- Conteúdo verificado: Post no Twitter do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, em que afirma que a saída da Ford não tem relação com o Brasil
São falsas as afirmações feitas em um tuíte pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub de que a Ford não decidiu sair apenas do Brasil, e sim parar de produzir “veículos de passageiros” em todo o mundo. Desde 2018, a empresa vem anunciando a interrupção na fabricação de alguns modelos de carros de passeio – como o Focus e o Fusion – nos Estados Unidos. O anúncio da última segunda-feira (11), no entanto, foi do fechamento das três fábricas que a montadora tem no Brasil, enquanto aumenta os investimentos para continuar produzindo carros em países vizinhos, como Argentina e Uruguai.
O tuíte também afirma que a Ford estaria desistindo de competir com outros fabricantes de veículos europeus e asiáticos. Para o coordenador de Cursos Automotivos da Fundação Getúlio Vargas, Antônio Jorge Martins, ouvido pelo Comprova, isso não procede. Para ele, o que está por trás da decisão da Ford é a estratégia de produzir nos locais onde está presente e ofertar mais produtos tecnológicos, escolhendo um nicho de mercado.
Também não é verdade que a Ford irá produzir agora “apenas caminhonetes e o Mustang” em todo o mundo, como afirma o ex-ministro. No comunicado em que fala sobre o fechamento das fábricas no Brasil, a Ford diz que continuará atendendo a região da América do Sul com seu “portfólio global de veículos, incluindo alguns dos veículos mais conhecidos da marca como a nova picape Ranger produzida na Argentina, a nova Transit, o Bronco, o Mustang Mach 1, e planeja acelerar o lançamento de diversos novos modelos conectados e eletrificados”.
Dos quatro modelos citados, apenas um é uma ‘caminhonete’: a picape Ranger. O Bronco é um SUV e o Transit é um utilitário. Já o Mustang é um esportivo, o carro desse tipo mais vendido do mundo.
Por fim, o fechamento das fábricas da Ford no Brasil faz parte, segundo a própria empresa, de um plano de reestruturação da América do Sul e tem a ver com perdas acumuladas nos últimos anos, agravadas com a pandemia. Mais de 12 mil pessoas serão demitidas com a saída da montadora do país.
Como verificamos?
Primeiro, procuramos a Ford por e-mail para esclarecer se a decisão do fechamento das fábricas era referente apenas ao Brasil ou a outros países, como sugere a publicação do ex-ministro. A fabricante não nos respondeu, então consultamos o comunicado oficial enviado à imprensa sobre o fechamento das fábricas na segunda-feira, 11 de janeiro.
Em seguida, buscamos reportagens que mostrassem a repercussão da saída da Ford do mercado brasileiro e com as autoridades do governo. Também consultamos material publicado pelo colunista especializado Fernando Calmon, do UOL, para verificar as informações obtidas para a construção desta reportagem.
Por fim, entrevistamos o coordenador de Cursos Automotivos da Fundação Getúlio Vargas, Antônio Jorge Martins, sobre as decisões da Ford em relação a seu posicionamento no mercado.
Para esclarecer com o autor da publicação sobre a fonte usada na divulgação das informações, entramos em contato com o Banco Mundial, no qual Abraham Weintraub é diretor-executivo. Até a publicação desta reportagem, o Projeto Comprova não obteve retorno.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais disponíveis no dia 14 de janeiro de 2020.
Verificação
Ford fecha três fábricas no Brasil, mas investe na Argentina
A decisão anunciada pela Ford no último dia 11 de janeiro foi de fechar as três fábricas que tem no Brasil: em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE) – as duas primeiras fecham imediatamente. Países vizinhos, entretanto, como Argentina e Uruguai, permanecem com suas fábricas em funcionamento. Só na Argentina, a empresa anunciou investimento de US$ 580 milhões para ampliar a produção de veículos que serão, inclusive, vendidos ao Brasil.
A decisão de fechar fábricas e parar de produzir veículos, entretanto, não é em todo o mundo, como afirma o tuíte verificado. Em 2018, a Ford anunciou que deixaria de produzir dois modelos de veículos de passeio nos Estados Unidos – o Fusion e o Focus -, como mostra esta matéria feita pelo Auto Esporte. No Brasil, com o fechamento das fábricas, saem de linha também os modelos Ka e Ecosport, que eram produzidos em Camaçari (BA).
Apesar de deixar de produzir carros no Brasil e interromper a fabricação de alguns modelos nos Estados Unidos, os veículos continuarão sendo produzidos, por enquanto, na Europa, segundo informou o colunista especializado Fernando Calmon, do UOL.
Catálogo de veículos
As fábricas da Argentina e do Uruguai, diferentemente do que publicou o ex-ministro da Educação, vão continuar fabricando carros “de passageiros”. Em seu site, a Ford fala sobre a reestruturação na América do Sul e afirma que “continuará presente no Brasil” oferecendo um portfólio de “SUVs, picapes e veículos comerciais, provenientes da Argentina, Uruguai e outros mercados”.
A montadora confirmou a produção da nova geração do Ford Ranger, o lançamento da inédita família Bronco, da nova geração do Mustang Mach-1 e do utilitário Transit. “A Ford planeja anunciar em breve novos modelos para o Brasil, incluindo um veículo híbrido plug-in, com expansão dos serviços conectados e introdução de novas tecnologias autônomas e de eletrificação”, diz o comunicado.
Além de confirmar que vai continuar oferecendo veículos comerciais, a Ford cita quatro modelos específicos em seu comunicado que serão produzidos nas fábricas da Argentina e do Uruguai: a Ranger, o Bronco, o Transit e o Mustang Mach-1.
