Seja pela questão ambiental ou por uma simples tendência de mercado, os carros elétricos entraram no radar dos motoristas e começaram a ganhar as ruas das cidades em todo o mundo. Mas será que vale a pena ter um deles na garagem?
Para responder de forma breve, ainda estamos um pouco longe do “ter que ter” um carro elétrico no Brasil. Por volta de 2033, o mundo certamente estará em outro patamar de mercado, quando boa parte das montadoras promete transformar seu portfólio em eletrificados.
Mas entenda por eletrificado não só os chamados veículos puramente elétricos. Entram nessa conta ainda os híbridos, que por sua vez existem com diferentes tecnologias.
Vamos falar de EVs
Nesta reportagem vamos considerar apenas os elétricos, aqueles carros que funcionam com baterias que só podem ser recarregadas na tomada – também chamados de EVs.
O Brasil já possui vários desses modelos à venda e os emplacamentos crescem à medida que mais opções chegam, assim como evoluem suas tecnologias.
Empresas investem pesado na instalação de eletropostos públicos para fazer jus tanto à oferta de veículos quanto ao aumento do interesse dos consumidores.
Vamos explicar como são, como funcionam e quais são os dilemas. No fim do texto, você certamente saberá se já é um adepto dessa nova tecnologia ou se prefere esperar mais alguns anos antes de sair com um carro elétrico pelas ruas.
Mudança de mentalidade
Antes de mais nada, é preciso ter a mente aberta para novas experiências. Trata-se do famoso mindset: o carro elétrico e todos seus benefícios te propõem a mudar sua mentalidade. Se você conseguir chegar aí, todo o restante fará mais sentido.
Ao questionar sobre estilo de vida e necessidades, é importante colocar que o carro elétrico é ainda, salvo poucas exceções, uma solução para deslocamentos curtos.
Eles são indicados para consumidores que usam seus carros na cidade e têm um ponto de recarga facilitado, seja em casa, no escritório ou em eletropostos (shopping centers ou mercados, por exemplo).
Hoje há diversos tipos e tamanhos de carros elétricos, mas os mais acessíveis são os chamados “city cars”: pequenos e urbanos, para pessoas que se deslocam na cidade e não precisam atingir grandes distâncias.
Preço é entrave
Uma das principais críticas aos carros elétricos é o preço. Nenhum modelo sai hoje por menos de R$ 150 mil. Câmbio desfavorável (todos são importados), alto custo da bateria, mais tecnologia embarcada e ainda produção em menor escala contribuem para o elevado valor.
O Seu Dinheiro tem também um guia completo com os preços dos principais carros elétricos, incluindo o Tesla, fabricante de EVs do bilionário Elon Musk. Cadastre-se na nossa newsletter para receber o alerta das nossas publicações.
Fora do Brasil, os elétricos também custam mais, embora essa diferença venha diminuindo com o tempo. Alguns executivos de montadoras apontam que até 2025 os preços dos modelos elétricos e a combustão deverão se igualar.
Além do preço do veículo, o consumidor deve considerar ter em casa (ou escritório) um wallbox, equipamento que ajuda a carregar o veículo mais rapidamente.
Na tomada
As recargas costumam durar de quatro a oito horas, mas podem demorar mais. Se forem postos de carga rápida, cerca de 80% da bateria pode ser recarregada em meia hora. Além de capacidades diferenciadas conforme o carro, o consumidor deve considerar que tipo de tomada vai usar.
Esqueça a tomada convencional. Você vai precisar de um wallbox, que agiliza a recarga — e custa a partir de R$ 7 mil. Para se ter uma ideia, há carros que na tomada comum de casa levam mais de 20 horas para serem carregados.
Pelo wallbox, conforme a potência, a recarga dura entre duas e sete horas. Algumas montadoras, em lançamentos e promoções, incluem um wallbox na venda do veículo.
De olho nas siglas de autonomia
Outro dilema de um carro 100% elétrico é a autonomia, o que pode variar bastante conforme quem usa o carro. As estimativas das montadoras são baseadas em padrões diferentes.
O europeu com a abreviação NEDC não é dos mais confiáveis porque é o mais antigo e apoiado em testes de laboratório, sem colocar o carro em condições de rua.
Já o WLTP faz testes de laboratório e nas ruas e estradas. Ou seja, pode indicar uma autonomia menor, contudo, mais próxima do que o motorista encontra.
Há ainda o padrão norte-americano EPA, considerado mais detalhado e rigoroso, e por isso mais confiável.
Mas a autonomia de verdade vai ser determinada pelo jeito de dirigir e pelo que é consumido no carro, como ar-condicionado, por exemplo, e alguns modos de condução, que permitem a recarga pela frenagem.
Outra curiosidade é que, diferentemente dos carros a combustão, que consomem mais na cidade do que na estrada, os elétricos podem ser menos eficientes nos percursos rodoviários por causa da velocidade mais alta e da menor regeneração da energia devido ao uso menos recorrente dos freios e do freio-motor.
