A expectativa sobre a possibilidade de retorno das aulas presenciais j no mais a maior preocupao dos operadores do servio de transporte de estudantes na Regio Metropolitana de Belo Horizonte. Protocolos de segurana sanitria que limitam o nmero de passageiros metade e os sucessivos aumentos dos combustveis ameaam colocar uma p de cal na esperana de retomada do trabalho. Representantes dos transportadores estimam que, se as aulas presenciais fossem reiniciadas de imediato, em um cenrio positivo, sem sistema hbrido ou escalonado, apenas 60% da frota de escolares teria condio de voltar s ruas.
O panorama, classificado como “devastador”, apontado pelo presidente do Sindicato dos Transportadores de Escolares da Regio Metropolitana de Belo Horizonte (Sintesc), Carlos Eduardo Campos. Ele taxativo ao afirmar que, se o retorno for escalonado, no haver transporte escolar. “O cenrio muito grave. Se voltar alternando dias da semana e com nmero reduzido de alunos, no vai ter transporte escolar nenhum. No tem como funcionar desse jeito. Na matriz do transporte, 50% custo de operao. Em uma van em que cabem 15 alunos, (os valores pagos por) sete so para cobrir gastos com gasolina, no cobre o custo total do carro. Ou a prefeitura subsidia o transporte escolar ou os pais tero que pagar o dobro. E nenhuma dessas opes vai acontecer”, afirma.
A suspenso das aulas em 18 de maro de 2020 e o prolongamento da crise sanitria acabou levando motoristas a tentar outros meios de sustentao. Estima-se que, na Grande BH, 40% dos filiados j renunciaram s autorizaes para rodar como escolares. A migrao para servios de entregas, de e-commerce e aplicativos, fretamentos e convnios para transporte de funcionrios de empresas pblicas e privadas foi uma forma de tentar sobreviver. Mas eles reclamam de baixa remunerao e demora nos pagamentos, em um mercado com grande oferta de mo de obra.
De entrega de marmitex a produo de linguia
Eduardo Pereira de Paula, de 50 anos, atua no sistema de transporte escolar h 10 anos. Ele diz que se considera esquecido pelo Estado. Sem renda garantida desde 18 de maro de 2020, ele conta que at junho conseguiu apoio de pais que mantiveram o pagamento das mensalidades. “Mas a situao apertou para todos e ele suspenderam as mensalidades”, acrescenta. A van foi para a garagem e o condutor vem tentando se manter com entregas em seu carro particular, via aplicativos. Tentou tambm servios dos Correios, mas os fretes, conta, alm de muito baixos, demoram 60 dias para ser pagos.
Eduardo diz no ver sada a no ser procurar outro meio de renda. “Falaram que as aulas voltariam em maro, mas nada foi decidido. Com o agravante de que s poderemos levar a metade da lotao. Com os combustveis aumentando em disparada e a mesma mensalidade que os pais pagavam em 2019, estamos sem ter para onde correr. Vou tentar voltar a trabalhar como motorista de caminho”, lamenta.
Amauri dos Santos, de 50 anos, estava no ramo h 12, com um micro-nibus. Apesar de morar em Santa Luzia, na Grande BH, sua rota com os estudantes era no entorno do Bairro Planalto, na Regio da Pampulha, em BH. Ele e a mulher tinham esperana de que a pandemia acabasse logo, mas o tempo foi passando, as dvidas se acumulando e eles tiveram que vender o carro de passeio para conseguir manter as contas em dia. Agora, fazem marmitas e entregam em Santa Luzia.
“Este micro-nibus, parado, me d uma despesa anual de R$ 3 mil reais com documentao. Vendi um carro e fui mantendo as despesas da casa, mas o dinheiro acabou e tem quatro meses que comeamos a fazer marmitex. Fome a gente no passa, mas tem dado para pagar s as despesas da casa. No sobra para mais nada. Estou sobrevivendo”, define Amauri.
