Michael Kunkel/Audi Motor Sport

O brasileiro Lucas di Grassi é piloto da Audi na Fórmula E e embaixador do meio ambiente da ONU

O que transforma o automobilismo no assunto predileto de Lucas di Grassi, de 37 anos, não é o fato de ser um dos poucos brasileiros que chegaram à Fórmula 1 nem o de ser o melhor piloto nacional da história nas 24 Horas de Le Mans (com três pódios). Muito menos o título mundial na Fórmula E (categoria desenvolvida por ele a partir de 2012).

O que faz os olhos desse paulistano brilharem mais é o uso de tecnologias limpas de mobilidade para a despoluição do ar das grandes cidades. Em 2016, ele levou um carro de corrida para a calota polar ártica com o objetivo de chamar a atenção para o aquecimento global e a aceleração do derretimento do gelo. A dedicação ao assunto é tamanha que, desde 2018, ele é embaixador do programa de meio ambiente (United Nations Environment Program Clean Air Advocate) da ONU.  

Um ano antes, ele foi contratado como CEO da Roborace: série de eventos com carros de corrida comandados por inteligência artificial que tem o objetivo de criar um laboratório para a indústria testar e desenvolver mais rapidamente carros autônomos. Em julho de 2020, lançou, ao lado do empresário Alexander Wurz, o primeiro campeonato internacional de patinetes elétricos, o eSC. Nos dois últimos anos, realizou o Zero Summit, que reúne ideias e tecnologias voltadas para um futuro com redução drástica de carbono na atmosfera.  

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A seguir, uma entrevista com o piloto e entusiasta de tecnologia Lucas di Grassi (a ponto de batizar o primogênito como Leonardo, de 3 anos, em homenagem a Leonardo da Vinci). 

Há quanto tempo a eletrificação de veículos chama a sua atenção?  

A tecnologia chama a minha atenção desde criança. A eletrificação é simplesmente um passo adiante nesse meu interesse, acompanhando o avanço da tecnologia. Me interessa essa procura de mais eficiência, serviços melhores, produtos mais avançados, trabalhar para melhorar o transporte e torná-lo mais democrático e seguro. Comecei a me envolver com migração para o motor elétrico há uns dez anos, quando vi que a eletrificação era o futuro da indústria.

Roborace

Roborace

Carro autônomo desenolvido para a Roborace

Qual o panorama que faz da evolução dessa tecnologia na última década?  

O mais importante em termos de impulso para a tecnologia é o fato de as duas tecnologias, elétrica e combustão, terem chegado a uma paridade de preços. Ou seja, o carro elétrico começou a ter um custo inicial equivalente ao com motor tradicional. Esse é um movimento demorado. Exige demanda de compra por parte do mercado, que gera escala de produção, que, por sua vez, reduz o custo de produção, o que aumenta as vendas e assim realimenta o ciclo.

A partir disso a tecnologia passa a ser competitiva e viável economicamente. Neste caso, começamos a ter escala de produção tecnológica, o que permite a venda de carro elétrico em massa. O principal custo do carro elétrico é a bateria, que pesa no mix mais do que o motor. Nos últimos anos, as baterias de lítio ficaram mais baratas. Se você comparar agora, o custo de comprar um elétrico ainda é maior. Mas a operação do carro ao longo do tempo torna o investimento menor. A operação já é mais barata do que a do carro a combustão, dependendo de como você usa o carro. E essa vantagem tende a aumentar com o avanço da tecnologia. 

O que prevê para a próxima década? 

O avanço da tecnologia é algo progressivo, é uma combinação de vários fatores, incluindo aí a regulamentação e a política de incentivos para essa transição, que são muito importantes para acelerar o processo. Mas o principal na perspectiva de uma década é que a tecnologia vai evoluir até chegar ao ponto de que manter um carro a combustão vai ser inviável economicamente.

Ter um veículo como hobby, ok. Algumas pessoas continuarão tendo os carros de que gostam, um esportivo, uma Ferrari etc. Mas, economicamente, no dia a dia, não vai dar para competir com o carro elétrico. Já está acontecendo agora e com o passar do tempo isso vai ficar mais evidente para o consumidor. Ao mesmo tempo, haverá outros meios de transporte (ônibus e caminhão) que ainda vão utilizar motores a combustão.

Abt Sportsline

Abt Sportsline

Lucas di Grassi em vitória da etapa da Fórmula E, no México, em 2016

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Como o Brasil se situa nesse contexto de futuro? 

O Brasil tem uma opção muito interessante, que é o etanol, pelo ecossistema que foi criado em torno dessa tecnologia. No Brasil, a combustão deve ter uma vida um pouco maior por causa do etanol híbrido. Mas a energia no Brasil pode ser muito barata. Se o governo não atrapalhar, a tendência é o consumidor brasileiro produzir a própria energia na sua casa com o uso de placas solares. É uma vantagem grande para o país que não existe em outras regiões, porque temos muito sol – não dá para ter isso na Alemanha ou no Canadá. É importante pelo menos montarmos carros elétricos no Brasil ou na América Latina, para que fique viável economicamente. 

Qual é o maior desafio para a disseminação de carros elétricos no Brasil? 

Acho que o maior é basicamente o preço, e a política governamental nesse aspecto, como ela vai atrapalhar ou ajudar. Você tem aí o custo da importação e os impostos, uma carga pesada. Como não produzimos os carros elétricos no Brasil, e as montadoras vão naturalmente fazer lobby para produzir carro a combustão por mais tempo no país, é preciso ter uma política correta. Mas, se tivermos um governo que entenda essas dificuldades, vamos conseguir nos tornar um grande mercado do carro elétrico simplesmente pelo custo da energia ser muito mais baixo. 

Qual é o país com a maior frota elétrica? 

São os países nórdicos, que têm incentivos e uma renda per capita muito alta. Eles culturalmente foram os primeiros a apoiar a tecnologia. Hoje, 90% dos carros na Noruega são elétricos. 

Em quanto tempo o Brasil terá pontos de abastecimento de carros elétricos suficientes para uma frota robusta? 

Isso é um mito muito grande, se você pensar no contexto brasileiro. A maioria absoluta dos donos dos carros elétricos vai recarregar seus veículos em casa, como fazem com o celular. Os pontos de recarga públicos vão existir em locais de conveniência, como shoppings, ou em outros de muita necessidade, como as estradas. Mas a maior parte dos nossos carros elétricos vai ser recarregada em casa, em uma tomada 220 volts.  

* Reportagem publicada na edição 97, lançada em maio de 2022

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