Na contramão de montadoras como a Ford, que decidiu fechar suas fábricas no Brasil após um século de produção no país, a francesa Renault anunciou nesta segunda-feira (1º) que investirá R$ 1,1 bilhão em seu complexo fabril no Paraná.
A companhia afirmou, em comunicado, que o movimento é “estratégico” e que, além do investimento na fábrica, pretende lançar cinco veículos no país até 2022, além de dois automóveis elétricos.
Para o CEO da empresa, Ricardo Yuji Gondo, fabricar um veículo no Brasil traz muitas “complexidades”, como a alta carga tributária e os altos custos logísticos e de fabricação, que “comprometem a competitividade”. Por isso, o valor alto na hora de investir no mercado local. “Para sermos competitivos, temos que investir continuamente na renovação dos nossos produtos”, disse.
Espaço para crescer por aqui
Para Antônio Jorge Martins, coordenador Acadêmico na FGV de Cursos Automotivos, a estratégia da Renault se dá por três razões: a primeira é ocupar uma parcela de pouco mais de 8% deixada pela Ford, a segunda é se consolidar como uma fabricante de carros com motores de alta potência e a terceira, ganhar mais tração no mercado brasileiro.
“Independentemente de o mercado não estar bem, investir no Brasil é um bom negócio porque somos um dos países que apresenta o maior potencial de crescimento quando comparado com a Europa. Hoje, temos uma frota de cerca de 40 milhões de veículos para 210 milhões de habitantes. Na Europa e nos Estados Unidos, temos um veículo por habitante. Ou seja: o potencial de crescimento por aqui é muito grande. “
Antônio Jorge Martins, coordenador Acadêmico na FGV de Cursos Automotivos
Martins afirma que, mesmo que menos brasileiros comprem carros próprios, uma grande parcela da sociedade ainda usará aplicativos de transporte, como o Uber, o que continuará a movimentar o setor.
O Brasil, atualmente, produz cerca de cerca 2 milhões de veículos localmente a cada ano, valor que, em 2013, era de 4 milhões. Para Martins, as fábricas brasileiras possuem capacidade para expandir os negócios. “A capacidade produtiva das fábricas aqui é de 5 milhões de veículos. Tem espaço para produzir mais. Existe um espaço muito grande de investimento, diferentemente de outros países do mundo”, diz.
Mudando a fama de mau
O Grupo Renault fechou o ano de 2020 com resultados globais abaixo do esperado e uma dívida de € 8 bilhões, impulsionada pela pandemia do novo coronavírus e também pela novela de Carlos Ghosn –ex-diretor geral e presidente do Grupo Renault, da Nissan, da Mitsubish Motors e da AvtoVAZ–, que se arrasta desde 2018, quando o executivo foi preso por corrupção. De acordo com a fabricante, as vendas anuais da companhia caíram 21,3% no ano passado.
O CEO da montadora afirma que o investimento no mercado brasileiro ajudará a melhorar os resultados da companhia. “Após um ano difícil como 2020, queda de 27% em relação a 2019, a nossa previsão é de um crescimento do mercado brasileiro de 15% este ano, e a nossa visão é de retomada de crescimento nos próximos anos”, disse.
Para Martins, a estratégia de investir no Brasil pode ajudar a melhorar os resultados gerais da empresa e a reduzir a fama da marca de não ter carros potentes para competir. “A forma que se tem para enfrentar esse tipo de problema é a competitividade no mercado brasileiro e fazer com que as empresas evoluam em seus nichos”, afirma.
“As marcas francesas enfrentaram problemas que marcaram o Brasil, por terem peças caras e não terem se adaptado ao mercado brasileiro. Para se desprender dessa imagem, elas precisam investir, como a Renault fez, seja com a combustão ou com a motorização elétrica.”
Antônio Jorge Martins, coordenador Acadêmico na FGV de Cursos Automotivos
Virando a ‘Tesla’ do Brasil
Segundo o CEO da Renault, a marca francesa “foi pioneira na oferta de veículos elétricos” e “mais de 330 mil já foram comercializados no mundo todo”.
“No Brasil, começamos a comercializar veículos elétricos em projetos de mobilidade sustentável em 2013 e, desde novembro de 2018, oferecemos o Zoe para o público final. Somos líderes, com cerca de 350 veículos elétricos já comercializados no Brasil”, diz.
O mercado ainda é pequeno no país, com uma fatia de apenas 0,03%. Mas investir em um carro elétrico com um preço mais popular pode atrair mais o brasileiro e popularizar o setor no Brasil.
Nos Estados Unidos, por exemplo, em agosto do ano passado, a Tesla era a responsável por 80% do mercado de veículos elétricos. Mas a Tesla não deve desembarcar no Brasil tão cedo –seus altos custos tanto para a produção quanto para a venda seriam grandes empecilhos no país. Martins acredita que, exatamente por isso, o momento é oportuno para outras empresas apostarem nesse setor.
“O mercado de motorização elétrica ou sustentável está virando uma prioridade para o mercado das montadoras, até para minimizar a vantagem que a Tesla tem no mundo em termos de carros elétricos. Ela disparou porque ninguém cobria esse mercado”, afirma.
Segundo ele, a Renault está se esforçando para produzir motores mais sustentáveis e deixar os anos de prejuízo para trás. A única forma de fazer isso, no entanto, é “sair na frente” da concorrência.
“O que a Apple faz anualmente? Ela faz um evento mundial para mostrar que seus produtos, como os iPhones, estão evoluindo em todos os seus segmentos de atuação, o que faz com que a empresa tenha uma fatia do mercado tão importante que as pessoas viajam para outros países para conseguir um produto. Agora, o setor automotivo quer fazer o mesmo.”
Antônio Jorge Martins, coordenador Acadêmico na FGV de Cursos Automotivos
Para Martins, a equação para aumentar a fatia de mercado dos carros elétricos no Brasil é bastante simples: “Quem eventualmente sair na frente leva a vantagem”. Que rolem os dados.