Dos 56 anos de Antnio Roberto Brando, 26 foram dedicados ao transporte escolar.
Morador de Contagem, ele fazia o transporte de alunos em seu nibus que comporta 40 estudantes. A falta de esperana na retomada integral das aulas o obrigou a comear, com a esposa, a produzir linguia artesanal para vender. A ajuda dos amigos foi essencial. “Os pais de alunos nos ajudaram no incio da pandemia e mantiveram metade das mensalidades por um tempo. Eu peguei o maquinrio de fazer linguia emprestado com amigos, porque no tinha dinheiro para investir”, relata ele. Para ajudar a fechar as contas no fim do ms, o motorista conta que ainda roda para aplicativos de transporte de passageiros por cerca de 13 horas dirias.
O drama da perda de veculos financiados
Entre os problemas mais relatados pelo presidente do Sindicato dos Transportadores de Escolares est a perda do veculo por falta de pagamento das prestaes ou necessidade de vender o carro. “J so 12 meses parados. Muitos perderam os carros por no conseguirem arcar com prestaes. A grande maioria no tem condies emocionais de se restabelecer. uma classe que est desamparada. So pessoas mais velhas que o mercado de trabalho j no absorve com tanta facilidade. Muitos motoristas esto com depresso”, afirma Carlos Eduardo.
Para muitos, a soluo foi entrar na Justia com pedido de suspenso temporria das prestaes. Segundo o sindicalista, em 70% dos casos a suspenso foi concedida por liminar. Mas ento surgiu novo problema. Enquanto os motoristas, sem fonte de recurso, entravam no juizado de pequenas causas, as instituies financiadoras usavam a Justia comum para retomar os veculos. “Vem ocorrendo um conflito de decises. Muitos, com liminar em mos garantindo a posse, foram surpreendidos com um oficial de Justia na porta de casa, com ordem judicial de levar o veculo de volta ao financiador. Isso causa de grande apreenso na categoria e provoca uma enorme insegurana jurdica”, reclama.
Ele conta que, depois que o sistema de transporte escolar parou, na busca por outros meios de sobrevivncia muitos motoristas se sujeitaram a ganhos incompatveis com a renda anterior. Boa parte desistiu e partiu para garantir apenas a subsistncia da famlia. “Temos casos de filiados que passaram a trabalhar como garons, pedreiros, faxineiros, motorista de aplicativo”, relata.
Mercado se aproveita o excesso de oferta
Para quem resolveu tentar permanecer atrs do volante, a situao financeira no ficou melhor. “O mercado se aproveita da situao e paga um valor muito baixo, em torno de R$ 150 por dia ou R$ 4 por entrega. Desse valor temos que tirar o combustvel e a manuteno do veculo. Sobra apenas para as despesas pessoais. Para quem ainda tem prestao a pagar, fica impossvel se manter”, argumenta o presidente do sindicato.
A entidade, que rene 3 mil filiados, diz que em Belo Horizonte foram concedidas cestas bsicas pela prefeitura, mas que o auxlio no contemplou quem tinha empresa registrada (CNPJ) ou era microempreendedor individual (MEI).
EXIGNCIAS SUSPENSAS A Prefeitura de Belo Horizonte informou em nota que, com objetivo de atenuar as dificuldades enfrentadas pelos transportadores escolares, medidas foram discutidas com representantes das categorias em vrios encontros ao longo de 2020. Alm da distribuio de cestas bsicas, o Registro de Condutor e a Autorizao de Trfego esto suspensos por tempo indeterminado, e houve prorrogao da vida til dos veculos por at 24 meses, segundo a administrao municipal.
No perodo de suspenso das aulas presenciais, os donos de veculos do transporte escolar foram dispensados de apresentar BHTrans os laudos de inspeo veicular e da exigncia do curso de operadores do servio, acrescentou a prefeitura. Ainda segundo o municpio, o transportador poder substituir o veculo atual por outro de ano fabricao inferior, respeitando-se apenas o limite de vida til previsto para o setor.