A indústria brasileira está, ainda, muito distante de começar a fabricar carros totalmente elétricos. O presidente da Nissan do Brasil, Marco Silva, calcula que a produção local só será economicamente viável quando as vendas desse tipo de veículo chegarem a pelo menos 5% do mercado total. De janeiro a setembro deste ano, a soma de elétricos e híbridos alcançou 0,3% das vendas de carros no país. Mas isso não o desanima. Para Silva, para manter-se viva no Brasil, a indústria precisa seguir, mesmo que a passos mais curtos, a trilha da eletrificação, que hoje define o desenvolvimento das próximas gerações de veículos no mundo.
“A indústria automobilística ainda depende da produção doméstica. Se quer oferecer novas tecnologias o caminho é fabricar localmente ou pagar altos impostos na importação. O que não podemos é sucatear a indústria brasileira”, afirma. Mas, para isso, é preciso criar a demanda. Preços ainda elevados das baterias, que encarecem o carro, e a falta de infraestrutura costumam ser apontados como principais entraves.
A falta de investimentos para criar redes para carregamento de baterias não pode ser tratada como desculpa, segundo o responsável pela área de vendas da Nissan na América Latina, Ricardo Flammini. “A infraestrutura no Brasil e na Argentina está longe da perfeição, mas queremos começar a participar desse novo mundo. Senão, vamos ficar naquela história do ovo e da galinha. Ou seja, não vamos desenvolver o carro elétrico porque não temos infraestrutura ou não vamos investir em infraestrutura porque os volumes de vendas desse tipo de carro ainda são baixos?”, destaca.
A boa notícia, no entanto, é que novas tecnologias têm sido desenvolvidas para que modelos elétricos não dependam de tomadas e carregadores e, consequentemente, do desenvolvimento de infraestrutura pública.
A principal aposta nesse sentido são os veículos com motores elétricos movidos a célula de hidrogênio. Todas as montadoras asiáticas têm projetos nesse sentido. E os problemas de riscos de armazenamento do produto químico mais a necessidade de criação de uma nova infraestrutura de abastecimento já começam a ser superados.
Há três anos, a Nissan acompanha e testa trabalho de pesquisa da Unicamp que permite extrair a célula de hidrogênio do etanol brasileiro, o que elimina a necessidade de o carro carregar um tanque de hidrogênio. Nos próximos dias, a montadora vai fechar um acordo com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Universidade de São Paulo, que avança nesse sentido. Segundo Motohisa Kamijo, responsável por esse estudo na Nissan, a parceria com a área acadêmica brasileira servirá para o desenvolvimento de novos veículos em todo o mundo.
A Unicamp tem trabalhado no desenvolvimento de novo tipo de cana de açúcar, de tamanho menor, que permite o plantio em áreas também menores. Isso aumenta a eficiência. Já o trabalho do IPEN reduz ainda mais etapas em relação ao processo convencional porque elimina a necessidade de uma peça (chamada de reformador) na retirada de hidrogênio do etanol. “Eles têm um sistema único”, afirma Kamijo. Ele e integrantes de sua equipe viajam ao Brasil pelo menos duas vezes por ano para acompanhar o trabalho desses centros de pesquisa.
No salão do automóvel de Tóquio, que será aberto ao público na sexta-feira, as montadoras também apresentam novas gerações de automóveis híbridos, nos quais o motor a combustão serve apenas para fazer o elétrico funcionar, sem participação no sistema de tração. Isso reduz ainda mais o consumo.
Embora positiva na busca de alternativas, toda essa tecnologia parece deixar o consumidor brasileiro cada vez mais distante da nova era dos automóveis. No Brasil, os problemas ainda são outros. “Tenho clientes esperando a próxima reunião do condomínio para pedir autorização para instalar o equipamento de recarga do Leaf na garagem”, afirma Silva, referindo-se ao modelo 100% elétrico, lançado no Brasil em julho ao preço de R$ 195 mil, incluindo o equipamento de recarga rápida. Segundo o executivo, a Nissan tem trabalhado com governos municipais brasileiros para que o uso de carros elétricos seja uma questão prevista em planos diretores.
Toyota e Honda preferiram apostar inicialmente nos carros híbridos e somente agora entram no mercado dos 100% elétricos. Ambas optaram por começar nesse segmento com modelos ultracompactos. E, nos dois casos, as vendas começarão no Japão no próximo ano.
O charmoso e-Honda, apresentado à imprensa ontem no salão de Tóquio, leva quatro passageiros em espaço apertado. Mas traz outras inovações tecnológicas, como câmeras no lugar dos espelhos retrovisores. O BEV, da Toyota, é ainda menor, para duas pessoas.
Segundo o chefe de engenharia de produto da Honda, Kohei Hitomi, a demora para entrar nesse mercado foi estratégica. “Pesquisamos que tipo de veículo as outras montadoras não haviam lançado porque buscávamos uma identidade exclusiva para um modelo Honda, mais voltado para as cidades”, afirma.
Ao ser perguntado qual sistema acha melhor – híbrido ou elétrico – Hitomi diz: “depende do mercado”. Ele lembra que a China, por exemplo, tem um programa de estímulo ao uso de elétricos pela preocupação com a poluição do ar. E quanto ao Brasil, um mercado para o qual a montadora ainda não dedicou nenhum projeto de eletromobilidade? “O Brasil é um caso especial. Não vejo o desenvolvimento imediato”.
A repórter viajou a convite da Anfavea