Diferentemente do que diz o tuíte – que a empresa fabricará no mundo todo apenas caminhonetes e o Mustang – somente um dos veículos citados é uma ‘caminhonete’: a picape Ranger. O Bronco é um SUV e o Transit é um utilitário. Já o Mustang é um esportivo, o mais vendido do mundo.
Motivos para a saída
Não é verdade que a decisão da Ford de sair do Brasil não tenha relação com o cenário brasileiro. O comunicado da empresa à imprensa deixa claro que a Ford fecha as três fábricas da montadora no Brasil “à medida em que a pandemia de covid-19 amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”.
Imediatamente após o comunicado feito pela Ford, o Ministério da Economia e o presidente Jair Bolsonaro acusaram a empresa de não deixar clara a razão da saída do país. O presidente disse que a empresa queria subsídios para manter a operação no país.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, disse a jornalistas que considerava os motivos para a saída da Ford do país “meio fracos”, mas a própria fala de Mourão deixa claro que houve, sim, uma relação entre o fechamento das fábricas e a economia do país. Esta reportagem publicada pelo CORREIO mostra que, na conversa com jornalistas, Mourão reconheceu as dificuldades enfrentadas pelo setor automobilístico, mas avaliou que o mercado brasileiro teria condições de se recuperar. Mourão repetiu que a Ford ganhou “bastante dinheiro” no Brasil e, a exemplo de Bolsonaro, destacou que ela recebeu incentivos ao longo dos anos em que atuou no país.
“A gente entende que no mundo inteiro a empresa está passando por problemas. A indústria automobilística está passando por problemas. Está havendo uma mudança”, disse Mourão.
Nesta quarta-feira (13), a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) se pronunciou pela primeira vez após o anúncio de saída da Ford do país e disse que o setor não defende novos subsídios, e sim competitividade. Esta reportagem do jornal O Globo mostra que, segundo dados da Receita Federal, o setor automotivo acumula mais de R$ 50 bilhões em subsídios desde 2002.
O presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, disse ao jornal O Globo que os incentivos tributários são uma forma de corrigir distorções do sistema de impostos brasileiro. Ao jornal, ele mostrou comparativos que indicam que o custo de produzir no Brasil é, por exemplo, 18% mais caro do que no México.
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem R$ 335 milhões em empréstimos ainda ativos à Ford, pediu explicações à montadora sobre a saída do país. O Ministério Público do Trabalho (MPT) anunciou que já acompanha três inquéritos civis abertos nos locais onde a Ford anunciou o fechamento de suas fábricas: Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE). Só na Bahia, o fechamento da fábrica deixa cerca de 12 mil desempregados.
Plano de reestruturação
O plano de reestruturação da Ford para a América Latina deixa o Brasil de fora no que diz respeito à fabricação de automóveis, já que as três fábricas serão fechadas. No entanto, a empresa informou, em um comunicado à imprensa, que vai manter no país a sede administrativa da empresa na América do Sul, o Centro de Desenvolvimento de Produto, em Camaçari (BA), e o Campo de Provas, em Tatuí (SP).
“A Ford está presente há mais de um século na América do Sul e no Brasil e sabemos que essas são ações muito difíceis, mas necessárias, para a criação de um negócio saudável e sustentável”, disse Jim Farley, presidente e CEO da Ford, no comunicado à imprensa.
Ele falou sobre o novo modelo de negócios. “Estamos mudando para um modelo de negócios ágil e enxuto ao encerrar a produção no Brasil, atendendo nossos consumidores com alguns dos produtos mais empolgantes do nosso portfólio global. Vamos também acelerar a disponibilidade dos benefícios trazidos pela conectividade, eletrificação e tecnologias autônomas suprindo, de forma eficaz, a necessidade de veículos ambientalmente mais eficientes e seguros no futuro”, diz.
Segundo o coordenador de Cursos Automotivos da Fundação Getúlio Vargas, Antônio Jorge Martins, a afirmação do tuíte a respeito de uma desistência da Ford em competir com montadoras da Ásia e Europa não procede. “O que motivou e está motivando essa reestruturação mundial da Ford, não resta dúvida, é uma decisão estratégica no sentido de fazer com que a empresa comece não somente a produzir em todos os locais onde estará presente, mas ofertar produtos com maior conteúdo tecnológico. A empresa soube escolher seu nicho de atuação, pois, na prática, até 2018, trabalhava com caminhões, autopeças e veículos. Em 2019, fecharam a fábrica de caminhões no Brasil e várias partes do mundo, assim como algumas de auto peças na Europa. O foco desde aquele momento foi situar em carros e veículos com maior conteúdo tecnológico, conforme o setor gosta de falar, veículos de maior tecnologia embarcada”, explica.
“Na medida em que o setor como um todo está exigindo investimento pesado, principalmente em termos de veículos autônomos e veículos elétricos, não há como todas as empresas caminharem em todas as direções. Isso fez com que a Ford escolhesse um nicho. A reestruturação ser motivada por uma decisão de deixar de competir com Ásia ou Europa, na minha opinião, não faz sentido”, afirma.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados à covid-19 e a políticas públicas do governo federal. Informações falsas ou enganosas como a checada acima são prejudiciais à sociedade e contribuem para uma interpretação distorcida da realidade – neste caso, da realidade econômica do país.
No conteúdo verificado, a afirmação de que a Ford não fechou fábricas apenas no Brasil busca minimizar os danos provocados pela saída do país de uma empresa que gerava milhares de empregos. Até a noite de quinta-feira, 14 de janeiro, a publicação já tinha 35,8 mil interações no Twitter, sendo compartilhada por quase 8 mil pessoas.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.