As academias fecharam as portas em março por causa da pandemia da Covid-19. Henrique Zola, proprietário da Cross São Caetano, na Grande São Paulo, começou a promover aulas on-line para manter as atividades, os alunos e o negócio em pé. “Foi a forma que arrumamos para continuar com os nossos serviços”, afirmou o coach. Os escritórios encerraram as atividades presenciais. André Zukerman, CEO da companhia de leilões que leva seu sobrenome, manteve o contato com fornecedores, clientes e seu time de forma remota. “Usamos as videoconferências e foi incrivelmente bom.” As escolas interromperam as aulas. Rodrigo Aquino, fundador da LeanIT, empresa de educação corporativa, tinha todos os 28 treinamentos e consultorias com realização in loco, em cinco estados (Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo). A relação com os clientes e as reuniões com seus colaboradores agora são virtuais. “Não perdemos negócios e abrimos margem para sermos mais flexíveis”, disse. Zola, Zukerman e Aquino escolheram o Zoom Video Communications para dar continuidade ao trabalho.

São três profissionais que usaram a ferramenta de videoconferência pela primeira vez. Por necessidade. Fazem parte do grupo de centenas de milhões de pessoas no mundo que passaram a utilizar a plataforma recentemente. Em dezembro, o Zoom tinha 10 milhões de usuários diários. Em abril, 300 milhões. Aumento de 2.900%. Os brasileiros aderiram em massa. O que faz o Zoom focar sua atuação para o País, onde já procura espaço para instalar escritório. O momento da companhia é de fortalecer os investimentos e se apoiar no mercado latino-americano, que tem o Brasil como player regional dominante, nas palavras de Abe Smith, head of international do Zoom. Ele é o responsável por novos negócios fora dos Estados Unidos e do Canadá. “Sendo a nona maior economia do mundo, temos o Brasil como um país importante para nossos planos globais”, disse com exclusividade à DINHEIRO.

O desembarque do Zoom no Brasil deve ser pelo estado de São Paulo, onde a companhia possui um de seus 17 servidores de dados instalados em todo o mundo. É também no território paulista que está alocado o primeiro funcionário brasileiro contratado pelos americanos. O engenheiro de soluções já está em processo de onboarding na companhia e vai encabeçar o plano de entrada no Brasil. A empresa não autoriza qualquer pronunciamento dele e nem sequer revela seu nome, por questão do compliance. Nos Estados Unidos, o Zoom possui cinco funcionários que falam português. O planejamento do ingresso no Brasil inclui a expansão dos negócios com aumento da conversa com usuários, clientes privados e investidores. O setor público é outro alvo da companhia, um espaço importante a ser ocupado. O Zoom foca em números: 210 milhões de habitantes, 5.570 municípios, 26 estados mais Distrito Federal. São milhares de empresas públicas e autarquias. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgados ano passado, municípios, estados e governo federal possuem juntos 11,4 milhões de funcionários.

PARCERIA Em projeto conjunto com a Fórmula 1, o Zoom lançou o projeto Virtual Paddock Club, que oferece experiências a convidados com conteúdos ao vivo.

Ao atuar mais assiduamente no País, seja na iniciativa privada ou no setor público, o Zoom oferece a praticidade de realizar videoconferência para melhorar a rotina e os negócios. Como consequência, um dos argumentos usados para conquistar o mercado local é minimizar um dos maiores gargalos dos grandes centros urbanos: o trânsito. Abe Smith mostra estar familiarizado com a capital paulista ao citar sua precária mobilidade. “Se você também considerar o congestionamento do trânsito em São Paulo, pode demorar 90 minutos ou mais para atravessar essa megacidade de carro”, afirmou.

Reduzir tempo e reduzir custos. A partir do uso do Zoom, os gastos com deslocamentos pelas cidades, viagens, refeições, estacionamento e outras despesas caíram na empresa de treinamento de gestão de Rodrigo Aquino. “A economia girou entre R$ 50 mil e R$ 80 mil”, disse o CEO da LeanIT, que contratou o Plano Profissional, no valor de US$ 14,99 por mês. Ele inclui até nove anfitriões por conta, participação de 100 pessoas por reunião, limite de duração da conferência de 24h, relatórios, ID personalizado, 1GB de gravação em nuvem, entre outras ferramentas. Há ainda planos corporativos e empresariais que podem chegar a US$ 1.999,00 por mês. “Criamos grupos, dividimos as salas virtuais para dinâmicas diferentes. É fácil de usar, tem bom custo-benefício e atendeu as nossas expectativas”, afirmou.

