Veículo elétrico mais vendido da Europa em 2020, o Renault Zoe evoluiu muito desde seu lançamento no Brasil, dois anos atrás: a nova geração traz mais potência, autonomia e, principalmente, mudanças estéticas que o tornam mais atraente ao consumidor tradicional.
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De olho na eletrificação inevitável que o mercado brasileiro segue resistindo — por querer ou não — o novo hatch desembarcou na América do Sul e foi dirigido por QUATRO RODAS, que compartilha as primeiras impressões do elétrico que é popular no estilo, mas bem exclusivo no custo.
Mudança gradual
O desenho dos automóveis não surge por acaso: lado do volante, posição do porta-malas, quantidade de assentos e tudo mais é definido por questões econômicas, técnicas ou comerciais. O arranjo, porém, começa a se embaralhar quando carros elétricos repetem padrões impostos pela mecânica dos ciclos Otto e Diesel.
É um fenômeno comum em transições marcantes na indústria, e a chegada dos EVs traça paralelos com a introdução dos smartphones no que se refere ao costume. É o caso de empresas como a Apple, que percebeu que a ausência da resposta tátil das teclas físicas seria assimilada aos poucos e, para facilitar a mudança, recorreu ao esqueumorfismo.
O palavrão vem do grego e corresponde à ideia de manter detalhes anteriormente necessários em novas ferramentas. É por isso que os primeiros iPhone vinham, por exemplo, com calculadoras que imitavam máquinas analógicas ou bloco de notas que simulava a textura do papel até que o design 100% touch fosse adotado.
O Renault Zoe se apega à ideia, e à primeira vista o modelo provoca bem menos estranhamento que a versão antecedente, com jeitão de carro-conceito. Além das proporções harmonizadas pelas curvas menos sóbrias — e destacadas pelo belo azul Céladon de lançamento —, faróis e lanternas menos vanguardistas fazem-no mais agradável a todos os públicos. Como o facelift se concentrou na dianteira, entretanto, há leve estranhamento pela junção de estilos de design distintos e uma sensação falsa de que o carro é bem menor do que parece.
Buscando associar “a irreverência da juventude ao dinamismo da idade adulta”, o novo Zoe também foi renovado por dentro, onde cores neutras dominam sem torná-lo muito sem graça mas com inevitável aspecto que lembra os assentos de trens e metrôs. Todavia, se tratando de um veículo concebido também de olho em ideias como o compartilhamento entre motoristas, há certo pragmatismo aceitável nos tons e texturas escolhidos.
Em termos de espaço interno, a cara é de Kwid mas o entre-eixos é de Sandero, com 2,60 metros. Desse modo, mesmo no banco de trás é possível viajar com conforto, ampliado pelo assoalho quase todo plano e ergonomia apurada. O grande limitante acaba sendo a largura de 1,6 m que torna a vida de três passageiros atrás mais complicada.
Além da qualidade notável das texturas, o equilíbrio entre irreverência e dinamismo é garantido, por exemplo, pelo esqueumorfismo da Renault ao manter a alavanca de câmbio rebatizada como Alavanca de modo de condução “e-shifter”, que serve para variar entre os modos de estacionamento (P), neutro (N), condução (D) e recuperação de energia (B), no qual o uso do freio é substituído pela recuperação de energia cinética. Assim, o carro já freia uma vez que o pé é retirado do acelerador, com o pedal esquerdo sendo utilizado só em reduções bruscas.
Prático e econômico, o mecanismo também é modulável, e basta pisar levemente no acelerador que parte da inércia é mantida, diminuindo a recuperação energética. Em poucos minutos o feeling se adapta e usar o modo B se torna intuitivo.
A tecnologia não é abundante, e a central multimídia de 7” – 3” menor que a usada no exterior — tem boa resposta ao toque e funções obrigatórias em um carro desse preço. A ausência de melhores apps e ferramentas, porém, tornam necessário o uso de Android Auto ou Apple CarPlay para uma experiência melhor.
O quadro de instrumentos tem tela TFT de 10” e é mais personalizável, variando entre interfaces que remetem aos carros a combustão e design futurista. O contraste também é ótimo, e permite enxergar detalhes com clareza mas sem ofuscamento.
Completando o pacote de entretenimento, há seis alto-falantes bem arranjados e justos. As frequências são bem distribuídas e, mesmo com equalizador pouco preciso, é fácil de encontrar o melhor balanço. Por fim, o excelente isolamento acústico permite que o volume se mantenha reduzido, evitando distorções inevitáveis em um kit padrão.
Desempenho e condução
Curiosamente, uma das experiências mais convencionais no Renault Zoe é a partida do motor, feita via sensor de presença da chave e botão no painel, mas tudo muda quando o veículo começa a andar.
Graças aos vidros acústicos e isolamento na carroceria e assoalho, o hatch se mostra extremamente silencioso mesmo para os padrões elétricos. Seja atrito dos pneus, motor ou resistência do ar, nada soa mais do que um pequeno ruído na cabine mesmo em velocidades mais altas.
