Pioneira dos carros puramente a bateria, o sucesso precoce Tesla acabou ditando muitos aspectos da primeira onda de elétricos, como se a receita de Elon Musk acertasse em tudo.
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Passados alguns anos, porém, já há muita gente que questiona sua longevidade e, sobretudo, suas escolhas estéticas simples e por vezes preguiçosas.
Com experiência incomparável na parte de criação e design, as montadoras tradicionais se encaixam nesse grupo questionador, e agora quase todas buscam ser uma “Apple dos elétricos”, definindo padrões estéticos dos EVs da mesma forma que a Maçã fez, há 15 anos, com os smartphones.
Os conglomerados automotivos têm ainda mais vantagem na corrida, espalhando diferentes ideias pelas suas marcas a fim de filtrar o que agrada ou não.
Essa estratégia parece ser adotada pelo grupo Hyundai, que recentemente lançou dois modelos baseados na mesma arquitetura, o Hyundai Ioniq 5 e o Kia EV6. O segundo, mostrado aqui, já está em processo de homologação no Brasil, com vendas previstas para o ano que vem.
Ele integra um plano ousado de renovação da marca no país, que ainda trará o Sportage MHEV e já estuda a importação do novo Sorento. Construído sobre a plataforma E-GMP – exclusiva para elétricos –, o EV6 aproveita a mecânica mais compacta da tração elétrica para redefinir as suas proporções.
Ele é 7,4 cm mais curto que o Jeep Commander, por exemplo, ao mesmo tempo que tem entre-eixos 10,6 cm maior. Seu vão livre, por outro lado, é equivalente ao de um Toyota Corolla (cerca de 15 cm), em um somatório de medidas que faz do veículo sul-coreano um crossover perfeito, misturando conceitos de perua e SUV.
O sol forte do verão brasileiro destaca a pintura curiosa do EV6, do tipo matte, como se a carroceria tivesse sido lixada, mas não polida. Uma vez que a camada fosca não forma reflexos, é como se não houvesse distrações ao encará-la nas ruas, destacando o modelo.
Mas cuidar de uma pintura desse tipo é bem mais complicado, com detergente, lava-jatos e polimento estritamente proibidos. Desse modo, a versão GT-Line, dirigida, conta com outras oito opções de cores, em tintas convencionais.
Desenhado com o intuito de “unir opostos”, o EV6 é fiel à proposta: atrás, há bastante ousadia na tampa côncava do porta-malas e nas lanternas – projetadas para o chão, mas bem visíveis. As setas ficam ao contrário, viradas para o céu, e ajudam a criar uma identidade visual bem marcante e luminosa. Já o motor, traseiro, não compromete o bom porta-malas de 490 litros.
A dianteira vai pela modéstia, mais preocupada em reinventar o Nariz de Tigre da Kia através do desenho dos faróis e uma fina barra preta onde ficaria a grade.
Dado que apenas a parte inferior do para-choque tem entradas de ar (dedicadas ao arrefecimento das baterias), o capô em concha ocupa mais espaço, escondendo em si um divertido porta-objetos de 52 litros, cuja tampa imita a capa de um motor a combustão.
Sala de estar
A cabine do Kia EV6 reforça minha impressão de que japoneses e coreanos apostam em uma tecnologia mais “humana”, sem apego às telas gigantescas.
Seria um pecado pensar diferente, afinal de contas um dos grandes benefícios da plataforma E-GMP é o aproveitamento de espaço graças ao assoalho plano do carro. Disso vêm boas ideias como o console central semelhante à boca de um jacaré, com porta-objetos sob o disco seletor de marcha e chão sem divisões, aumentando o espaço dos pés.
Nada é tão legal quanto o banco “zero-gravidade”; mais fino e, ainda assim, extremamente confortável. A ideia é distribuir o peso do corpo conforme a estrutura biológica humana e, na prática, quando ajusto o assento, o encosto se move junto. As coxas ficam mais levantadas e as costas mais deitadas, de um modo um pouco estranho, mas ideal para a lombar.
Realidade aumentada
Com design minimalista, o painel do EV6 acaba sendo pouco criativo para um modelo que, mesmo sem preço oficial, deve exceder os R$ 400.000.
As telas curvas que servem de central multimídia e quadro de instrumentos são belas e funcionais, mas idênticas às do Sportage que será lançado nos próximos meses, um modelo bem mais barato e que serve de referência.
O SUV híbrido leve também aproveita o arrojado comando de áudio, projetado sobre uma placa que, mediante toque, se transforma no seletor do ar-condicionado.
Sem brechas para que sua moderada automação veicular falhe, o EV6 depende até de dados de topografia que simulam a forma da Terra. Essa referência varia conforme o país, e é necessário para o uso da realidade aumentada que projeta, pelo head-up display, informações de GPS sobre a pista.
Ausente da devida calibração necessária para o Brasil, essa função ainda não pôde ser testada, assim como a capacidade de o carro sair e entrar de vagas sozinho.
Futuros donos brasileiros se divertirão bastante com o centro de gravidade do carro bem próximo ao solo. Os 228 cv do motor são mais do que suficientes para qualquer situação cotidiana, mas não chegam perto de acelerar de maneira assustadora.
Não que faça falta: o torque instantâneo, a eficiente suspensão e uma alta rigidez torcional — favorecida pelo uso estrutural do compartimento de baterias — fazem os 1.930 kg colarem no chão como se houvesse aerofólios esportivos exercendo uma downforce considerável.
Agilizando as retomadas, há borboletas no volante que dosam a regeneração de frenagem. Em ação máxima, a recuperação de energia cinética permite o uso exclusivo do acelerador, com um forte freio motor logo que se tira o pé.
Ele também é intenso no modo econômico, necessário para que o crossover atinja os 522 km de alcance, declarados. Na hora da recarga, segundo a Kia, um sistema de 800 V leva apenas 18 minutos para suprir 70% das baterias (difícil é achar um eletroposto desses em nosso país).
O EV6 deve chegar ao mercado no segundo semestre de 2023. Seguindo uma proposta descolada de carros a combustão, o modelo da Kia tende a dialogar melhor com quem já namora um veículo a baterias, naturalmente em busca de vanguarda tecnológica.
Veredicto
O EV6 é um bom indício de como tecnologia e luxo conversarão no futuro. Tendo bom preço, cairá no gosto dos geeks.
Ficha Técnica
Preço: US$ 51.200 (EUA)
Motor: traseiro; ímãs permanentes, 228 cv; 35,7 kgfm; baterias de 77,4 kWh; autonomia, 522 km (WLTP)
Câmbio: automático, 1 m., tração traseira
Suspensão: McPherson (diant.); Multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant. e tras.)
Pneus: 235/55 R19
Dimensões: compr. 469,5 cm; largura, 189 cm; altura,155 cm; entre-eixos, 290 cm; peso, 1.930 kg; porta-malas, 490 l (tras.); 52 l (diant.)
Desempenho: 0 a 100 km/h, 7,3 s; velocidade máxima de 183,5 km/h
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