Carro-conceito de Fórmula 1 feito pela Ferrari: espaço para um motor elétrico dianteiro.

Carro-conceito de Fórmula 1 feito pela Ferrari: espaço para um motor elétrico dianteiro.

Foto: Ferrari / Divulgação

A reunião da Comissão da F1, que reuniu alguns cartolas do automobilismo e representantes das equipes, divulgou uma lista de intenções para o que pretende ser a Fórmula 1 a partir de 2025. Por ora, ficam os motores 1.6 V6 turbo com um sistema híbrido leve, que permite recuperação de energia e menor consumo de combustível, porém “congelados” (sem desenvolvimento) nas temporadas de 2022, 2023 e 2024. Uma decisão que talvez permita à Mercedes conseguir 11 títulos seguidos, de 2014 a 2024. Logo saberemos.

O que realmente importa, já que o presente parece não ter solução (os motores atuais não servem para nada, pois nenhum carro de passeio usa), é o futuro. A lista de intenções parece bastante vaga e totalmente incoerente. Os pontos principais são os seguintes:

  • sustentabilidade ambiental e relevância social e automotiva;
  • adoção de combustível totalmente sustentável;
  • criação de uma unidade de potência poderosa e emotiva;
  • uma significativa redução de custo;
  • atratividade para novos fabricantes de unidades de energia para a categoria.

A primeira coisa a ser feita seria eliminar esse ridículo termo “unidade de potência” e voltar a chamar o motor pelo seu verdadeiro nome: motor. Simples assim. Ninguém fala em “unidade de potência” na indústria automobilística, muito menos nas ruas, e isso já é um item que deixa a Fórmula 1 distante da realidade do mundo fora dos autódromos que abrigam os Grandes Prêmios. Mas vamos analisar ponto por ponto.

Sustentabilidade ambiental e relevância social e automotiva — Não está claro se o termo “relevância social” se refere à tecnologia ou ao engajamento em causas identitárias, como racismo, homossexualidade, diversidade no ambiente de trabalho. Se for isso, é mais fácil. Se for a questão tecnológica, não há como ir na contramão do que a indústria de carros está fazendo. Portanto, a ideia de Bernie Ecclestone de voltar aos motores V8, “que todo mundo tem”, segundo ele (e é verdade), só faz sentido com os combustíveis sintéticos. A menos que a Fórmula 1 decida utilizar o etanol brasileiro, o que é totalmente improvável, pois nem o governo brasileiro atentou para seu potencial.

A sustentabilidade ambiental tem a ver com menor consumo energético, mas isso deve ser perseguido não só em relação aos carros que estão na pista, mas em toda a ecologia da Fórmula 1. Isso passa pelos motorhomes e outras formas de mobilidade e consumo. Reduzir o uso de plástico supérfluo também é um item. Para ter “relevância automotiva”, entretanto, é muito difícil que o futuro da Fórmula 1 não seja 100% elétrico na questão dos motores. Mas isso, aparentemente, será uma meta para a década de 2030 a 2039.

Adoção de combustível totalmente sustentável — Isso é perfeitamente viável, pois algumas empresas trabalham forte nisso. A alemã Bosch é uma das mais avançadas. Para além disso, ao optar por um combustível totalmente sustentável, a Fórmula 1 mantém sua histórica parceria com as petroleiras, que também precisam de algo novo para continuarem vivas no Primeiro Mundo. Carros com motor a combustão interna só existirão (durante algum tempo) em países do Terceiro Mundo ou “em desenvolvimento”.

Criação de uma unidade de potência poderosa e emotiva — Este item tem a ver com o primeiro. Com motores alimentados por combustíveis sintéticos, é possível que a Fórmula 1 adote um motor V8 convencional, o que garante o poder e a emoção, trabalhando em conjunto com um sistema elétrico. Pode ser um sistema híbrido leve, como é hoje, mas para cumprir o item 1 (relevância automotiva) a Fórmula 1 deveria investir num sistema híbrido de fato, com um motor elétrico aumentando a potência combinada.

Vista traseira do carro-conceito de F1 da Ferrari: sempre haverá um poderoso motor para o eixo de trás.

Vista traseira do carro-conceito de F1 da Ferrari: sempre haverá um poderoso motor para o eixo de trás.

Foto: Ferrari / Divulgação

Aqui entra um elemento interessante. Se quiser mesmo ter ”relevância automotiva”, a Fórmula 1 poderia pensar num carro com tração 4×4. Nesse caso, o motor traseiro tracionaria as rodas de trás e um motor elétrico jogaria tração para as rodas dianteiras. Já pensou? A questão é: como acomodar um motor elétrico dianteiro no carro de F1 sem que ele perca toda sua aerodinâmica? Único lugar possível seria na frente dos pés do piloto, o que jogaria o cockpit mais para trás. Poderia ser interessante e bastante inovador, além de útil para o desenvolvimento de carros de passeio de alta performance. Porém, isso se chocaria com o próximo item.

Uma significativa redução de custo — Criar um novo tipo de carro como precisa ser um F1 (monoposto com rodas expostas e fantástica aerodinâmica) talvez nem seja o pior dos problemas. O problema maior é o desenvolvimento para a melhora da performance e a sua usabilidade. Uma forma de reduzir os custos seria ter menos regras, deixar a categoria mais livre, permitir a entrada de novos participantes, abrir um pouco o clubinho fechado que se formou com os sucessivos Pactos da Concórdia, ficar menos dependente da indústria automobilística, que é megalomaníaca por natureza quando se trata de automobilismo.

Atratividade para novos fabricantes de unidades de energia para a categoria — Este é o ponto mais difícil porque sempre haverá uma Ferrari ou uma Mercedes barrando a entrada de novos rivais. Especialmente para a Ferrari, a Fórmula 1 se tornou vital em termos de negócio. A Ferrari atualmente tem motores V8 e V12 em seus carros de passeio. A marca é uma das que menos investe em eletrificação. Para atrair marcas como Porsche, Audi, Volkswagen, Bugatti, Lamborghini, Peugeot, Toyota, Nissan, Ford e Chevrolet, ou mesmo chinesas como a Chery e a Geely, a F1 precisará dar um passo mais decisivo em direção à eletrificação total. A Mercedes quer isso. E a Ferrari, quer?

Por tudo isso, a sensação que fica é que a Fórmula 1 ficou presa em seu próprio labirinto. Ao estipular regras demais, ao ficar totalmente dependente dos interesses de três ou quatro fabricantes de automóveis, a F1 perdeu o controle de seu próprio destino. Se fosse livre, como no passado, vez ou outra atrairia fabricantes interessados em desenvolver algum sistema. Como é hoje, a Fórmula 1 se tornou uma aba no business plan dos grandes fabricantes — uma aba bem cara, diga-se. Por isso é muito difícil colocar em prática todas essas boas intenções, inclusive atrair novos fornecedores de “unidades de energia” para a categoria.

 

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