Não existe fabricante de automóveis mais ambicioso do que a Kia. Cinquenta anos atrás, quando Ford e Toyota já produziam em massa os antecessores dos carros que vendem hoje, a Kia fabricava motocicletas. Não foi senão em 1974 que ela entrou no ramo de automóveis, montando Mazdas sob licença, ficando assim durante sete anos até o governo sul-coreano ordenar que parasse.
Uma vez que esta tentativa de controlar o excesso de capacidade cessou, a Kia teve permissão para começar de novo, o que ela fez com o Pride, um projeto insosso da Mazda sem grandes méritos.
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Esse foi o primeiro modelo da fabricante a chegar à Inglaterra, aportando aqui no início dos anos 1990 com pneus de faixa branca, como se todos os memorandos sobre estilo de carros estivessem por ser lidos numa pilha de correspondência largada numa estante da diretoria.
Ela continuou desse jeito vendendo modelos obsoletos, que só vendiam pelo baixo preço, até 1997, quando faliu. Os “salvados” foram comprados pela Hyundai, outra fabricante sul-coreana que produzia carros com pouco atrativos, mas com muita ambição. Até que, em algum ponto na virada do século, a dupla resolveu parar de ser boazinha e encarar com seriedade se desvencilhar das quinquilharias.
Foco na qualidade
O primeiro foco para os sul-coreanos era qualidade, e muito antes da pesquisa de satisfação dos clientes pela JD Power dos Estados Unidos, colocar a Hyundai acima da Toyota.
Em algum momento a diretoria percebeu alguns clientes reclamando do travamento central de alguns modelos, falha que a empresa detectou ser nos botões do chaveiro por serem muito proeminentes e poderiam ser acionados se colocados nos bolsos de um par de calças justas. Os engenheiros se lançaram a reprojetar os chaveiros quando outras fabricantes simplesmente teriam dito aos seus clientes para não vestirem calças justas.
A busca pela satisfação do cliente não parou aí. A Kia contratou Peter Schreyer, homem que deu aos Audis linhas elegantes e feitas como um terno bem cortado, para seus carros ficarem atraentes. Lançou mão também Albert Biermann, o guru que deu aos carros M da BMW toda a diferença, tornando-os melhores de dirigir.
Enquanto a BMW abandonava sua antiga dedicação à pureza de engenharia de tração traseira para todos os seus modelos, a Kia tomava outro rumo e partia para um carro de tração traseira para o sedã Stinger.
Algumas fabricantes estão apostando em carros puramente elétricos para o futuro, outras acreditam mais em células a combustível (a hidrogênio). A Kia atualmente tem ambos, e híbridos, inclusive os de carregar pela tomada (plug-in).
Dutos de ar para a coxas
Isso não pode e não poderá parar. A fabricante em expansão quer se destacar e vai se empenhar ao máximo, cuidando de todas as bases, para oferece mais ao cliente. E isso pode explicar por que o novo Kia Sorento PHEV, sigla em inglês que já se universalizou para designar veículos híbridos de carregar a bateria pela tomada, tem dutos de ar para resfriar as coxas.
Pode-se vê-los nas fotos, localizados sob os difusores de ar normais, em ângulo ligeiramente para baixo e podendo serem ajustados lateralmente em vez de verticalmente, de maneira que o principal receptor de suas emissões de ar-condicionado seja a parte superior de suas pernas.
Por que a Kia terá feito isso? Acho que é porque ninguém faz. Não é um carro tão excepcional assim, mas é repleto de detalhes que levam à suspeição de terem sido feitos para derrotar os caras da Toyota, Ford ou até Mercedes.
Isto pode explicar também por que o Sorento vem com uma prática função “memória de voz” no sistema de infotenimento de modo a se poder gravar ideias importantes e lembretes enquanto se dirige. Algum tipo de comediante como Alan Partridge, só que de alta tecnologia: “Lynn, pode ligar para o pessoal da Kia e agradecer por dar atenção às minhas coxas quentes?”.
