Corolla da Stock tem a mesma frente, mas é mais largo e invocado

Corolla da Stock tem a mesma frente, mas é mais largo e invocado (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Por mais que os motores 1.8 híbrido flex e 2.0 Dynamic Force sejam muito mais modernos do que os antigos; por mais que a central multimídia seja grande e conectada; por mais que o visual tenha sido renovado, não adianta: o Toyota Corolla sempre carregará consigo a pecha de carro de “tiozão”. Ou, pior ainda, de avô.

Talvez seja para quebrar essa percepção que a marca japonesa tenha resolvido colocar o sedã para brigar com o Chevrolet Cruze na temporada 2020 da Stock Car.

Após três anos trabalhando apenas com a GM, a categoria voltará a ser multimarcas. Mais relevante do que isso, depois de quase duas décadas ela voltará a usar carros com carroceria tipo monobloco. Ainda que essa utilização seja parcial.

Esta segunda decisão, tomada quase que a toque de caixa, demandou modificações substanciais na estrutura dos veículos, embora a base do chassi seja a mesma.

São tantas novidades que QUATRO RODAS foi até o autódromo de Curitiba (PR) para acompanhar um dos treinos de adaptação do carro, capitaneado pela equipe Full Time (dos pilotos Rubens Barrichello, Nelsinho Piquet, Rafael Suzuki e Matías Rossi).

Traseira também tem linhas fidedignas ao Corolla de rua, mas com um enorme aerofólio

Traseira também tem linhas fidedignas ao Corolla de rua, mas com um enorme aerofólio (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Lá, tivemos a oportunidade de acelerar o novo Corolla Stock Car com seu V8 de 6,8 litros (que compartilha parte dos elementos com o V8 do Cruze), capaz de gerar até 550 cv de potência.

Parecidos, mas diferentes

A partir de 2020, os Stock Car voltarão a ter relação um pouco mais íntima com os carros que vemos todos os dias nas ruas. Mas não espere algo tão próximo quanto nos tempos do velho Chevrolet Opala.

Afinal, a base ainda é a mesma daquela usada até 2019: estrutura tubular; trem de força formado pelo V8 naturalmente aspirado movido a etanol e gerenciado por um câmbio automatizado de seis marchas fornecido pela XTrac; suspensões duplo A em ambos os eixos; freios e rodas esportivos; pneus slick fornecidos pela Pirelli.

A diferença é que, em vez de carenagem de fibra de vidro separável em três partes, a carroceria é monobloco e composta por chapas de aço originais fornecidas pela Chevrolet e pela Toyota.

Stock Car Assim era o “Cruze” Stock Car até 2019: o chassi tubular era envolto em uma bolha de fibra de vidro com duas portas dividida em três partes, que nada tinha a ver com a carroceria de um carro comum

Assim era o “Cruze” Stock Car até 2019: o chassi tubular era envolto em uma bolha de fibra de vidro com duas portas dividida em três partes, que nada tinha a ver com a carroceria de um carro comum (Bruno Terena/Quatro Rodas)

Para encaixar a carroceria no chassi, a GR, empresa responsável pela construção dos carros, reduziu a distância entre-eixos do chassi usado até 2019 em 6 cm (de 2,80 para 2,74 m).

Ainda é mais do que os 2,70 m encontrados nos dois sedãs de rua, mas foi o suficiente para proporcionar mudanças no comprimento (-15 cm) e na altura (+1,5 cm) em relação aos Stock de 2019.

Como a largura do modelo de competição é bem maior que a de um carro de rua, extensores de fibra de vidro foram aplicados nas portas e nos para-lamas.

O aerofólio traseiro ficou um terço mais estreito (a corda de perfil da asa foi reduzida de 30 para 20 cm), e, a partir desta temporada, os carros terão de respeitar uma altura mínima do solo de 6 cm – antes, a medida era surpreendentemente livre.

Isso porque o assoalho também mudou: saíram as chapas de fibra de carbono com elementos e extratores aerodinâmicos, entraram as de metal e madeira, totalmente planas.

Na Stock Car, Corolla e Cruze têm muito em comum

Na Stock Car, Corolla e Cruze têm muito em comum (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Tantas alterações reduziram a pressão aerodinâmica e mexeram no comportamento do carro. Os pilotos têm relatado que ele está menos “grudado” ao chão e com a traseira mais solta.

O entre-eixos encurtado deve torná-lo mais ágil em curvas fechadas, mas mais lento naquelas de raio longo. Além disso, o uso de aço na carroceria aumentou seu peso em pelo menos 30 kg.