André, da Zukerman Leilões, migrou os 60 colaboradores para home office. As reuniões gerais com toda a equipe eram realizadas semestralmente. Agora, ocorrem a cada semana, para atualizar metas, divulgar informativos e azeitar processos internos. Sem os deslocamentos do time, houve diminuição de gastos e, principalmente, ganhos em qualidade de vida e bem-estar dos funcionários, além de mais contato das pessoas com as famílias. “Melhorou o rendimento”, afirmou Zukerman. No pós-pandemia, a intenção é por um modelo híbrido, com mais trabalho remoto e menos presença no escritório — que será usado para cocriação de projetos, brainstorming e espaço para conversas privativas. Mudança do mindset. André Zukerman dizia ter repulsa por processos remotos. Dizia. Uma pesquisa da Robert Half, consultoria especializada em recrutamento e seleção para cargos de média e alta gerência, revelou que 86% dos profissionais brasileiros entrevistados gostariam de trabalhar remotamente com mais frequência no pós-pandemia. Exatamente a aposta do Zoom para prosperar por aqui. “O Zoom está capacitando a economia e ajudando as equipes a permanecerem sempre conectadas e trabalhando”, disse Abe Smith.

Kena Betancur

“Nós admitimos que frustramos as expectativas de privacidade nossa e da comunidade. peço desculpas. estamos fazendo algo a respeito” Eric Yuan, CEO e FUndador do Zoom.

BOOM Smith foi contratado pelo Zoom em janeiro de 2019 para liderar o processo de crescimento da companhia fora da América do Norte, onde a marca já era forte. Na bagagem trazia experiência como gestor em grandes players da área tecnológica, como Cisco e Oracle. Apesar do otimismo que sempre permeia um novo desafio, não esperava uma ascensão tão rápida e vertiginosa em apenas um ano de trabalho. (E vamos combinar que não esperava, comom ninguém, uma pandemia da ordem da Covid-19). De janeiro a abril deste ano, o número de acessos ao recurso gratuito da plataforma cresceu 31 vezes no Brasil. As assinaturas a planos pagos, de clientes com mais de 10 funcionários, triplicaram no período. Sem divulgar os dados absolutos, a empresa abre somente que “o Brasil é um consumidor muito ativo dos serviços do Zoom, com crescente interesse mês a mês”.

Nos Estados Unidos, o número de usuários móveis da plataforma no mês de março foi quase três vezes maior do que o do rival Microsoft Teams, que liderava o mercado de videoconferências, de acordo com a empresa de pesquisa Apptopia. O volume diário de usuários móveis do Zoom atingiu 4,84 milhões. O Teams foi usado por 1,56 milhão. “A plataforma cresceu pela facilidade de uso, que é intuitiva, qualidade na imagem e no áudio e estabilidade”, afirmou Sergio Yoshioka, representante institucional da Sociedade Brasileira da Computação e coordenador de cursos da área Computação e Tecnologia no Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

Crescimento de uso potencializado pelo imponderável vírus da Covid-19, que deixou metade do planeta em algum tipo de quarentena. Ter mais usuários da plataforma significou automaticamente mais dinheiro no bolso do fundador e CEO do Zoom, Eric Yuan. O empresário sino-americano estreou este ano na lista de bilionários. Sua fortuna atual é estimada em US$ 7,8 bilhões de dólares. A companhia, criada em 2011 no Vale do Silício, na Califórnia (EUA), cresceu bastante em valor de mercado. Passou de US$ 26,1 bilhões em julho de 2019 para US$ 73,8 bilhões neste mês. Valorização de 182,7%.

Os negócios também avançaram de forma exponencial. A receita do primeiro trimestre foi de US$ 328,2 milhões, aumento de 169% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em apenas três meses, o Zoom faturou mais da metade de todo o exercício fiscal anterior, quando arrecadou US$ 622 milhões. Fechou contratos com 265,4 mil empresas com mais de 10 funcionários, crescimento de 354% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. São 769 clientes contribuindo com mais de US$ 100 mil em receita de 12 meses, um acréscimo de 90%.

FORÇA CROSS São Caetano utilizou a ferramenta para manter as atividades com os alunos da academia. (Crédito:Divulgação)

Os números otimistas fizeram a companhia traçar projeção para triplicar o faturamento para este ano, alcançando US$ 1,8 bilhão. “Essa perspectiva de receita leva em consideração a demanda por soluções de trabalho remoto para empresas”, afirmou Abe Smith.

