Lançado em 1966, o Corolla já teve mais de 40 milhões de unidades vendidas no mundo. Esse número é suficiente para dar mais de cinco voltas ao redor do planeta. A história do veículo da japonesa Toyota, que costuma ocupar a primeira posição entre os mais vendidos do mundo, ganhará um novo capítulo neste ano. A montadora vai lançar no Brasil o primeiro carro híbrido flex.

Os veículos que usam uma combinação de motores elétricos com a combustão não são novidade. O Prius, da própria Toyota, e o Fusion, da americana Ford, estão à venda há anos. Mas o detalhe é que eles funcionam somente com gasolina. O etanol, biocombustível menos poluente e mais abundante no Brasil, nunca foi usado em um carro comercial híbrido. Derivado da cana-de-açúcar, o etanol move veículos no Brasil desde a década de 70, e as montadoras adaptaram os veículos para ser flex nos combustíveis nos anos 2000. Agora, a Toyota puxa uma tendência que deve ser boa para o ambiente, para o mercado de carros, para os motoristas e até para a economia brasileira.

O Corolla flex híbrido deve ser feito na plataforma do Prius, modelo híbrido pioneiro da marca, cuja primeira edição data de 1997. Feitas as devidas adaptações, o motor elétrico do sedã passará a aceitar a injeção de etanol, gasolina ou a mistura de ambos. Com isso, um dos principais benefícios deve ser a melhora no consumo. Com gasolina, o veículo chega a rodar mais de 20 quilômetros com 1 litro. Com etanol, menos eficiente do que a gasolina, a média deve ser menor. Ainda assim, será superior à do Corolla com motor puramente a combustão, chegando a 15 quilômetros por litro, segundo apurado por EXAME.

De acordo com o InMetro, o Corolla 2019 flex, sem motor híbrido, faz 7,7 quilômetros por litro na cidade e 8,8 quilômetros por litro na estrada. O preço do automóvel, porém, deverá subir — analistas de mercado estimam que ficará em torno de 130.000 reais, valor não confirmado pela montadora. A Toyota ainda busca obter isenção de taxas para a importação de componentes. Com o tempo, pretende nacionalizar parte da produção do veículo e deixá-lo menos sujeito a variações do dólar.

Ricardo Bastos, diretor de assuntos governamentais da Toyota no Brasil, diz que o projeto da motorização elétrica com etanol era um desejo da montadora desde 2011, quando começaram as negociações para trazer o Prius ao Brasil. “Nós sempre nos perguntamos: por que não ter um híbrido flex? Ele une os benefícios para o meio ambiente oferecidos pelo etanol, feito com cana-de-açúcar, que absorve muito CO2, e a vantagem da eficiência do carro híbrido”, diz Bastos. A tecnologia foi desenvolvida por engenheiros brasileiros e japoneses e teve origem no Centro de Pesquisa Avançada da Toyota, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

Um dos pontos que reforçam o cenário positivo para os carros híbridos é que, apesar de elétricos e com baterias, não precisam ser recarregados em pontos de energia. É o motor a etanol (ou a gasolina) que gera a energia para o motor elétrico. “A combinação de motor a etanol com elétrico é a tecnologia certa para o Brasil. Ela se une à prática já conhecida pelo brasileiro de usar o etanol”, afirma. O investimento nesse tipo de motorização não é sem razão. De acordo com a consultoria Allied Market, o faturamento do mercado de híbridos ou com combustíveis alternativos deverá chegar a 614 bilhões de dólares em 2022, um crescimento de quase 13% ao ano.

Os carros híbridos, mais eficientes e menos poluentes do que os movidos apenas por motor a combustão, deverão ganhar parcela significativa do mercado nos próximos anos. As montadoras já se preparam para diminuir a quantidade de opções de automóveis tradicionais postos à venda. A própria Toyota conta com o Lexus CT 200h, sob sua marca de luxo, e já anunciou uma versão híbrida de seu utilitário esportivo chamado RAV4, quinto melhor em consumo de combustível na categoria, segundo dados da consultoria KBB. Dentro de pouco tempo, os carros híbridos ganharão protagonismo no Brasil e no mundo.

