A trajetória de Airton Cousseau na Nissan é impressionante. O gaúcho presidiu a empresa no México, país onde a marca tem sua maior participação de mercado no mundo. Também foi o primeiro ocidental a comandar a operação da companhia na China e liderou a empresa nos Estados Unidos – ou seja, nos dois maiores mercados de veículos do planeta.
Ele conta que ama o Brasil e, por isso, não perdeu a oportunidade de voltar e ter, como afirma, “uma churrasqueira com um apartamento em volta”. O presidente da Nissan Mercosul e diretor-geral da empresa no país repetiu ao Estadão, como um mantra, que sente orgulho de ser brasileiro e do time com o qual trabalha.
A menina dos olhos de Cousseau é o projeto que pretende lançar a célula a etanol antes de 2030. O executivo falou sobre o sistema, que gera energia elétrica por meio de reação química, não produz CO2 e poderá ser utilizado em qualquer tipo de veículo. Além disso, também comentou sobre os resultados e as perspectivas da empresa.
Como você avalia o desempenho da Nissan em 2021?
Houve vários desafios, não só para a indústria automotiva. Então, decidimos cuidar da saúde das pessoas. Não tivemos muitos casos (de contaminação por covid). A produção não foi paralisada por isso, mas por causa da determinação de autoridades de saúde e, depois, por questões ligadas aos fornecedores, além da falta de semicondutores. Tivemos grandes desafios na logística, que virou um caos. Houve até casos de contêineres descarregados em portos de outro país. Mas talvez tenha sido o ano em que eu mais aprendi. Tivemos de fazer muita coisa para manter as operações funcionando, inclusive junto aos concessionários, o que nos deixou ainda mais próximos da rede. Na comparação com 2021, crescemos 6,4% em volume, enquanto o setor cresceu 3%. Isso é ainda mais relevante considerando que atuamos em três ou quatro segmentos do mercado. Anunciamos investimentos para a abertura do segundo turno na fábrica de Resende (RJ) e vamos contratar. Em dezembro, o (SUV) Kicks, que é feito lá, foi o líder de vendas do setor na Argentina. Também estamos à frente no processo de eletrificação. O Leaf foi o elétrico mais vendido no Brasil em 2021. Os volumes ainda são pequenos, mas o crescimento é enorme. O elétrico está chegando para ficar. Fizemos parceria com a (locadora) Movida para desmitificar o carro elétrico. Assim, criamos a oportunidade para que mais pessoas possam dirigir esse tipo de veículo. Portanto, posso dizer que 2021 foi um ano extremamente positivo para a Nissan.
O consumidor ainda tem muita dúvida sobre o carro elétrico. Por exemplo, como faz para carregar…
É tão fácil como recarregar o celular. À noite, você chega em casa e conecta na tomada. Se você anda 70, 80 quilômetros por dia, é muito tranquilo. E, para quem vai viajar para mais longe, a rede de pontos de recarga está se desenvolvendo rapidamente. Empresas grandes, como a Raízen e a Shell, têm planos agressivos de implementação de infraestrutura para recarga no País. Não é o trabalho de uma empresa ou um setor, mas de todos juntos. Estou muito satisfeito de estar nesse momento no Brasil, porque a Nissan pode ser uma das empresas de ponta na eletrificação veicular do País.
Como está o projeto de geração de energia elétrica a partir de biocombustível, que a Nissan coordena?
Está andando bem. Essa pesquisa tem quase seis anos. Já dá para rodar quase 800 km com eletricidade usando um tanque de etanol. O etanol tem uma enorme capacidade de gerar energia na célula a combustível. E essa energia move o motor elétrico. Então, não vai ser preciso ligar o veículo na tomada. Para o consumidor, bastará parar no posto e encher o tanque com etanol. Temos parcerias com universidades e empresas como a Raízen, que está cooperando sobretudo na parte do desenvolvimento do etanol. Esse projeto é muito forte dentro da Nissan e pode ter vários tipos de aplicação. Dá para usar em carros, motos, aviões, barcos e até em motores estacionários. O conselho no Japão está tão entusiasmado que mandou antecipar, de 2023 para este ano, a instalação, na fábrica de lá, de um sistema estacionário a célula a etanol, que vai ser enviado do Brasil. Eu gostaria de acelerar o processo de lançamento, mas é preciso respeitar os planos de desenvolvimento. O mais importante é que todos os obstáculos já têm solução. Em 2025, ou seja, em menos de três anos, vamos concluir os testes e iniciar a fase de marketing. Quando eu ouvi falar desse projeto, e que foram engenheiros brasileiros que o desenvolvera, senti ainda mais orgulho do nosso pessoal e do País. Estou muito entusiasmado porque esse não é um negócio para a Nissan. É para o Brasil e para o mundo. Por exemplo, o sistema funciona com gás natural, que é muito forte na Rússia. É muito bom estar aqui neste momento.
O sistema deve chegar ao mercado antes de 2030?
Sim. E vai ser possível desdobrar esse produto. Não estamos falando apenas de automóveis, mas de qualquer outra aplicação que precise de motor. Essa é a parte que mais me deixa entusiasmado. Normalmente, a gente cria aqui, mas a produção acaba indo para outro lugar. Eu não quero deixar que isso aconteça.
O que é preciso para fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias?
Infraestrutura é tudo. Mas, para você ter ideia de como estamos atrasados, a duplicação da estrada que liga Curitiba e São Paulo levou 50 anos para ser feita. Na China, por exemplo, as coisas acontecem de forma muito rápida e profunda. Quando eu cheguei ao país, o metrô da cidade já era espetacular e o pagamento era feito com um cartãozinho, como o de Nova York (EUA). No ano seguinte, já dava para pagar com o celular. No outro ano, era possível usar reconhecimento facial. Então, para o Brasil avançar, a gente precisa investir mais em infraestrutura. O agronegócio, por exemplo, está explodindo, mas falta conexão de internet no campo. Deveria haver uma ampla rede, e com boa qualidade. Há máquinas altamente sofisticadas e até autônomas, mas não dá para utilizar todos os recursos porque não há internet.
Tião Oliveira