Quando trouxe a JAC Motors para o país, há quase 10 anos, o empresário Sergio Habib já tinha larga experiência no setor automotivo, ocupou até a presidência da Citroën aqui. Porém, como ele mesmo diz, o mercado brasileiro não é para amadores, e percalços transformaram uma montadora que pretendia vender grandes volumes em uma marca de nicho, focada na eletrificação. Se os carros (e caminhões) elétricos são o futuro, Habib está um passo à frente da concorrência — ao menos no Brasil.

Autoesporte – Logo que a JAC chegou ao Brasil houve um aumento de 30 pontos percentuais do IPI. Como isso afetou as operações?
Sergio Habib – Quando lançamos a JAC aqui no Brasil tínhamos produtos rivais aos modelos populares, que hoje custam na faixa de R$ 50 mil. As multinacionais que fabricam carros aqui se assustaram com a concorrência chinesa, fizeram lobby com o governo Dilma [Rousseff, presidente do país entre 2011 e 2016], e ela aumentou o imposto de importação, estipulou um IPI — que até foi declarado ilegal pela Organização Mundial do Comércio (OMC), mas só cinco anos depois — para proteger as empresas. Lançamos a marca em março e o IPI foi aumentado em setembro. Depois disso, o câmbio, que estava a R$ 1,80, começou a subir. Aí ficou muito difícil trabalhar e tivemos de diminuir a operação.

AE – O que travou a fábrica na Bahia? Ainda existem planos para uma planta da JAC aqui?
SH – O projeto da fábrica não saiu porque, na época, o governo da Bahia não liberou o financiamento. Com o mercado e o câmbio de hoje, montar uma fábrica é totalmente inviável. No futuro sim; se você quer presença permanente no país, tem que ter fabricação local. Mas eu diria que, entre 2011 e 2013, todo mundo apostava na comercialização de 5 milhões de unidades no Brasil nos anos seguintes, e foi montada toda uma estrutura para isso. Então todas as montadoras estão com fábrica sobrando. O mercado brasileiro é complicado, não é para amadores.

AE – Como anda o plano de recuperação judicial do grupo? Há perigo de a JAC encerrar as atividades no Brasil? Acha que a repercussão da notícia aumentou o receio dos consumidores em relação à marca?
SH – As coisas estão caminhando, devemos sair do plano de recuperação judicial em um ano. A causa principal foi o câmbio, mas a história da Citroën foi pesada para nós [Habib foi representante da marca francesa por 28 anos no país]. A Citroën vendia 100 mil carros ao ano, e tínhamos uma estrutura de rede gigantesca. Hoje a companhia vende mil carros por mês. Nós comercializávamos 4 mil. Mas não sentimos nenhuma queda nas vendas ligadas à recuperação judicial. E não tem perigo de a JAC sair do Brasil, muito pelo contrário: nós vamos reverter a situação em breve.

AE – A JAC enfrentou preconceito no país? Acha que a marca ajudou a mudar a percepção do consumidor brasileiro em relação aos carros chineses?
SH – Sim, houve preconceito no começo, por isso lançamos carros mais baratos — o preconceito é menor com os mais baratos do que com os mais caros. Carros coreanos chegaram ao Brasil em 1995, com a Daewoo, mas começaram a ganhar status só em 2009, 2010, ou seja, 15 anos depois. Nós começamos em 2011. Hoje há muito menos preconceito, mas ainda existe. Nesse sentido, a Chery nos ajuda, da mesma maneira que lá atrás nós ajudamos as outras marcas chinesas. As pessoas têm tendência a comprar carro por país; então, quanto mais comercializarmos modelos chineses modernos, melhor para nós.

AE – Os híbridos não seriam uma solução mais viável para o Brasil em função do “pé atrás” que o consumidor tem em relação à autonomia?
SH – O híbrido é uma espécie em extinção, porque é um carro extremamente sofisticado, tem tudo o que um carro térmico tem — motor, radiador, diferencial, alternador etc. — e tudo o que um elétrico tem, além de uma eletrônica megasofisticada que gerencia os dois. O carro térmico tem, em média, 15 mil peças, e um elétrico tem 3 mil. Um híbrido tem 18 mil. A manutenção só será feita na concessionária, porque nenhum mecânico barato vai mexer nisso. Você até economiza combustível, mas está poluindo do mesmo jeito.

O PHEV (Plug-in Hybrid) é um carro de transição entre o BEV (Battery Electric Vehicle) e o carro térmico. O híbrido possibilita adaptação às normas de poluição, mesmo sem ter ainda toda a tecnologia e a capacidade para fabricação de baterias de carros elétricos. Na China existe uma legislação que obriga as montadoras a vender uma porcentagem da sua produção de carro zero poluente. A Volkswagen, em vez de pagar multa, comprou metade da JAC, que vende muitos veículos elétricos.

AE – Depois do caso do Amapá, acha que o Brasil tem infraestrutura para suporte de carros elétricos?
SH – O Brasil tem capacidade elétrica instalada de 12 usinas de Itaipu, o que corresponde a 150 megawatt/ano. E o gasto médio de energia é de 6,5 Itaipu. Nosso consumo é de nove ou dez durante o dia e três ou quatro à noite. Em um dia de calor o Brasil gasta 11, 11,5 Itaipu. Por que teve apagão no país em 2001? Porque não conseguiram atender à demanda no pico, então o sistema desliga. Se toda a nossa frota de 45 milhões de carros fosse elétrica, só precisaríamos de 6 horas de Itaipu por dia, ou 2,5 megawatt/hora. Se o abastecimento bater no pico em um dia de verão, aí podemos ter problema. Como resolver isso? Tarifa. Energia elétrica nos países desenvolvidos é duas vezes mais cara às 17 horas do que às 4 da manhã.

AE – Por que não há incentivo para carros elétricos no Brasil?
SH – Temos vários problemas. O primeiro é que o Brasil exporta petróleo, e o governo é sócio da Petrobras. Segundo: o álcool gera 2,5 milhões de empregos diretos. E o terceiro é que as montadoras não fabricam carro elétrico aqui. O carro elétrico é disruptivo. Não tem catalisador, escapamento, vela, câmbio, não tem nada. Então, para as fábricas que produzem esses equipamentos, acabou. Veja as indústrias afetadas: óleo, petróleo, postos, autopeças. Quem não gosta de algo disruptivo? Quem tem um negócio hoje.

AE – A pandemia afetou brutalmente o mercado automotivo. Como foi 2020 para a JAC?
SH – Neste ano, o que mais atrapalhou a gente foi a alta do câmbio. Porque volume, de certa maneira, estamos recuperando, oferecendo um caminhão elétrico e cinco carros. Demoramos mais para tomar decisões e o câmbio afetou o preço dos elétricos, o que prejudicou a clientela privada. O setor corporativo precisa comprar por outras razões, a preocupação é outra. O ano foi muito estranho, então vamos fechar com pouco mais de mil vendas. Prefiro falar de 2021: devemos vender de 200 a 500 caminhões e mais ou menos 3 mil carros ao ano. Hoje temos cerca de 15% do mercado de elétricos, mas ainda é um volume muito pequeno.

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