofrerão uma queda de 12% neste ano, com 78,8 milhões de unidades comercializadas em todo o mundo. “A indústria automotiva testemunhará uma queda de demanda sem precedentes para este ano”, afirmou o relatório da empresa.

Para os carros elétricos, o impacto será exponencialmente maior: em abril, a consultoria Wood Mackenzie afirmou que a queda será de 43%, passando de 2,2 milhões de veículos vendidos em 2019 para 1,3 milhão. Vale ressaltar que todos esses indicativos ainda são preliminares e não contam com os desdobramentos causados pela pandemia de Covid-19.

Ford Mustang Mach E, 100% elétrico (Foto: Divulgação/Ford)

Diversos lançamentos de veículos elétricos que ocorreriam neste ano serão adiados. Nos Estados Unidos, a GM dificilmente apresentará novidades em sua linha eletrificada e o Ford Mustang Mach E, que chegaria em novembro, só chegará às lojas a partir de 2021.

Primeiro país a ser afetado pelo novo coronavírus e maior mercado de veículos elétricos, a China presenciou as vendas despencarem nos primeiros meses do ano. Para direcionar os recursos no combate à doença e na manutenção das atividades essenciais da economia, o governo chinês reduziu alguns dos programas de incentivo fiscal para a compra de veículos elétricos. Tais subsídios serão restaurados após o fim do período mais agudo da crise sanitária.

Para ter ideia, a fabricante chinesa BYD vendeu “apenas” 10.433 veículos elétricos em março, contra mais de 30 mil unidades negociadas no mesmo período em 2019. A NIO, outra expoente da eletrificação na China, afirma que vendeu 1.533 carros em março, melhorando seus resultados em relação a fevereiro, quando os negócios estavam praticamente paralisados.

Com 3 bilhões de pessoas em lockdown em todo mundo e redução da mobilidade de uma forma geral em todos os modais, há a previsão de redução de vendas de veículos elétricos, mas espera-se que ocorram comportamentos diferentes em diferentes mercados”, afirma Fernanda Delgado, professora e pesquisadora da FGV Energia.

“O mercado chinês tende a ser mais conservador em seus gastos e a reduzir o consumo o que afeta as vendas de veículos elétricos. Já o mercado europeu não apresentou redução nas vendas, segundo dados de uma pesquisa da consultoria Wood Mackenzie”, explica.

Trabalhador da Tesla em fábrica nos Estados Unidos (Foto: Divulgação/Tesla)

Em março, pouco antes da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a Covid-19 como uma pandemia, outro fato ajudou a reduzir o otimismo do mercado de veículos elétricos. Após uma queda de braço entre Arábia Saudita e Rússia pelo preço do barril do petróleo, os dois países anunciaram que aumentariam a extração do combustível fóssil — o que, consequentemente, derrubaria o valor final do produto.

Diante da iminente recessão global, as nações que possuem grandes reservas de petróleo concordaram em abril a diminuir a produção de barris. Mas, de acordo com os especialistas, tal medida medida apenas amenizará os danos de uma economia global cada vez mais deprimida e que diminui sua produção geral de mercadorias.

Em choque
No Brasil, o mercado de carros elétricos ainda está longe de decolar — com ou sem crise. Mas o cronograma de lançamentos no país ainda se mantém para 2020: o Audi e-tron, novo SUV 100% elétrico da montadora alemã, está previsto para ser lançado oficialmente no país até o final de abril. Já o Fiat 500e, que dispensa um motor a combustão, ainda não tem data oficial para chegar, mas é um dos lançamentos programados da fabricante italiana para o Brasil.

Fiat 500e elétrico (Foto: Divulgação)

Diante da piora no cenário econômico e ameaça de fechamento de postos de trabalho, empresas ligadas ao setor de eletrificação acreditam que incentivar a inovação e ampliar a infraestrutura disponível pode ser uma saída para que o Brasil retome sua atividade produtiva.

Teremos uma grande expansão da mobilidade eletrifica a partir do próximo semestre, com novas vias eletrificadas e a interligação de grandes centros; trabalho este desenvolvido em conjunto com concessionárias de energia, rodovias e empresas de soluções tecnológica”, afirma Marcel Serafim, diretor de marketing de produtos da ABB Eletrificação, que estabeleceu parcerias para instalar carregadores em rodovias de diferentes estados no Brasil.

Apesar de qualquer atividade ligada à produção ser mais do que bem vinda diante da atual conjuntura, especialistas afirmam que é essencial o governo também ficar atento às atividades já consolidadas no país relacionadas com a indústria automotiva.

“Aparentemente, a indústria brasileira de etanol e biodiesel não resistirá a esta crise caso o preço do petróleo permaneça em níveis próximos aos US$ 25-30 por barril. Portanto, são necessárias ações urgentes para que a indústria consiga resistir”, diz Fernanda Delgado. “A ausência de medidas em auxílio aos biocombustíveis pode acometer, ainda neste ano, um pedaço relevante dos mais de um milhão de empregos do setor no interior do Brasil.”

Nissan Leaf em posto de recarga rápido disponibilizado pela empresa ABB, em São Paulo (Foto: Thiago Tanji)

Copo meio cheio
Nos países escandinavos, onde há fortes incentivos para a substituição da frota por veículos elétricos, as notícias são promissoras para este mercado.

Apesar de ter sofrido uma queda geral de 42% na venda de novos veículos, a Dinamarca viu crescer a porcentagem da participação de carros que dispensam o uso do motor a combustão. No primeiro trimestre, houve um aumento de 90% das vendas em relação ao mesmo período em 2019, com 4.166 novos veículos emplacados.

O principal modelo elétrico comercializado na Dinamarca foi o Tesla Model 3. Em outros países, os carros da empresa fundada pelo sul-africano Elon Musk também estão demonstrando um bom desempenho. Nos primeiros meses de 2020, a Tesla abocanhou 30% do mercado de elétricos na China, vendendo 10.160 unidades.

Após inaugurar uma mega fábrica no país asiático, em outubro passado, a produção cresceu. Junto da linha de montagem instalada na Califórnia, a Tesla fabricou 103 mil novos carros nos primeiros três meses do ano.

Ainda assim, a companhia anunciou que cortará em 30% os salários dos vice-presidentes, em 20% os rendimentos dos diretores e em 10% o dos trabalhadores. Tudo isso para enfrentar o pico da crise do coronavírus nos Estados Unidos, que motivou o fechamento temporário de suas instalações no país. Assim como cada um de nós, a Tesla só quer que tudo isso passe logo.



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