Com centro de gravidade mais próximo do solo, o automóvel é bem estável e sua rolagem raramente é percebida. A suspensão também atua com discrição e mesmo os baques de fim de curso, que acontecem de forma suave, sem prejudicar o conforto dos ocupantes, também são muito amenizados pelo isolamento sonoro.
O novo motor R135, com 135 cv e 25 kgfm, também agrada, e suas respostas ágeis contribuem para o ziguezague urbano sem drama de rotações elevadas e aceleração bem ágil. Com máxima de 140 km/h o Zoe suporta com decência a estrada, onde as melhorias aerodinâmicas se mostram úteis para manutenção eficiente da velocidade.
Busca da popularidade
Em tempos nos quais a eletrificação se tornou até discussão política, a Renault foi humilde ao reconhecer e corrigir os pontos fracos do Zoe, como seu design anterior e autonomia abaixo do ideal. Além disso, a companhia parece focada em vendê-lo mais como uma solução de mobilidade do que um bem particular. A fabricante até anuncia-o como parte de seu programa de assinatura, mas a pesquisa de QUATRO RODAS não encontrou nenhuma unidade alugável no endereço informado.
O discurso politicamente correto, todavia, convence, e além do estranhamento calculado nos passageiros de primeira viagem em um EV, há preocupação com questões ambientais como a escassez de metais de terra rara, pouco utilizados na fabricação da unidade de potência.
Reutilização é mantra, e, enquanto 50% dos tecidos utilizados no acabamento vêm de aparas de tecido e cintos de segurança descartados, outra metade é produzida a partir de garrafas PET recicladas. Também há quatro peças de plástico inteiramente feitas de polipropileno reciclado, totalizando 22,5 kg de materiais reciclados no projeto.
Parece pouco, mas na era do car shaming (quando pessoas são criticadas por usarem automóveis, tidos como poluidores e individualistas) esses detalhes contribuem para que os automóveis recuperem status de objeto desejado, cada vez mais escasso entre jovens adultos como a universitária Raquel Coronel, surpreendida pelo ambientalismo aplicado e pela sensação constante de “algo a mais” que a carroceria pensada no que o powertrain elétrico oferece.
A autonomia também melhorou, e o Zoe faz questão de exibir seu alcance de até 385 km a fim de mostrar que capacidade energética é coisa do passado (recente). Adicionalmente, recarregá-lo é uma experiência prática, graças às opções de abastecimento convencional ou em eletropostos rápidos, com 800 V.
Segundo a Renault, um carregador doméstico pode repor toda energia das células em 8h33. Também é possível deixá-lo plugado e configurar os momentos de recarga, a fim de evitar períodos com tarifa mais cara. Já em eletropostos, o reabastecimento rápido adiciona 150 km de alcance em 30 minutos, contra 1h de conexão para o mesmo acréscimo nos pontos de 22 kW.
O que falta para o Renault Zoe?
Preço competitivo. A resposta é simples porque, apesar de todas as mordomias, o valor do modelo, importado da França, é proibitivo para grande maioria dos consumidores.
Mesmo quem pode desembolsar R$ 204.990 pela versão Zen ou R$ 219.990 pela topo-de-linha Intense, tende a escolher veículos maiores, que oferecem vocação urbana aliada à capacidade rodoviária que, no Zoe, cumpre o mínimo necessário.
A situação é generalizada e contraditória: ao mesmo tempo que modelos como Toyota Prius e Tesla Model 3 se tornaram parte da cultura pop inclusive no Brasil, elétricos ainda são vistos com admiração e muitas fotos pelos pedestres. Com economia de escala e maior eficiência a situação será inevitavelmente corrigida; enquanto isso, o Zoe seguirá um modelo inacessível, aquém de seu potencial na tardia eletrificação brasileira.
Ficha técnica do Renault Zoe E-Tech Intense*
- Preço: a partir de R$ 204.990
- Motor: elétrico, dianteiro, transversal, síncrono, 135 cv entre 4.200 e 11.163 rpm, 25 kgfm 1.500 e 3.600 rpm.
- Baterias: íons de lítio, 52 kWh
- Autonomia: 385 km (ciclo WLTP)
- Tempo de recarga: recarga rápida DC 50kW (0-80%), 1h05; terminal 11kW trifásico (0-100%), 5h48; Wallbox 74 kW monofásico (0-100%), 8h33.
- Arquitetura: Carroceria monobloco, dois volumes, cinco lugares, quatro portas.
- Câmbio: redutor, marcha à frente e uma à ré, tração dianteira.
- Freios: disco ventilado, 280 mm de diâmetro.
- Direção: elétrica, 10,6 m de diâmetro de giro).
- Pneus e rodas: 185/65 R1R, liga leve.
- Velocidade máxima: 140 km/h.
- 0 a 100 km/h: 9,5 segundos.
- Dimensões: comprimento, 408,4 cm; largura, 173,0 cm (excluindo retrovisores); altura, 156,2 cm; entre-eixos, 258,8 cm; porta-malas, 338 litros.
*Dados de fábrica
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