Somando tudo, os pilotos estimam que os tempos de volta deverão subir cerca de 2 s em relação àqueles alcançados em 2019. Por outro lado, como o carro ficou mais arisco, exigindo frenagens mais longas, deve favorecer pilotos mais habilidosos.

Ainda em relação à proximidade com um veículo de rua, além da carroceria de aço, o novo Stock conta com capô e quatro portas laterais de abertura convencional.

Aliás, é pelas portas traseiras que os mecânicos acessarão o bocal do tanque de combustível e suspensão traseira. Só não espere encontrar puxadores internos.

Painel de carbono é simples. Volante lembra o de um F1

Painel de carbono é simples. Volante lembra o de um F1 (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Os faróis são funcionais, mas apenas replicam o desenho dos conjuntos usados por Corolla e Cruze de rua. Seus projetores, que serão acionados em caso de chuva, usam canhões de moto, uma solução para reduzir custos.

A boa notícia é que haverá luzes de led (quatro pontos, no caso do Toyota; filete contínuo, no do GM) tanto nos faróis quanto nas lanternas traseiras.

As grades frontais também são reais e contribuem para deixar Corolla e Cruze da Stock com aspecto de carros de verdade. Mas as similaridades param por aí, por razões óbvias.

Dentro da cabine, há apenas o banco tipo concha do piloto, um volante com aros laterais, ao estilo F1, painéis de fibra de carbono, sem nenhum tipo de cuidado estético, e policarbonato no lugar do vidro nas janelas laterais e traseira.

Bocal do tanque fica na porta lateral traseira esquerda

Bocal do tanque fica na porta lateral traseira esquerda (Fernando Pires/Quatro Rodas)

O para-brisa mantém limpadores e vidro laminado, mas este último é reforçado com mais camadas para resistir a colisões, como num avião.

Duas marcas, um motor e meio

Se a base é a mesma, o que mudará efetivamente do Corolla para o Cruze Stock Car na pista?

A resposta mais óbvia está na carroceria: as diferenças de silhueta certamente vão interferir no comportamento aerodinâmico dos carros. Além disso, há o motor.

O V8 naturalmente aspirado de 6,8 litros movido a etanol criado pela preparadora americana Mast não tem relação efetiva nenhuma com o que Toyota e Chevrolet oferecem atualmente em seus modelos de produção.

Mas, até o ano passado, a categoria usava como padrão o bloco LS3 do Camaro de penúltima geração, junto ao cabeçote LS7 do antigo Corvette C5R.

Todos componentes de origem GM, com os quais a Toyota não queria conviver.

Os Stock Car voltaram a ter capô e portas laterais convencionais. Sob o capô, o motorzão V8 de 6,8 litros movido a etanol

Os Stock Car voltaram a ter capô e portas laterais convencionais. Sob o capô, o motorzão V8 de 6,8 litros movido a etanol (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Para resolver isso, a GR encomendou junto a outra preparadora americana, a Dart, um bloco e um cabeçote específicos para os veículos com monobloco Corolla.

Tais componentes não têm ligação efetiva com carros de rua da Toyota, mas o mais importante para a marca japonesa é que eles também não são Chevrolet.

Dados de potência e torque seguem os mesmos, segundo a organização, assim como componentes internos (pistões, bielas e virabrequim), capacidade cúbica, diâmetro do cilindro e curso do pistão.

Entretanto, a troca dos elementos GM gerou a necessidade de se adaptar itens como galerias e coletores.

No fim, estima-se que o V8 “Toyota” tenha peso e parâmetros diferentes de arrefecimento, o que poderá (ou não) ser sentido na pista.

Para tentar equalizar a disputa ao máximo entre carrocerias e motores, a Vicar, organizadora da Stock, não descarta trabalhar com lastros, diferentes alturas do solo e outros ajustes finos imperceptíveis aos olhos do espectador.

Hora de acelerar

A responsabilidade era grande, talvez menor apenas que o nervosismo.

Afinal, não haveria ninguém para me ajudar a guiar sozinho um carro estimado em mais de R$ 500.000, sem nenhum tipo de assistência eletrônica e com respostas ariscas e diretas, como todo carro de corrida deve ser.

Faróis são réplicas funcionais e grade é de verdade. Só os neblinas são “fake”

Faróis são réplicas funcionais e grade é de verdade. Só os neblinas são “fake” (Fernando Pires/Quatro Rodas)

A posição de dirigir nada tem a ver com a de um Corolla de rua: o banco é extremamente baixo e fica postado em paralelo com a coluna B (central).