Este, aliás, é mais um ponto de atenção ao utilizar o veículo elétrico em percursos maiores: a autonomia pode cair e pegar o motorista desprevenido.
Carro elétrico é mais econômico
Na parte técnica, os modelos 100% elétricos são mais eficientes, pois precisam de menos energia se forem comparados aos carros movidos a combustão.
Enquanto um elétrico precisa de 20 kWh para rodar 100 km, um modelo a gasolina vai usar 10 litros de combustível para fazer o mesmo percurso.
Partindo de um valor de R$ 0,60 o kWh e o preço médio da gasolina de R$ 6,30 em São Paulo, estima-se que uma viagem de 100 km com o carro elétrico custe R$ 12, contra R$ 63 no modelo a gasolina. Isso se não for feita a recarga em eletropostos públicos — por enquanto, gratuitos.
Outra comparação bastante favorável ao elétrico é seu custo de manutenção: com menos componentes, ela fica simplificada.
Um carro elétrico não tem itens como bielas, velas, filtros de óleo e de combustível, radiador e injeção eletrônica, entre outros. Além de revisões mais baratas e rápidas, o freio desgasta menos por causa do sistema que regenera a bateria.
Contudo, antes de decidir pela compra, é importante o interessado estudar os valores das revisões e manutenções. Dependendo da marca esse custo pode ser elevado pelo incremento tecnológico desse tipo de carro, as peças importadas e o treinamento especial que a concessionária investe para esse tipo de veículo.
Valor de revenda
Todo mercado novo enfrenta seus desafios, principalmente no segmento dos veículos usados. O de elétricos não é diferente. Pouco se fala de sua revenda, porque eles começaram a chegar por volta de 2015 e estima-se uma frota de 3,5 mil unidades hoje, boa parte ainda com seus primeiros donos.
Neste ano, as vendas de novos devem representar quatro vezes o total de 2019, quando foram vendidos 538 elétricos.
A Fipe aponta uma depreciação média de 40% dos elétricos após três anos de uso. Numa rápida pesquisa em portais de classificados, a reportagem encontrou Nissan Leaf 2019 com depreciação de 25% sobre o novo.
Já um BMW i3 2015 depreciou 50% em seis anos e um Chevrolet Bolt 2019, 16%. Lembrando que esses são valores cobrados por lojistas e não exatamente o preço que seu ex-proprietário recebeu na venda.
Um dos empecilhos na revenda é a desconfiança do mercado sobre as baterias, que vão desde a capacidade de recarga à vida útil. As montadoras dão garantias maiores para as baterias (entre cinco e oito anos), mas sua vida não passa dos dez anos.
Os carros que circulam pelo Brasil ainda não chegaram a esse ponto, mas é preciso considerar que o conjunto novo de baterias pode exceder o valor do modelo usado.
Ao volante
Talvez todas essas questões – alto preço, dúvidas e receio de zerar a carga – possam ficar em segundo plano depois de dirigir um carro elétrico.
Para aqueles que não são entusiastas pelo ronco do motor, o elétrico pode ser uma ótima experiência: roda suave e, dependendo por onde circula, o motorista vai escutar apenas o barulho dos pneus em contato com o asfalto. Tão silencioso que requer cuidado ao sair próximo de calçadas, por exemplo, onde pedestres circulam distraídos.
Outra característica do carro elétrico, seja qual for o modelo, é seu torque imediato, ou força de aceleração. Genericamente, em carros com motor 1.0, o torque gira em torno de 10 kgfm. Já motores 1.8 chegam a 19 kgfm.
Em elétricos, a força de um pequenino Renault Zoe é de 25 kgfm, enquanto chega a 32 no Nissan Leaf. Os elétricos são bem ágeis e divertidos de andar na cidade.
Também não há câmbio: ao entrar em um elétrico, basta acionar a marcha para a frente ou sua ré.
Outro sistema diferente presente em alguns elétricos, como Nissan Leaf, Volvo XC40 Recharge e Renault Zoe, é o chamado e-pedal: o motorista consegue dirigir a maior parte do tempo apenas com o acelerador.
Para reduzir e parar o carro em algumas situações, basta tirar o pé do pedal, lembrando aqueles carrinhos de bate-bate dos parques de diversão. Esse modo de dirigir ainda ajuda a regenerar a bateria.
Ansiedade de bateria
Também no dia a dia, o motorista aprende um pouco sobre sua autonomia, conforme dirige e usa o carro. O indicador de carga será um dos itens mais observados no computador de bordo do veículo.
Em alguns países, especialistas já citam a “ansiedade de bateria”, um distúrbio que vem justamente dessa “aflição” do motorista de o carro zerar a carga e ele não chegar aonde precisa.
Para deixar todos mais calmos, existem alguns aplicativos que mostram onde existem eletropostos, como o Plugshare. Há desde os tipos de tomadas, tipos de carregador (normal ou rápido) e se é gratuito ou cobrado.