O Zoom aproveita o bom momento para lançar novos produtos e firmar parcerias com grandes marcas, para as quais oferece experiências inéditas. A mais recente é com a Fórmula 1. No domingo (19), no GP da Hungria, terceira etapa da temporada, a plataforma de comunicação por vídeo estreou o Virtual Paddock Club. O projeto oferece transmissão ao vivo para os convidados, por meio do Zoom. Os fãs, que estão proibidos de acompanhar as corridas nas arquibancadas dos autódromos, podem se sentir dentro do circo da F-1 ao assistir aos conteúdos em tempo real. “É a melhor maneira de recriar essa experiência esportiva VIP em casa”, afirmou Janine Pelosi, CMO do Zoom. Já existem conversas para expandir as possibilidades de uso do Virtual Paddock Club junto aos parceiros globais e equipes da categoria. Há possibilidade de criar um modelo híbrido virtual-presencial, para que a distância não seja mais uma barreira à hospitalidade esportiva.

SEGURANÇA Com a ascensão meteórica do Zoom, também vieram as polêmicas. Como é recorrente com as novas tecnologias, a plataforma de videoconferência prezou inicialmente pela usabilidade e comodidade. A segurança ficou para segundo plano. Foi assim com os celulares. No início as chamadas eram facilmente captadas por terceiros com simples aplicações. Com o uso intensivo, as vulnerabilidades aparecem. No Brasil, o caso mais emblemático ocorreu no início de abril, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso da ferramenta por seus funcionários após sua equipe de tecnologia identificar, por meio de sites especializados, possibilidades de acesso não autorizado à câmera e ao microfone do usuário, viabilizando o roubo de credenciais e de informações trocadas nas reuniões.

Pelo mundo, foram vários casos relatados de invasões de videoconferências por hackers, que publicaram imagens impróprias, de pornografia e violência. Roubos de senhas e exposição de vídeos privados dos usuários foram outros problemas detectados. Nos Estados Unidos, o FBI — a polícia federal americana — pediu para escolas, empresas e outras instituições evitarem a realização de reuniões abertas e divulgadas publicamente. Os episódios se tornaram tão populares que foi criado o termo ‘Zoom-bombing’.

MAIS NEGÓCIOS Zoom fechou contratos com 265,4 mil clientes no primeiro trimestre, crescimento de 354% em relação ao mesmo período do ano passado. (Crédito:Divulgação)

Como antídoto, o Zoom colocou em prática três ações. A primeira delas foi transparência. O CEO Eric Yuan reconheceu publicamente as falhas. Disse que a companhia não conseguiu assegurar mecanismos adequados diante do aumento exponencial da base de usuários. “Nós admitimos que frustramos as expectativas de privacidade nossa e da comunidade. Por isso, peço desculpas e divido que estamos fazendo algo a respeito”, escreveu no blog da empresa em 1º de abril. A segunda medida foi a aquisição, em maio, da empresa Keybase, um serviço seguro de compartilhamento de arquivos e mensagens, para elevar a qualidade da segurança e acelerar o plano de criação da criptografia de ponta a ponta que possa alcançar a atual escalabilidade do Zoom — o que foi implantado neste mês de julho.

A terceira intervenção foi a contratação de Jason Lee como diretor de segurança da informação, no fim de junho. “O Zoom leva a segurança do usuário extremamente a sério”, disse Abe Smith, ao afirmar que um grande número de instituições globais — inclusive no Brasil — fizeram análises exaustivas da segurança das camadas de usuários, redes e datacenters e continuam a usar a plataforma.

Para o professor Sergio Yoshioka, da UniSal, um ambiente totalmente seguro na rede mundial de computadores ocorre apenas se não usar a internet. “O Zoom tem dado mostras ao mercado que está preocupado com isso e tem avançado em segurança.” Na análise de Paulo Gontijo, professor especialista em segurança da informação do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI), o Zoom ainda tem sofrido com segurança, mas tem avançado. “É uma ferramenta com muita praticidade e muitos recursos. Para reuniões e aulas, é uma ótima opção. Agora, para encontro virtual entre chefes de Estados não seria recomendado”, disse.

Esse é um dos enfrentamentos do Zoom do presente. E deve ser contínuo. No futuro, o desafio é permanecer com esse modelo de negócio num cenário em que as pessoas voltam gradativamente ao seu local de trabalho. A febre do Zoom continuará ou se evidenciará temporária no pós pandemia? Os empresários Henrique Zola, André Zukerman e Rodrigo Aquino dizem que vão manter ao menos uma parte dos negócios com a utilização da plataforma. Indício de que não vai embaçar o foco dos planos de expansão do Zoom.

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