A coluna de direção é enorme e o volante fica muito próximo do piloto. O cinto de segurança de cinco pontos pressiona o corpo a ponto de quase impedir movimentos de quadril e ombros, e não há nenhum conforto a bordo.

No volante, pequenos mostradores digitais exibem números como marcha engatada, tempo de volta e quantidade de botões de ultrapassagem disponíveis.

Explico: na Stock Car, os carros correm com restrição na abertura da borboleta do escape (em 2020, a abertura padrão será de 64%), o que representa uma potência estimada de 450 cv.

Para estimular ultrapassagens, os pilotos acionam um comando que abre momentaneamente a borboleta a uma faixa entre 90% ou 100%, dependendo da pista, o que eleva a cavalaria em até 100 cv.

A chave de partida fica no teto, junto de uma série de outros comandos, como o de rádio e o dos limpadores de para-brisa.

Enquanto Maurício Ferreira, chefe da Full Time, me esclarecia os detalhes sobre a cabine, um mecânico ligava o monstro. O ronco rouco e áspero do V8 invadiu os ouvidos e ajudou a aumentar a tensão.

Maurício Ferreira, chefe da equipe Full Time, explica os comandos ao editor Leonardo Felix

Maurício Ferreira, chefe da equipe Full Time, explica os comandos ao editor Leonardo Felix (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Este Corolla é realmente intimidador como um convencional jamais conseguiria ser, é a única coisa que consigo pensar.

Com o pé na embreagem (usada só na arrancada), pressionei a borboleta direita do volante para engatar a primeira marcha. Seguindo as instruções, tentei “encher” os giros do motor com o acelerador enquanto aliviava a pressão da embreagem para arrancar. O carro morreu. Três vezes.

Na quarta tentativa, apesar de uma engazopada, enfim consegui modular a aceleração e sair dos boxes.

É claro que o objetivo jamais seria chegar minimamente perto dos limites do Stock. Melhor deixar isso para os profissionais.

Mesmo assim, foi possível sentir bem a dureza e a rusticidade de todos os pedais a cada movimento. A direção, apesar da assistência hidráulica, é substancialmente mais rígida que a de um carro de rua atual.

É bem verdade que isso pode ter acontecido também pelo alto nível de tensão a bordo, mas o fato é que meus antebraços chegaram a ficar levemente enrijecidos ao final de três voltas.

Rodonas aro 18 têm só um parafuso central de fixação

Rodonas aro 18 têm só um parafuso central de fixação (Fernando Pires/Quatro Rodas)

O posicionamento demasiadamente baixo e recuado, além dos retrovisores externos pequeninos, deixa a visibilidade bem diferente (e pior) que a de um sedã comum.

Alheio ao desconforto, foquei na diversão. Porque o Corolla Stock Car acelera, ah, como acelera: basta uma pisada mais funda no acelerador para que o carro logo chegue a 170, 180 km/h na reta dos boxes. Por precaução, preferi não passar disso.

Também me surpreendi em como a frente é assentada e aponta de maneira rápida e precisa a cada esterço.

Por outro lado, em qualquer frenagem ou mudança de direção foi possível sentir a traseira balançando de leve, assim como a transferência quase imediata de impactos mínimos contra ondulações do asfalto. Haja rigidez para as suspensões.

Ao final da experiência, a constatação: o novo Stock Car até se parece com um sedã de rua visualmente, mas as similitudes param aí.

Todo conforto e comodidade que se espera de um Corolla comum dão lugar a um veículo muito mais bruto, barulhento e arisco. Este Corolla aqui, amigos, é só para profissionais.

Veredicto

Mesmo mantendo a base, a Stock Car conseguiu deixar seus carros mais parecidos com os de rua. A ver se essas mudanças mais a entrada da Toyota serão suficientes para conquistar novos espectadores.

Ficha técnica – Toyota Corolla Stock Car

  • Preço: R$ 500.000 (estimado)
  • Motor: etanol, longitudinal, dianteiro, V8, 6.805 cm³, 103,3 cm x 101,5 cm, 32V, 550 cv (a 6.200 rpm), 70 kgfm (rpm n/d)
  • Câmbio: automatizado, 6 marchas, tração traseira
  • Suspensão: duplo A (diant. / tras.)
  • Freios: disco ventilado e perfurado (diant. / tras.)
  • Direção: hidráulica
  • Pneus: 305/066 R18
  • Dimensões: comprimento, 510 cm; largura, 188 cm; altura, 128,5 cm; entre-eixos, 274 cm; altura do solo, 6 cm; peso, 1.258 kg (a seco e sem piloto); tanque, 114 litros

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here