De acordo com a previsão do banco JP Morgan, eles passarão de apenas 1% de mercado, em 2015, para 20%, em 2025. Nos cinco anos seguintes, esses veículos deverão estar ainda mais presentes nas cidades, quase dobrando sua parcela de mercado em 2030, para 39%. Para Alisson Lopes, pesquisador na Universidade de Coventry, no Reino Unido, há uma grande oportunidade para os carros híbridos no Brasil nos próximos 25 anos. “Hoje, a participação dos híbridos no mercado brasileiro ainda é muito pequena. Mas, com perspectiva otimista, este é o momento certo para o uso dessa tecnologia nos automóveis com o suporte do etanol”, diz Lopes.

Híbrido versus elétrico

A produção de etanol no Brasil foi recorde na safra 2018/2019, atingindo 33 bilhões de litros, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento. Globalmente, o país fica atrás apenas dos Estados Unidos, que produziram quase 61 bilhões de litros na mesma safra. Para Evandro Gussi, presidente da Unica, associação que reúne indústrias do setor de açúcar e álcool, os carros movidos a etanol e motor elétrico são a melhor solução para países que querem reduzir a poluição. “De que adianta ter um veículo elétrico se a energia que o abastece vier de uma termelétrica que queima carvão? O carro elétrico pode não emitir CO2, mas a geração de energia é altamente poluente”, afirma Gussi.

De acordo com cálculos da Unica, um carro a gasolina, sem mistura com etanol, emite 147 gramas de CO2 por quilômetro rodado. Com a mistura de 27% de etanol adotada no Brasil, isso cai para 78 gramas. A redução já é positiva hoje, mas será ainda maior. O carro híbrido movido a etanol emite 28 gramas de CO2 por quilômetro rodado. Ou seja, a redução poderá chegar a 81%. E mais: a própria cana-de-açúcar usada para produzir etanol absorve essa quantidade de CO2.

Na tomada: os carros elétricos demoram para ser recarregados | GETTY IMAGES

A oferta de carros puramente elétricos — que não usam nem etanol nem gasolina — também é pequena no Brasil. Porém, ainda em 2019, chegarão os 100% elétricos da GM, da JAC, da Nissan e da Renault. O desafio para a adoção em massa é a pouca oferta de pontos de recarga nas estradas e a demora no reabastecimento. Uma carga completa em um veículo elétrico pode levar quase 10 horas — ainda que tecnologias de recarga rápida ajudem a diminuir esse tempo. Mesmo os carros elétricos da montadora americana Tesla, os mais conhecidos da categoria (ainda sem presença oficial no Brasil), têm longo tempo de recarga. Apesar da fama, a parcela dos veículos da Tesla nas vendas nos Estados Unidos ainda é pouco superior a 2%.

Diante desse cenário, as montadoras buscam soluções alternativas para tornar viáveis carros mais eficientes. Um exemplo é a japonesa Nissan, que faz isso no Brasil. A empresa firmou uma parceria com a Unicamp para realizar pesquisas com motorização elétrica e abastecimento de etanol. Nesse caso, não há combustão envolvida. O etanol é usado para a geração de hidrogênio, por meio de uma reação química que acontece no veículo. Em conjunto com o motor e as baterias que ficam dentro do carro, a tecnologia pode permitir uma autonomia de 600 quilômetros. A pesquisa com o bioetanol está em curso e pretende culminar no desenvolvimento de carros mais eficientes e menos poluentes. A Nissan usará o etanol em seus automóveis, no futuro, não só no Brasil como também no mundo todo.

Os carros a combustão vão continuar a existir, mas o banco JP Morgan estima que haverá uma queda drástica de participação de mercado: de 98%, em 2015, para 41%, em 2030. A busca por veículos mais eficientes e menos poluentes já está acontecendo. E, graças ao etanol, o Brasil poderá tomar a frente nessa corrida.

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