Sons da natureza
A grande tela tátil central — um pouco grande demais, é difícil alcançar seu ponto extremo — é também a casa da função “sons da natureza”, que toca sons calmantes como ondas no mar ou chuva caindo para relaxar os ocupantes do veículo. Não tenho certeza de quem poderia querer tal função, ou se é boa ideia para um motorista se sentir num enorme roupão de banho mesmo longe de um hotel spa, mas não é isso. A Kia o fez por que todos o fizeram.
De se notar também os porta-copos bem projetados, de boa capacidade, em cada porta traseira. Nunca os vi num SUV maior, tampouco dirigi um com três ajustes para função automática do controle de climatização, por isso trazendo a agonia da escolha de algo supostamente feito para eliminar complicação.
Além disso, tudo isso parece ter sido projetado e feito num nível que faria um engenheiro da Renault se emocionar. As portas fecham-se com um som reconfortante, os vidros das janelas sobem e descem quase sem ruído algum, tudo nos faz sentir como num carro de alta qualidade.
Na maior parte do tempo ele também passa essa impressão de qualidade. Com propulsão elétrica é suave e silencioso, parecendo capaz de rodar realmente os 55 quilômetros de alcance em modo elétrico anunciados, após o que o motor a gasolina de 1,6 litro entra em ação e interrompe a paz com seu rosnar. Pode-se mascará-lo com som de ondas no oceano.
À medida que a bateria se descarrega o carro se comporta com um híbrido normal, o motor sendo desligado sempre que possível, mesmo em velocidade. Fiz uma viagem de 160 quilômetros de percurso misto, urbano, periferia e autoestrada, tudo com a bateria descarregada, e ao final o computador exibiu 13,2 km/l.
Como sempre nos híbridos de carregar na tomada, se ele for carregado regularmente em casa e caso se faça muito uso na cidade, será possível evitar os elevados custos com combustível. Já se o uso for predominantemente rodoviário não haverá tanta vantagem.
Minha experiência com os carros a bateria da Kia é que são geralmente precisos nas previsões de alcance informadas no painel, o que torna a vida com eles muito mais fácil e, como tal, o Sorento está próximo do estado da arte PHEV.
O maior desapontamento é seu rodar um tanto firme demais, a dureza provavelmente resultado de tentar controlar a massa da bateria. Não é brutal ao ponto de temer pela integridade da suspensão e/ou do seu esqueleto, mas não é de perdoar muito nas irregularidades das vias.
Em outros aspectos ele funciona bem como um confortável carro para famílias viajarem, chegando aos bancos adicionais que se escamoteiam no assoalho do porta-malas, um recurso que alguns SUVs de plugar na tomada perdem para dar espaço para a bateria.
Assim, se você deseja um utilitário esporte grande que pode circular na cidade só com energia elétrica e transportar sete pessoas e manter fria a parte superior das pernas (só bancos dianteiros: as da fileira central têm onde colocar suas bebidas nos grandes porta-copos e ficarem quietas), não há muito de errado com ele.
Você pode se sentir seguro com sua garantia de sete anos e saber que é feito por uma fabricante que é sabidamente ambiciosa e desesperada na busca de derrotar rivais.
Com isso em mente, sua decisão de comprar um Sorento pode importar menos do que sua apreciação pela Kia e mais o quanto você odeia todas as demais fabricantes.
Nota do Richard |
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3 ★★★☆☆ |
Kia Sorento 1.6 T- GDi PHEV ‘3’ | Ficha técnica |
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Motor | 1.598 cm³, 4 cilindros, turbo, gasolina, mais motor elétrico |
Potência | 265 cv a 5.500 rpm |
Torque | 35,7 mkgf a 1.500 rpm |
Aceleração 0-100 km/h | 8,7 s |
Velocidade máxima | 191 km/h |
Consumo | 62,5 km/l |
Peso | 2.099 kg |
Preço no Reino Unido | 49.145 libras |