Esse é um ponto de atenção: hoje, a maioria é gratuita. Mas no futuro próximo, ninguém garante se não haverá uma cobrança pelo abastecimento de EV.
O mesmo ocorre para quem mora em prédio: antes de adquirir um carro elétrico é preciso saber a política do condomínio sobre as tomadas e o custo.
Isso porque, se o wallbox particular for instalado numa área da garagem, quem pagará pelo uso? Alguns novos empreendimentos já preveem tomadas na garagem, mas a realidade é que elas ainda são raríssimas.
Outra situação que pode ocorrer com os eletropontos de EV em supermercados, shopping centers e postos de combustível é o motorista encontrar um ou mais veículos à espera de recarga.
Com o tempo, mais e mais pessoas vão adquirir carros elétricos e a infraestrutura precisa acompanhar esse crescimento para não gerar filas de espera e aborrecimentos.
Plugues diferentes de carro elétrico
Os carros elétricos também não têm um padrão de conectores: há os modelos europeu, americano e japonês. A Tesla, por sua vez, criou seus próprios plugues. Os adaptadores ajudam nessa bagunça, mas informe-se ao comprar o carro para não ser pego de surpresa. A maioria dos que rodam hoje no Brasil usa o “tipo 2”.
Nem todos os carros vêm com os cabos para a recarga. O Nissan Leaf, por exemplo, traz, mas com o tempo fica sujo – e você vai precisar de um álcool em gel por perto para limpar as mãos.
Já o Renault Zoe não tem esse cabo e requer um wallbox ou eletroposto para ser recarregado. Isso não indica se um carro é melhor ou pior, apenas uma característica que precisa ser avaliada em sua compra.
E para viajar?
Toda essa epopeia em torno da recarga e da autonomia dos modelos elétricos dificulta a vida de quem utiliza o veículo em longas distâncias.
Embora fabricantes e empresas invistam cada vez mais na multiplicação de pontos de recarga nas estradas, não é difícil achar relatos de usuários passando por perrengues ao viajar a locais sem infraestrutura.
Esse é outro ponto que tende a melhorar: segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o país possui hoje 754 estações de recarga públicas e semipúblicas para EVs – em março eram 500 pontos.
Por isso é sempre importante conhecer bem o carro e planejar as viagens com seus pontos de abastecimento.
Afinal, vale a pena ter carro elétrico?
Claro que se você chegou até aqui é porque gostaria de saber se vale ou não a pena ter um elétrico. Como foi dito, requer mudança de mentalidade e planejamento.
Na prática, compensa ter um elétrico na garagem se você roda mais na cidade, tem outro carro para viajar (ou não viaja muito de carro) e facilidade em se planejar. A tecnologia em si é confiável, só tende a melhorar e será o futuro, sem dúvida.
Além do aspecto sustentável, manter um carro elétrico custa menos do que o convencional similar e abastecê-lo ainda é gratuito nos eletropostos públicos.
Em casa, abastecê-lo custa uma fração do que se gasta num posto de gasolina. Por fim, considere gerar sua própria eletricidade em casa e recarregá-lo custará menos ainda.
Enumeramos 10 prós e contras para te ajudar a concluir se você tem o perfil ou não para levar um veículo 100% elétrico (EV) para casa.
O carro elétrico (EV) é para você se…
- Tem poder aquisitivo para comprar um carro pelo menos 50% mais caro em relação aos similares a combustão;
- Tem familiaridade com inovações, tecnologias e se encaixa no perfil dos new adopters;
- Não se importa em não ouvir mais aquele ruído do motor;
- Ao mesmo tempo, aprecia um carro ágil e que responde muito bem às acelerações;
- Não se aborrece por ter de se planejar onde vai carregá-lo;
- Apoia a causa ambiental e prefere ter um veículo que não polua;
- Trabalha ou vive em uma cidade onde há muitos eletropostos;
- Mora em um local onde existe ou pode instalar um wallbox sem ter problemas com condomínio ou vizinhos;
- Circula a maior parte do tempo dentro da cidade;
- Não se preocupa em arriscar a perder dinheiro se aquele modelo sofrer maior depreciação.
O carro elétrico (EV) NÃO é para você se…
- Gosta do barulho do motor;
- Gosta de trocar de marcha, principalmente se for câmbio manual;
- É avesso a novidades, prefere que elas se consolidem antes de consumi-las;
- Não tem paciência de esperar por quase 1 hora para uma recarga “rápida”;
- Não quer se preocupar com a autonomia: se o combustível estiver na reserva é só parar no posto e reabastecer;
- Mora em prédio e teria problema com vizinhos para usar tomadas comuns;
- Viaja bastante e não quer se importar com todo o planejamento de recargas no caminho;
- Desconfia que em breve os eletropostos vão cobrar por essa eletricidade, então não será tão competitiva em relação aos combustíveis líquidos;
- Não quer gastar tanto dinheiro em um carro;
- Não quer correr risco de perder mais dinheiro com a incerta depreciação.